terça-feira, 28 de abril de 2015

OLDEGAR, JÁ SÃO CEM ANOS


Eu devia ter uns 13 anos quando me encorajei e entreguei ao meu pai, Oldegar Franco Vieira, a minha polpuda pasta de poemas juvenis. Queria que me desse uma opinião. Ansioso, cobrei o parecer dois dias depois. Quando perguntei o que achou, disse apenas: “Você precisa ler mais.”
Nunca mais falamos no assunto. Embora até hoje, aos 67 anos, continue cometendo alguns poemas de uma produção bissexta, eu nunca me aventurei a publicá-los. Vá que não tenha lido o suficiente!
Depois de me assegurar de uma formação que, aos olhos da época, garantiria o meu sustento (Administração Pública), tornei-me também jornalista. Mas publicar poesia, nunca!
Pois Oldegar aventurou-se na sua trajetória intelectual aos 17 anos, ao despertar o interesse pela cultura japonesa com a leitura de "Missangas", de Afrânio Peixoto. Enveredou-se pelo haicai, gênero de poesia tipicamente nipônico, considerado nobre pela sutileza de suas mensagens de caráter reflexivo. Nos idos de 1940, estimulado pelo próprio Afrânio Peixoto, publicou Folha de Chá, tido como o primeiro livro brasileiro inteiramente de haicais, um gênero então ainda pouco comum e que assombrava alguns autores. Ao concorrer a concurso da Academia Brasileira de Letras, Cassiano Ricardo tratou a publicação como “pura extravagância em face da sensibilidade brasileira”. Uma indelicadeza com Guilherme de Almeida, que integrava o júri e já escrevia haicais.
No prefácio do livro, Oldegar definia o haicai: “Eles são como a palheta que tange as cordas das almas. Neles se dá a liberdade interior e pessoal de modular a nota inicial segundo as inclinações sentimentais diversas.”
Já morando no Rio de Janeiro, para onde migrou aos 22 anos, com o título de bacharel em Direito, Oldegar lecionou no Senai, dando seguimento à longa carreira de magistério, que iniciara no Colégio Estadual da Bahia (Central). Trabalhando no INEP (órgão do Ministério de Educação e Cultura), o Prof. Lourenço Filho o indicou para Diretor de Educação do então Território do Guaporé, hoje Estado de Rondônia. Lá, implantou o movimento escoteiro e casou com a minha mãe, enfermeira graduada no Rio e nascida na distante Florianópolis.
Oldegar completaria o seu centenário nesta terça-feira, 28.
Ao voltar para a Bahia, além de atuar como procurador, foi professor da Universidade Federal da Bahia e da Escola de Estatística da Bahia, que fundou e dirigiu durante vários anos, assim como da Escola Técnica M. A. Teixeira de Freitas. Criada a UFBA, o reitor Edgard Rego Santos confiou-lhe importantes tarefas, dentre as quais a organização da recém-fundada Escola de Administração.
Seu valor intelectual não deixou de ser reconhecido, tornando-se membro da Academia de Letras da Bahia, da Academia de Letras Jurídicas e da Academia Mater Salvatoris, além da Associação Cultural Brasil-Japão (da qual hoje é o Presidente de Honra).
Oldegar é autor de diversos ensaios de Direito, Educação e Geografia, entre outros temas. Desde a juventude, colaborou com diversas publicações, especialmente jornais baianos e cariocas. Publicou ainda Gravuras no Vento (haicais) e, recentemente, teve poesias incluídas em coletânea de haicais organizada por Adriana Calcanhotto (Haicai do Brasil, Editora Janeiro), no qual também é incluída sua irmã, Joanna Angélica Vieira Ribeiro, que declara ter se tornado haicaísta como uma homenagem a ele e hoje é uma poetisa apreciada.
Uma das obras mais agraciadas de Oldegar Vieira foi justamente um ensaio sobre o haicai, que o credenciou a ser convidado a receber, no Japão, a insígnia de Comendador da Ordem do Tesouro Sagrado com Laço, outorgada pelo Imperador Akihito.
Fernando Tolentino

domingo, 26 de abril de 2015

VOCÊ VAI CONTINUAR EMPREGADO?



Imagino como anda a sua cabeça se você é bancário, professor, profissional de enfermagem, operário de alguma indústria, empregado dos Correios.
São só alguns exemplos de categorias organizadas, estruturadas, que levaram anos para constituírem os seus sindicatos e se fazerem respeitar por seus patrões, conquistando alguns direitos. Direitos que têm de confirmar anualmente, à custa de muita mobilização.
Se prevalecer a vontade da maioria dos deputados federais, tudo isso poderá estar simplesmente no chão em não mais que alguns meses.
Mas não se enganem. Não são apenas os direitos dessas categorias de trabalhadores, mas a de praticamente todos, exceção para os trabalhadores já terceirizados, que representam 26,8% da mão de obra registrada no Brasil. Não menos que 12,7 milhões.
Perguntem a essa gente como que eles são obrigados a lidar com os seus 790 mil patrões, que faturam R$ 536 bilhões anualmente com o trabalho deles.
Esses empresários estão de olho em uma multiplicação escandalosa desse valor. Basta pensar nos bancários, uma categoria que certamente já se sente diretamente ameaçada. E não escapam do apetite deles os bancos estatais, sejam os estaduais que não foram engolidos pela sanha privatista do neoliberalismo ou os ligados ao governo federal. Esses provavelmente não teriam a mão de obra terceirizada no atual governo, mas há sempre o risco de uma candidatura bem sucedida de partidos que votaram quase unanimemente no PL nº 4.330.
QUEM PAGA É QUE MANDA
Com financiamento privado de campanha, não é fácil deputados e senadores votarem contra os interesses dos empresários, que lhes exigem fidelidade canina. Por isso, o número de votos favoráveis (324 contra 137 e duas abstenções) foi superior aos 3/5 necessários para a aprovação de uma emenda à Constituição.
Houve partidos que deixaram esses financiadores orgulhosos dessa submissão, como o PV e (vejam que coisa!) o Solidariedade, organizado em torno do deputado Paulinho, da Força Sindical. Mas os grandes partidos conservadores não falharam nesse compromisso contra os trabalhadores. PMDB, PSDB, DEM, PSD, PRB, PR e PTB mostraram que são apenas poucas exceções que não se curvam ao poder econômico ou a ele estão diretamente ligados.
Até o PSB, com tradição de esquerda e decisão formal de sua direção contra o Projeto, ofereceu 20 dos seus 30 votos. O caso do PDT certamente faria vomitar o seu fundador Leonel Brizola: 13 (65%) dos seus deputados votaram pela aprovação. O PPS, hoje apenas uma sublegenda do PSDB, teve papel humilhante para a maioria dos seus fundadores, que reivindicava a herança do Partido Comunista fundado em 1922. Mais de 72,7% de sua bancada votou contra os trabalhadores.
Somente o PT (61 deputados), o PCdoB (13), o PSOL (5), o PTC (2) e o PRTB (1) não deram um só voto ao Projeto.
Aqui, vale uma perguntinha talvez incômoda. O seu deputado lhe avisou que iria usar o seu voto para fazer que praticamente todos os trabalhadores brasileiros sejam terceirizados?
Se você votou em um candidato por ser da sua igreja, ele lhe fez essa confidência? Pois a bancada evangélica votou em peso a favor do Projeto. Se escolheu o seu candidato para votar em “alguém da região”, mesmo sabendo que se trata de um grande proprietário rural, saiba que a bancada ruralista não vacilou e apoio a proposta de forma praticamente integral.
Se quer ver como votou o seu deputado, abra essa conexão da revista Carta Capital
O QUE PODE ACONTECER AGORA
Com o Projeto já aprovado na Câmara, falta a decisão do Senado. Já tramitava há dez anos, mas o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) parece achar insuficiente o seu poder sobre a Câmara. Não estou falando de suas constantes mostras de querer dar ordens para a presidenta Dilma. Enfureceu-se quando o senador Renan Calheiro, presidente do Senado, previu que deverá ser discutido detidamente e não deve ser aprovado em 2015.
Aqui, vale lembrar que, em 2018, o Senado terá duas cadeiras por Estado em disputa. Significa que dois terços terão que pedir votos. E eles sabem que uma matéria como a terceirização não tende a ser facilmente esquecida pelo eleitor. Por isso, Cunha quis logo a votação, longe das próximas eleições.
Cunha disparou ameaças. Lembrou que a última palavra é da Câmara, ou seja, ela pode ou não aceitar as alterações feitas no Senado. E disse mais: que alguma demora do Projeto implicará em tratamento equivalente quando chegar à Câmara uma matéria originária do Senado.
Uma pequena pausa só para lembrar, mais uma vez, como foi importante o seu voto para deputado. E, então, já olhou a lista? Foi alguém que votou contra você.
Se e quando o Projeto for aprovado pelo Senado, ainda será necessário que a presidenta Dilma o sancione. Se o vetar, volta para que Câmara e Senado aceitem ou não o veto.
Mas, pelo tom ameaçador de Eduardo Cunha ao se dirigir ao presidente da outra Casa do Congresso, dá pra imaginar as pressões que Dilma sofrerá.
AS MUDANÇAS QUE PODERÃO VIR
Uma coisa é certa. Será muito tentadora para os empresários brasileiros a possibilidade de terceirizar a mão de obra utilizada em seus negócios. Daí, o peso jogado na aprovação pela Câmara.
(Só Paulinho da Força não viu. Ou viu?!)
Não é nada, não é nada, os dados mostram que os atuais empregados terceirizados ganham salários 24,7% menores e têm uma jornada em média com três horas a mais.
Além disso, a substituição desses trabalhadores praticamente não tem custo. Tanto que os terceirizados trabalham 2,6 anos a menos.
Os dados também mostram que eles sofrem mais acidentes. Em cada 10 acidentes de trabalho, nada menos de 8 são de terceirizados. Mas bem sabemos que está não é propriamente uma grande preocupação para empresários. Preocupava mais durante a escravatura, quando a mão de obra era uma propriedade e, portanto, os danos afetavam o valor do patrimônio.
A grande novidade, que faz brilhar os olhos dos ávidos empresários brasileiros, é que a mão de obra deverá ser ainda mais barata. Voltando aos bancos. Ao substituírem os bancários, os terceirizados não terão qualquer dos direitos adquiridos pelos sindicatos deles. Serão representados, em futuras negociações, pelos sindicatos da mesma categoria de seus empregadores, isto é, das empresas de terceirização.
E não é coisa pra demorar. Os deputados financiados por empresários – e as bancadas que se aliaram a eles – cuidaram de pôr uma cereja sobre o bolo na última hora. Reduziu-se para um ano (antes eram dois) a chamada quarentena, tempo em que um trabalhador poderá ser aproveitado como terceirizado após deixar seu emprego na mesma empresa. Com salário menor ou alguém duvida?
MERCADO DE TERCEIRIZAÇÃO DEVE EXPLODIR
A grande mudança do possível (ou provável?) advento da terceirização indiscriminada é a abertura das atividades-fim, embutida na definição de que alcança atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica de quem contrata os serviços terceirizados.
A coisa é tão séria que, embora a lei não se refira à administração pública, teme o Fenajufe (que representa trabalhadores do Judiciário e do Ministério Público) que mesmo os órgãos do governo federal, dos estaduais e dos municipais não estejam livres dessa possível febre.
Claro que os concursos públicos tendem simplesmente a desaparecer. Mesmo que a administração direta não seja atingida, é bom que se diga. Muito da atividade-meio da administração pública já está terceirizada. Além do que as mesmas forças que aprovam este projeto – e demonstram recente robustez política – são as que advogam a minimização do Estado.
Mas grande parte dos concursos públicos na verdade não são voltados apenas para prover de pessoal a administração direta. Os bancos públicos e inúmeras estatais são constitucionalmente obrigadas a se valer de concursos para recrutar os seus empregados. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 4.330/10 dá um autêntico balão na Constituição.
EXPERIÊNCIA NADA ALENTADORA
Há 12 anos administrando um órgão do governo federal (Imprensa Nacional), tivemos mais de 20 contratos com terceirização de diferentes serviços. São raros os casos de empresas em que a relação acarreta problemas pequenos e pontuais.
O corriqueiro são problemas graves, com prejuízos para o governo e, principalmente, os trabalhadores. Isso porque temos os contratos sob intensa fiscalização, acompanhada pessoalmente, além de uma atitude de busca da antevisão dos problemas, a partir de contato intensivo com os empregados das empresas e troca constante de informações com os seus sindicatos.
Não é raro o puro e simples descumprimento contratual. Por isso, deixamos de renovar vários contratos de empresas que deixaram de entregar materiais e sistematicamente negam aos seus empregados direitos como o depósito tempestivo do FGTS e da contribuição previdenciária, o pagamento de vales-transportes e tíquetes refeição, os próprios salários e o 13º.
É claro que isso leva a paralisações, a faltas e à insatisfação, que só não é generalizada porque, em nosso caso, há a certeza dos trabalhadores que podem contar com o rigor e a solidariedade da administração.
Como as empresas são contratadas para períodos anuais, renováveis até o máximo de 60 meses, a administração tem frequentemente que lidar com novas licitações. Ainda mais que a Instituição foi várias vezes forçadas a determinar a interrupção dos contratos e a realização de novos pregões.
Os pregões impõem custos administrativos, exigindo um tempo considerável de atenção por parte de equipes de pregoeiros, tramitação administrativa, análise jurídica. Quando se realizam, raramente se esgotam em prazos razoáveis, passando por recursos administrativos e frequentemente judiciais, até porque o retardamento do processo proporciona lucros adicionais. Isso quando não exalam um forte cheiro de combinação entre os concorrentes.
O mais perverso é quando empresas desaparecem, às vezes sem que se possa fazer qualquer previsão de que isso venha a ocorrer. Encontrei essa situação no dia em que assumi a direção do Órgão. Uma empresa sumira e quase uma centena de trabalhadores estava sem receber os salários de dezembro e janeiro, além do 13º, dos vales-transporte e tíquetes-refeição. A situação voltou a se dar com pelo menos duas outras empresas. Quando isso ocorre, só resta aos trabalhadores reclamarem seus direitos na Justiça, em processos que se arrastam por anos.
Conseguimos evitar que a situação se repetisse com pelo menos mais três contratadoras de mão de obra, fazendo uma articulação com os sindicatos das categorias e o Ministério Público do Trabalho. Mas isso não quer dizer que todas as demais tenham honrado sempre os seus compromissos com os empregados. Mesmo empresas que não falharam durante muitos anos surpreenderam seus empregados e a administração com súbito descumprimento de obrigações trabalhistas ou previdenciárias.
O Projeto recém-aprovado reserva uma experiência amarga também para os futuros contratantes. Sempre que esses descumprimentos se derem, haverá um sério risco de que caiam na suas costas as obrigações não quitadas. Segundo o Projeto, a responsabilidade poderá ser transferida ao contratante quando a empresa contratada não tiver patrimônio que permita honrar esses compromissos.
Não esqueça caso você realmente esteja entre os que colocaram na Câmara deputados comprometidos com interesses empresariais e que, agora, votam para acudir seus interesses, como no caso do Projeto de Lei nº 4.330/10. Só muita mobilização popular pode conter essa avalanche conservadora. E sua responsabilidade é no mínimo maior do que a dos trabalhadores que perceberam o risco na hora de votar e hoje, ao menos, podem se orgulhar dos seus deputados.
Fernando Tolentino