sábado, 25 de outubro de 2014

ESTÃO SE QUEIXANDO DE QUÊ?



Alguém aí sabe de alguém, entre as pessoas abastadas do País, que possa se queixar das suas atuais condições de vida?
Bastou o candidato Aécio Neves fechar o debate na TV Globo com a afirmativa de que o País está quebrado e a primeira chamada do Jornal Nacional dava conta de que as compras de brasileiros em viagem ao Exterior haviam batido novo recorde mensal, com R$ 2,38 bilhões de reais. Não é notícia pra alegrar a nossa indústria, que perde um volume considerável de vendas, mas revela o poder de compra de quem fez viagens internacionais. Esses compradores não são somente (e talvez nem principalmente) as pessoas mais ricas do País, até porque também as passagens para fora do Brasil estão cada vez mais ao alcance das camadas médias da população. Mas seguramente não foram os beneficiários da Bolsa Família.
Certo é que, ao contrário do que transparece em qualquer comentário de economia dos grandes veículos de comunicação, as notícias podem ser consideradas boas para todas as classes sociais.
Podiam ser melhores? Claro. Se são boas em um fase de crise global que se estende desde 2008, imagine se vivêssemos uma realidade diferente. Imagine se a economia mundial reagir favoravelmente em um novo governo de Dilma. Ou seja, um novo governo com os mesmos compromissos do primeiro e dos dois governos de Lula.
Com relação à massa salarial, não há o que questionar. A Organização Mundial do Trabalho mostra que os salários no mundo cresceram 1,3% em 2009, menos da metade dos 3,1% dos brasileiros do mesmo período. Enquanto que em 2011, o Brasil teve 2,7% de crescimento salarial contra 1,2% da média mundial.
Seriam os muito ricos que estariam pagando essa conta? Os dados mostram que os quatro maiores bancos brasileiros, somaram um lucro em 2013 de cerca de US$ 20,5 bilhões. Isso é mais que o Produto Interno Bruto (PIB) estimado de 83 países no mesmo ano, segundo levantamento com dados do FMI. Inclui-se nesse grupo o Banco do Brasil, que registrou lucro líquido de R$ 15,75 bilhões. Mas o lucro do Itaú Unibanco vem logo atrás: R$ 15,6 bilhões. O maior da história de todos os bancos brasileiros de capital aberto, segundo a Economatica. O recorde anterior, também do Itaú, era de 2011. O lucro do Bradesco no mesmo ano não ficou muito longe, alcançando R$ 12 bilhões. O quarto maior lucro foi o do Santander, de R$ 5,7 bilhões.
O setor agrícola também tem apresentado resultados positivos, apesar da crise mundial. A safra de grãos de 2013 foi recorde, com 188,2 milhões de toneladas, 16,2% acima da de 2012, que chegou a 189,5 milhões de toneladas. O único produto a revelar queda de safra foi o café arábica, por conta redução de área plantada, em virtude de queda de preços no mercado internacional.
Justificam-se então as queixas de empresários menores? Não faz sentido. É verdade que Fernando Henrique enfrentou duas crises durante o seu governo: a da Coréia e a da Rússia. Crises localizadas Nada parecido com a que pegou em cheio parte do segundo governo de Lula e a integralidade do primeiro governo de Dilma, uma crise em que mergulharam os Estados Unidos e praticamente todos os países da Europa Ocidental. Ainda assim, o número de falências durante o governo de Dilma foi de apenas 3,74% com relação ao segundo governo de Fernando Henrique e de 7,58% se comparado com o primeiro período.
O que explica a grita dos setores de alta classe média e dos brasileiros mais ricos?
A GALINHA MAIS GORDA É A DO VIZINHO
É mais ou menos o que ocorre com alguns trabalhadores que se sentem injustiçados pela política de valorização do salário mínimo.
Em sua campanha de 2002, o então candidato Lula prometia um salário mínimo em valor equivalente a 100 dólares. Seu valor oscilava em torno de 64 dólares e os adversários alegavam que a valorização quebraria as prefeituras e a Previdência Social, não seria suportada pelos empregados e que, por isso, causaria enorme desemprego.
Pois o valor atual (R$ 724,00) equivale a 294,7 dólares. E, mesmo com uma crise mundial que já perdura há cinco anos, a taxa de desemprego do Brasil está sistematicamente entre as menores da história do País, além de ser uma das menores do mundo.
Mas, como o crescimento em valor real do salário mínimo está acima de boa parte dos demais salários, não são poucos os que se queixam, mesmo vendo seus salários, na maior parte dos casos, sendo também reajustados em índices acima da inflação.
O trabalhador calcula e fica contrariado ao ver que, por exemplo, ganhava 5 salários mínimos há 10 anos e hoje percebe o equivalente a 3,5 salários mínimos. Como se a piscina enchesse e ele imaginasse que estava sendo puxado para baixo e não que a água estivesse subindo.
As classes mais abastadas, ainda quando não reconhecendo publicamente, sentem-se inconformadas pelas conquistas dos mais humildes e não pelo que perderam.
- Eu quero que você hoje fique olhando as crianças à noite, Maria, porque vou jantar com uns amigos.
É inadmissível ouvir como resposta:
- Não vai ser possível, dona Odete, pois tenho aula na faculdade.
Imagine se for um diálogo mais extremado, quando da contratação, por exemplo, a patroa já antecipando que precisará dessa extensão de expediente de vez em quando e ouvindo da candidata a emprego que não pode trabalhar à noite por causa do seu curso. E se disser que considera a noite um horário de descanso. Para muita gente, soaria quase como um acinte se a empregada aceitasse, com a condição de receber hora-extra.
Aí está o cerne da revolta da Bolsa Família, do seguro desemprego, da disponibilidade de empregos em todos os níveis de classe. O trabalhador ganham condição de rejeitar o que lhe parece indigno. A isso aquela gente acusa de preferir viver a vida na preguiça por causa do benefício.
Pessoas de alta classe média não se conformam também com a conquista, pelos trabalhadores de renda inferior, do que antes só era acessível a pessoas de seu nível social. Como o acesso a determinados serviços ou bens de consumo: celulares sofisticados, assinatura de TV a cabo, carro (às vezes zero km), roupas de marca, viagens de avião, cosméticos de qualidade, correção da arcada dentária. Aquela sensação de que “meu mundo está sendo invadido” ou “meu mundo não é mais só meu”...
Pior do que isso é quando surge a possibilidade real da disputa de privilégios, como se dá com a política de cotas. Pode representar a perda de vagas que outrora seriam reservadas para os seus filhos. Não adianta lembrar que foram criadas 18 novas universidades, com milhões de novas vagas no ensino superior. Fica sempre a sensação de perda. “Mas seriam mais vagas para nossos filhos”. Também não ajuda mostrar que o mercado de trabalho também cresceu, com muito mais oportunidades de emprego, 234.988 vagas em concursos públicos contra somente 51.613 no período de Fernando Henrique. A ideia de perda relativa não escapa.
É como lastimar a aplicação de R$ 2,1 bilhões no Bolsa Família, com todos os resultados que se conhece. Para esse extrato de classe, importa que esses resultados não são apropriados por eles. Redução da mortalidade infantil, da extrema miséria, da pobreza, da fome. Nada disso afligia a eles.
O ÓDIO AO MAIS MÉDICOS
Para uma parte não desprezível da alta classe média, é semelhante o motivo da rejeição ao programa Mais Médicos. Enfim, as 50 milhões de pessoas agora atendidas são uma gente muito distante dela.
A causa da revolta das entidades de classe dos médicos vai muito além disso. Estão unidos nisso a setores poderosos, como a indústria de medicamentos e as empresas de diagnósticos. Unidos até às redes de hospitais privados e aos planos de saúde, aí constituindo uma séria contradição com o argumento tão insistentemente repetido por suas entidades representativas, quando questionam o que chamam de trabalho escravo dos médicos cubanos. Tanto os hospitais como os planos de saúde ganhando uma enorme mais valia sobre o trabalho deles, do que por sinal queixam-se em momentos distintos.
Por que os médicos aderiram quase em ordem unida às determinações de suas entidades de classe, constituindo-se no grupo que mais ódio devota ao PT, ao governo de Dilma e sua candidatura à reeleição.
Os médicos brasileiros não são formados para prestar assistência em saúde, mas para a solução dos problemas de que se queixam os pacientes. Ou seja, para tratar suas doenças. E são preparados para fazê-lo valendo-se de sofisticados recursos diagnósticos. Preparam-se muito para isso, tendo como pressuposto a especialização, ou seja, praticar uma medicina de alta complexidade.
São ideologicamente condicionados a se verem como profissionais liberais, o que significa não terem empregadores. Há muito tempo rendem-se à acumulação dessa condição liberal com pelo menos um cargo público tão só para garantirem a aposentadoria, férias remuneradas e algum rendimento quando de afastamentos por doença ou para a participação em cursos e congressos.
Não é fácil a vida desses trabalhadores, até por se imporem uma recompensa muito rápida para o longo tempo de formação que essa realidade profissional lhes exige. Para se permitirem o exercício liberal, cumprem suas obrigações com o emprego público (às vezes mais de um) em regime de plantões: 12 horas em um, 20 horas em outro, outras tantas em instituições privadas. Somam vínculos privados para conquistarem rapidamente reconhecimento pelo mercado. Emendam assim dias seguidos da semana sem sequer irem em casa, tudo para amealharem o que entendem como uma remuneração compensadora.
A hipótese que não concebem é de se tornarem trabalhadores assalariados, como são praticamente todos os demais. Por isso, rejeitaram uma bolsa de R$ 10 mil, por dois anos, no Mais Médicos, ainda que no início da carreira, o que seria um sonho para qualquer outro profissional de nível superior. E por isso revoltaram-se a ver outros médicos aceitarem e, assim, constituírem um “perigoso precedente” no mercado. Odiaram os cubanos, como odiariam quaisquer outros médicos que aceitassem aquelas condições e, dessa forma, abrissem as portas para a universalização do sistema de profissionalização por assalariamento. O PT e Dilma são vistos como os arautos desse novo regime. Daí merecerem o mais alucinante ódio.
UMA OPÇÃO SEM VOLTA
De concreto, a eleição entre Dilma e Aécio promove uma divisão inconciliável na sociedade brasileira. De um lado, está quem entende que os frutos do esforço coletivo dos brasileiros deve beneficiar toda a sociedade. Os dois governos de Lula e o primeiro de Dilma ensinaram a milhões de brasileiros que isso é possível e que podem reivindicar esse direito aqueles que estiveram à margem disso por inúmeras gerações. É o que se chama de inclusão social. Eles aprenderam isso e querem consolidar e aprofundar tais conquistas.
Para milhões, isso significou o direito à água, à luz, à energia, à frequência dos filhos à escola, o acesso à alimentação, o direito a consultar-se com um médico. Como significou também a possibilidade de, ainda que com salários limitados, adquirir e pagar uma casa própria. Para uma imensidão de jovens representou a possibilidade de ingressar em um curso superior e, depois, eventualmente alcançar uma pós-graduação. Outros milhares passaram a especializar-se para o mercado de trabalho e a ele tiveram acesso, como empregados ou em pequenos empreendimentos. Outras centenas de milhares viram abrir-se as portas de empregos púbicos por meio de concursos. A esses milhões de brasileiros, juntam-se os petistas e os que, sem qualquer opção partidária definida, comungam com esse entendimento, mesmo que já tivessem a oportunidade de desfrutarem de tais direitos. Em outras palavras, os que não votam exclusivamente para se beneficiarem diretamente, mas para verem universalizados os direitos à vida com um mínimo de conforto e felicidade.
De outro lado, a candidatura de Aécio representa o inconformismo com essa nova equação social. Representa os que não se conformam em ver mais que os 30 milhões de sempre com acesso aos frutos da produção nacional. É claro que esse não é o discurso, pois isso significaria o suicídio como proposta eleitoral. Daí, surgem argumentos como eficiência, competência, combate à corrupção, nenhum firmemente assentado em fatos reais, até porque a realidade os desmente, na medida em que os índices e as realizações do governo mostram sobejamente que isso não falta. Inclusive o combate efetivo à corrupção, que aparece justamente por estar sendo combatida. Como um cupinzeiro, que parece não ter cupim até o momento em que é mexido e, quando isso ocorre, faz aflorar uma multidão de cupins de existência nunca suspeitada. Para mascarar o compromisso com a volta da exclusão social, agrega-se até a mentira de que a inclusão seria preservada. Por trás, uma tradição de combate a todos os programas de inclusão e o apoio eleitoral confesso de todos os segmentos da sociedade que não a aceitam e sempre aplaudiram esse combate. Essa é a disputa.
Esses segmentos sociais demonstram força especial nesta eleição. Dispondo da hegemonia dos grandes meios de comunicação, empreenderam uma guerra que, se repete as últimas disputas eleitorais entre os projetos da inclusão e da exclusão sociais, jamais chegou a esse cúmulo de radicalização. E engana-se quem supõe que não obtiveram vitórias. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar – DIAP, foi eleita a composição mais conservadora do Congresso Nacional desde 1964. Conseguiu-se manter o controle sobre estados ricos e estratégicos, como São Paulo e Paraná, além do que outros podem vir a ser assegurados no segundo turno. Criou-se um racha insuperável entre partidos tradicionalmente parceiros, como PT e PSB e, com isso, conseguiu-se levar o candidato desse grupo a uma situação de polaridade que lhe dá chances efetivas de disputar o poder. Por último, usando de instrumentos abomináveis, como a divulgação de denúncias gravíssimas sem qualquer comprovação, cria-se praticamente um cisma na sociedade, alimentando-se um ânimo que até pode favorecer manobras golpistas.
Pois ninguém se engane: quem hoje apresenta uma candidatura para obstar a inclusão das demais classes sociais ainda é capaz de acusar o lado contrário de estimular a luta de classes.
Fernando Tolentino

4 comentários:

  1. Excelente texto. Vou encaminhar para os meus amigos.

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  2. Excelente texto!
    Parabéns.Vivian.

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  3. Tem pessoa que não produz nada, apenas detém os meios de produção (muita das vezes financiado pelo BNDES), e a par disso explora a mão de obra barata sem qualquer beneficio (ele mesmo seria incapaz de operar as suas máquinas),, essa pessoa exaure o os recursos naturais (riquezas da nação),, e fica rica na Casa Grande, enquanto quem produz de verdade (o trabalhador) fica cada vez mais pobre, oprimido e doente.. Mas essa pessoa não enxerga as coisas assim.. Ela se diz a força motriz da nação, mas acorda ao meio dia.. sai da empresa no meio de expediente para ir para praia,, gasta fortunas em um carro de luxo,,, esnoba, desperdiça comida e água... Se diz intelectual mas é incapaz de enxergar o ser humano.. Se diz capacitada e de grande sucesso mas ainda pensa que está na idade média.. Oportunista ao extremo.. VIVA O TRABALHADOR BRASILEIRO!!

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  4. Com certeza, Franciane Carvalho, isso é o que impera entre quase todos os que se dizem forças produtivas.

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