segunda-feira, 19 de outubro de 2015

É PRECISO TIRAR LOGO ESSA MULHER!




Sabe aquele carro popular, novinho em folha, ostentando no vidro traseiro um adesivo de gratidão a Jesus? Ou mesmo outros veículos, conduzidos por devotados pastores evangélicos em que adesivos afirmam a condição deles: “A serviço de Jesus”.
Fico imaginando os seus muitas vezes humildes condutores, inquestionavelmente “tementes à palavra”, sendo subitamente surpreendidos pela notícia de que o “irmão” Eduardo Cunha, eleito pela comunidade evangélica carioca, pilota nada menos que um Porsche Cayenne S, avaliado em R$ 429,4 mil, debochadamente registrado em uma de suas empresas designada como Jesus.com!
Algum iconoclasta, irreverente, já poderia perguntar se não seria mais confortável a travessia do deserto a bordo desse veículo.
Cláudia Cordeiro Cruz, ex-apresentadora da Globo e esposa do deputado, tem à disposição um carro com um tiquinho menos de ostentação: outro Porsche Cayenne, ano 2006, avaliado em R$ 122,6 mil. Mas pode variar, pois a família tem ainda uma BMW e cinco SUVs. Dificilmente devem usar o Toyota Corolla, que vale R$ 60 mil e talvez, zombeteiramente, tenha aquele adesivo no vidro.
Esse fulano, em março, foi à CPI da Petrobrás e declarou, com todas as letras que o alfabeto oferece, que sua única conta bancária é a declarada oficialmente e, apesar de já haver denúncias em delações premiadas, jamais ter recebido qualquer recurso irregular. Pra não ficar fora da moda, até culpou Dilma e o PT por surgirem as denúncias, como não fosse o PT o alvo ao menos dos noticiários sobre as delações.
Agora, Procuradoria Geral da Suíça desmente a desfaçatez de Cunha e são exibidas todas as provas (se é que não surgirão outras) das quatro contas que mantém, de seus valores, de despesas privadas efetuadas por meio delas. A Procuradoria Geral da República confirma oficialmente as informações.
A desmoralização é tanta que o deputado caiu em desgraça diante da maior parte da grande mídia, que já corre atrás de detalhes capazes de jogar no ralo o que resta de sua combalida reputação (veja http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/10/documentos-contradizem-eduardo-cunha-sobre-contas-na-suica.html), só sustentada pelas revistas semanais.
Não importa se pipocam as denúncias e as confirmações delas, atingindo o titular de um Poder, diretamente situado na linha sucessória da Presidência da República. O País parece dividido, pintados para a guerra os que, desde horas após a confirmação da vitória eleitoral de Presidenta Dilma Rousseff, fazem questão de fechar os olhos a qualquer evidência de que todas as impurezas não estejam concentradas no Palácio do Planalto. Aríetes empunhados, ameaçam arrombar a porta justamente de quem não foi alvo de qualquer denúncia.
Articuladamente com a grande mídia, um grupo constituído em torno de siglas derrotadas em 2015 (PSDB, DEM, PPS, SDD) mira o horizonte à cata de chances de justifiquem a deposição de Dilma.
Teria algum alento em decisões do TSE? E nisso insistem desde momentos após o desligamento das urnas. Haveria alguma nódoa em investigações da Lava-Jato? Seriam bafejados por conclusões do TCU, uma corte em que costumam se recolher parlamentares já sem ímpeto para as refregas eleitorais?
Para os dois regentes do grupo – o ex-candidato (ex?) Aécio Neves e o deputado Cunha, titular de uma das batutas até o início desta semana – não tem a menor importância o nome do pretexto. Interessa apenas golpear a Presidenta eleita. É preciso tirar logo essa mulher.
Parcelas consideráveis de classe média e até pessoas humildes são manipuladas nessa direção, buscando-se acicatar a sua insatisfação com o momento de crise econômica, como se isso ou as suas consequências pusessem em questão a legitimidade de um mandato presidencial.
E por que mesmo é preciso tirar logo essa mulher?
ESTÃO COM MEDO DE QUÊ?
Esta é a única certeza para a nata da corrupção brasileira. Ops! Nata, não. Crosta.
A convicção já existia no mandato anterior, mas se firmou ainda mais no discurso de Dilma imediatamente após a sua vitória de 2015. Ao advertir que não sobraria pedra sobre pedra (http://blogdetolentino.blogspot.com.br/2014/12/bem-que-dilma-avisou-nao-sobrara-pedra.html), Dilma deixou claro que as portas continuavam escancaradas às investigações, dispondo a PGR e a Polícia Federal de total apoio, indiferentemente de quem pudesse ser alcançado por elas.
Para isso, os 12 anos anteriores haviam preparado os instrumentos de Estado. Nem bem assumiu, o então presidente Lula estruturou a Controladoria Geral da União, inclusive com nível ministerial. Em 2006, criou o Portal da Transparência, abrindo à sociedade as informações disponíveis sobre a Administração Pública Federal. Desde o início de seu governo, criou a tradição de escolha do primeiro colocado na lista preparada pelos procuradores da República para a designação do Procurador Geral, uma demonstração concreta do respeito à sua independência. Concursos e investimentos somaram-se à preservação de sua autonomia para que a Polícia Federal pudesse efetivamente atuar em favor de um Estado republicano. Já no primeiro governo de Dilma, duas leis aprofundaram essa verdadeira revolução. A Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011), abrindo ao cidadão a possibilidade de questionar sobre dados e informações à disposição do Estado, e a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846, de 2013), que inovava ao propiciar que corruptores também pudessem ser presos, justamente o que está chamando a atenção na Operação Lava-Jato.
É aquele compromisso de Dilma que incomoda (e preocupa) tanta gente. No que isso vai dar? Será mesmo a moralização levada às últimas consequências?
Dê só uma olhada em algumas manchetes ligadas a várias das figuras que se articulam freneticamente no movimento de que é preciso tirar logo essa mulher.
Paulinho da Força (SDD):
João Agripino (DEM)
Ronaldo Caiado (DEM)
Aécio, Serra e Aloísio Nunes Ferreira (PSDB):
Cássio Cunha Lima(PSDB):
E o outro Cunha? Não o Cunha Lima nem o Cunha Neves, mas o Eduardo. Nem é bom falar...
Agora, é só você responder pra você mesmo. Dilma já deixou claro que não vai livrar a cara de ninguém e as estruturas de investigação têm o seu apoio. Com toda a cobertura para a Procuradoria Geral da República, a Polícia Federal procurando e encontrando provas, o céu ameaçando desabar sobre as suas cabeças, essa gente tem ou não tem lá suas razões quando dizem que é preciso tirar logo essa mulher?
Mas pense só um pouquinho: você quer que tudo se esclareça e todos os corruptos sejam punidos ou está com saudade daquele tempo em que ninguém sequer sabia dos mal feitos dessa gente e, quando sabia, ficava tudo por isso mesmo?
Fernando Tolentino


domingo, 4 de outubro de 2015

ISSO NÃO PRECISAVA ACONTECER

Reuni toda a coragem que consegui e fui ao local do acidente. Reúno mais ainda agora para este relato.
Esplanada dos Ministérios, pouco depois da Estação Rodoviária. Uma avenida larga, com seis pistas, trecho levemente ascendente e requerendo baixa velocidade, até por estar imediatamente antes do acesso ao estacionamento do Conjunto Nacional Brasília.
Os ônibus de centenas de linhas que saem da Rodoviária avançam pelas pistas da esquerda ou fazem o contorno, também à esquerda, para seguir em direção à Asa Sul. A travessia é feita somente pelos que precisam usar a W 3 Norte, inclusive por existir um ponto em frente ao Setor Hoteleiro Norte em que podem precisar parar, após aquele viaduto visível na foto.
Vi ônibus tentando fazer essa manobra, os cobradores usando o braço para pedir a preferência aos carros menores.
Não queria julgar ninguém, mas sentir e constatar o que pode ter ocorrido.
Os ônibus podem, sim, aguardar o fechamento da sinaleira para sair da Rodoviária com a avenida inteiramente livre e atravessar as pistas.
Mas seria esperar muito? Esperar dos motoristas de ônibus o que os de veículos de passageiros não se dispõem a ter?
O quê? A compreensão de que o trânsito precisa ser solidário.
A causa real é uma só. Ao motorista jamais ocorre que, ao seu gesto, sucede o risco. E o risco pode ser até de morte.
Cada condutor vê o trânsito como uma disputa e, portanto, um processo em que precisa se dar bem. Vencer. Superar os outros.
Por isso, carros maiores, mais velozes, mais potentes. E mais seguros, para os seus próprios passageiros, é claro. Mais bonitos e caros, também, pois a competição não é apenas de disputa de espaço no asfalto, como igualmente de status.
Por incrível que pareça, não é apenas uma disputa entre condutores de máquinas, mas não raro esses fazem a disputa de espaços também com os pedestres.
UM PAÍS QUE MORRE AOS POUCOS
Por isso, o Brasil perdeu 42.266 vidas por causa de acidentes de trânsito em 2013. E (pasmem!) comemorou que o número fosse somente este!!! É que tinha havido uma redução com relação às 44.812 famílias que sofreram a mesma dor insuportável em 2012 e as 43.256 de 2011.
Isso mesmo, 130.334 mortes em apenas três anos. E ainda é motivo de “comemoração”.
É mais que as populações do Gama, Santa Maria, Guará, São Sebastião, Sobradinho ou 18 outras regiões administrativas do Distrito Federal. Mais que o dobro dos residentes no Cruzeiro, onde eu moro.
Eu estou falando de mortes. Nem vou contabilizar os números relativos à invalidez permanente, as múltiplas sequelas, o volume de recursos públicos consumidos, retirados da atenção básica à saúde.
O mais arrasador é que, se cada um de nós refletir durante não mais que dois minutos, vai chegar à óbvia conclusão de que tanta dor poderia ter sido simplesmente evitada. Parte pequena por meio de mais cuidados com os veículos ou com as estradas e a sinalização.
Quase todas as perdas seriam evitadas com a mera mudança de atitude dos condutores de veículos.
Chegamos ao terrível acidente de Rodrigo.
Jamais ocorre ao motorista o risco que o outro corre, seja um pedestre, um animal, um ciclista, um motociclista ou mesmo o condutor de um veículo menor ou menos seguro. A conclusão é fácil: cabe ao outro se proteger. Como Rodrigo tentou. Ao ser fechado na quinta ou na sexta faixa da travessia do ônibus, ele se precipitou para fora da pista, atingindo uma placa e uma árvore.
Há relatos de que a alegação do motorista do ônibus foi de que não o viu. Mas precisava ver. Precisava mais: evitar que ocorresse uma situação em que encontrasse outro veículo em seu caminho. Ou seja, deveria evitar a situação de risco.
Não quero incriminá-lo. Quero a alma desse motorista em paz, até porque ele continua com a arma na mão.
EM NOSSO MEIO HABITAM ANJOS
Eu quero para aquele motorista a alma da jovem Taís, em que habita um anjo. Da sua janela, no ônibus, viu o acidente. Fez que o motorista parasse. Mudou o rumo do seu dia: desceu, buscou acudir Rodrigo, avisou a mãe, recolheu os seus pertences e o acompanhou ao hospital. Depois que já não havia nada a fazer, chorou discretamente ao lado da família durante algumas horas e saiu, enxugando as suas lágrimas.
Peço a reflexão de cada um. Ao ver uma moto, o que lhe passa na cabeça:
“A moto é frágil” ou a “a moto é ágil”?
Se a imagina como “frágil”, é muito provável que você seja um condutor solidário, que usa a sua destreza para evitar um sinistro. Se lhe passa somente a ideia de que é “ágil”, mais ágil que você consegue ser, em um trânsito às vezes demasiadamente moroso, a muitos é possível que ocorra uma atitude de despeito, não raro traduzida na enorme agressividade que sofrem os motociclistas.
Não estranhe. Passa na cabeça de muitos que é preciso vingar-se daquela agilidade. Nem lembram que, caso a compra da moto tenha sido uma opção de consumo – e não uma decorrência de necessidade econômica – o motociclista privilegiou a agilidade, mas abriu mão do conforto e da segurança de quem está acomodado em um automóvel. Submete-se a condições adversas de clima, muitas vezes tendo que se deter para proteger-se da chuva.
Conheço essa atitude agressiva de motoristas. Eu mesmo já a sofri quando a moto era o meu meio de transporte e eu jamais a usava para afrontar nenhum motorista. Nem mesmo o seu espírito competitivo. Eu me percebia frágil e isso já seria o suficiente, mesmo que não visse o trânsito pelo viés da solidariedade.
Saiba que os motociclistas mortos em acidentes foram 11.268 em 2011, um crescimento de 263,5% com relação a 2001, dez anos antes.
Talvez nenhuma dessas famílias, nenhum amigo, precisasse realmente ter chorado ou viver, depois, tudo o que significa a falta de alguém querido e muitas vezes indispensável à sua sobrevivência.
Sei que Rodrigo, com seus 20 anos, usava a sua moto (há apenas poucos meses) com perfeita consciência do risco que representava, temendo-o e respeitando-o. Não há como trazê-lo de volta.
Que pelo menos fosse a última vítima.
Eu acho que basta. E você?
Fernando Tolentino
As fotos 1 e 3 são da fotógrafa Vanessa Ottoni, mãe de Rodrigo