segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A MÍDIA E SUA IMAGEM




A aura de apartidarismo dos meios de comunicação se desfez, indica pesquisa Vox Populi de dezembro
Marcos Coimbra
Um resultado da última pesquisa nacional do Instituto Vox Populi, concluída em dezembro de 2015, surpreende quem estuda a percepção da população a respeito da mídia.
Ela mostra que, depois de anos de imagem predominantemente apartidária e neutra, os “grandes” veículos de comunicação passaram a ter uma nítida identidade político-partidária. Apenas a parcela menos interessada e menos informada da opinião pública ainda a vê como equidistante dos partidos. 
Da década de 1960 para cá, em razão de seu controle sobre a formulação de narrativas, os grandes grupos de comunicação realizaram a proeza de estar sempre por cima: enriqueceram na ditadura e continuaram a lucrar na redemocratização.
Refestelaram-se após o golpe de 1964, em pagamento por sua participação nas articulações para derrubar João Goulart e do apoio que nunca negaram aos ditadores.
Só se bandearam para a oposição quando o regime envelheceu e se revelou disfuncional a seus interesses. Ganharam de novo. Conseguiram se reposicionar, encobriram seu passado e se apresentaram como se sempre estivessem ao lado da democracia.  
As pesquisas de opinião, feitas desde o fim dos anos 1980 até recentemente, mostraram que essa estratégia havia sido bem-sucedida. Existia um quase consenso na opinião pública sobre a “neutralidade da imprensa”, em que pese o ativismo nitidamente partidário de seus principais veículos.
Quem não se lembra da sucessão de manobras do Sistema Globo contra Leonel Brizola? Quem se esqueceu da edição que a TV Globo veiculou do debate entre Fernando Collor e Lula no segundo turno da eleição de 1989?
A mitologia da neutralidade, curiosamente, sobreviveu até mesmo à confissão de que ela não existia. Há cinco anos, ninguém menos que a presidenta da Associação Nacional dos Jornais admitiu candidamente que, ao contrário do estabelecido no mito, “(...) os meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada”. Era verdade e permaneceu verdadeiro desde então.  
Demorou até um número crescente de brasileiros dar-se conta de que a mídia nada tem de apartidária, nem hoje nem nunca. A lenda da neutralidade resistiu além do razoável, sustentada em estereó­tipos diariamente reforçados e na desatenção do público consumidor. 
Na pesquisa Vox Populi de dezembro, foi perguntado aos entrevistados se achavam que “os meios de comunicação atacam muito o PT, Lula e Dilma e protegem o PSDB, Fernando Henrique e Aécio”, se supunham o contrário (que atacam os tucanos e protegem os petistas) ou se “os meios de comunicação não atacam nem protegem ninguém e tratam todos da mesma maneira”.  
Para uma mídia que finge ser neutra, o desejável seria que a grande maioria optasse pela terceira resposta. Não é, porém, o que acontece: menos da metade, 47% dos entrevistados, a escolheu. O que significa dizer que 53% dos entrevistados não consideram que a “grande” mídia trate os partidos de forma equitativa, dos quais 26% acham que ela ataca o PT, 11% o PSDB e 16% não têm opinião. 
Mais reveladores são os resultados para os grandes segmentos político-partidários em que a população pode ser dividida, petistas, antipetistas e aqueles que nem aprovam nem desaprovam o PT. Quando essas diferenciações são consideradas, os números ficam mais nítidos.  
Apenas 37% dos simpatizantes do PT acham que a mídia “trata todos os partidos da mesma maneira”, o que, inversamente, quer dizer que quase dois terços não a avaliam como imparcial. Entre os neutros em relação ao partido, a proporção daqueles que imaginam ser ela equidistante é também menor que no conjunto dos entrevistados. 
A maioria dos que consideram que a mídia é “apartidária” é formada por antipetistas. É apenas nesse grupo que a taxa daqueles que acreditam na neutralidade ultrapassa a metade: quase 60% afirmam que os meios de comunicação “tratam todos da mesma maneira”. Apenas por se identificarem com o antipetismo que nela percebem. 
Este é o resultado da investida dos grandes grupos de comunicação contra o PT e suas principais lideranças. Ao escancarar que têm lado, jogaram para o alto o investimento de anos para se apresentarem como equilibrados e apolíticos. Mas não é a primeira vez que seus proprietários escolhem esse caminho. Já haviam tomado rumo semelhante em 1964. 
Lá, a aposta no golpe deu certo. Agora, contudo, nada assegura seu sucesso. Disso, o que vai restar, muito provavelmente, é uma mídia com imagem indelevelmente marcada pela rotulação partidária.
Marcos Coimbra. Publicado originalmente na Carta Capital, em 29.02.2016.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A INCRÍVEL BATALHA EM QUE TODOS TIVERAM O QUE COMEMORAR


São Paulo (SP), Fórum Criminal da Barra Funda, 12 horas, 17.02.2016 – Todos os manifestantes pró-Lula cantam o Hino Nacional e encerram o ato de solidariedade convocado pela Frente Brasil Popular e por movimentos sociais tendo em vista a audiência, desmarcada, em que o ex-presidente e sua esposa, Marisa, prestariam depoimento diante do Ministério Público de São Paulo.
De um lado, manifestantes golpistas contabilizam o que seriam consideráveis revezes, ao menos aos olhos de analistas pouco atentos. Há menos de 24 horas, tinham como certo de que festejariam a entrada no Fórum de Lula e dona Marisa, mas foram surpreendidos, ao final da noite passada, pela decisão do Conselho Nacional do Ministério Público em que tais as irregularidades cometidas pelo procurador Cassio Conserino, a audiência foi suspensa a partir de representação do deputado Paulo Teixeira (foto acima). Era tudo que precisavam e perseguem há tempo, uma imagem de Lula como se fosse um criminoso. No caso, queriam essa moldura, Lula entrando no Fórum Criminal. Estampada nas imagens de TV, de jornais e revistas, projetavam como fixada para a população mais ignorante (não estou dizendo com menos anos de escolaridade) tal significação, que seria levada pelo menos até o pleito de 2018, passando antes pelas eleições municipais deste ano e por todos os atos favoráveis ao golpe que conseguirem realizar durante o mandato de Dilma Rousseff.
Não bastante, fizeram mais uma manifestação com números ridículos, sem conseguir escapar da comparação da mobilização favorável a Lula, apenas a alguns metros deles. Para cada um deles, era possível contar pelo menos vinte manifestantes convocados pela Frente Brasil Popular, dos movimentos sociais e partidos que se opõem firmemente ao golpe: PT, PDT, PCdoB e PCO.
Tentaram compensar essa desvantagem com linguagens denotativas. Estimulavam que os condutores de veículos buzinassem, no que obtiveram relativo êxito, o que seria de esperar numa cidade como São Paulo, em que milhões de eleitores anistiam previamente Geraldo Alkmin e o PSDB de tudo que possam fazer contra o povo e o erário. No momento, fingem não saber do escândalo da merenda. Nos anos anteriores, da falta de água. Antes, do “trensalão”. 
Levaram o boneco em que buscam fixar a imagem de presidiário em Lula. Mais uma vez, não deu certo. Usaram de um ardil: o comando do destacamento de choque da PM obteve um acordo com as lideranças dos movimentos sociais de que esses não hostilizariam os direitistas e eles não encheriam o boneco. Claro que o acordo não foi cumprido. Quando era erguido, sucessivas levas de manifestantes contra o golpe se projetaram sobre o reservado em que os direitistas eram protegidos, até que um senhor conseguiu furar o boneco. Levou umas boas porradas, mas se transformou em um dos ídolos do ato de hoje, como a estudante Manu o foi na primeira aparição do boneco e bem lembrou hoje em sua fala.

Restou a figura excêntrica da musa da pocilga, algo que não imaginaria ainda ver em minha vida, uma madame desfilando com a expressão “64 neles” nas costas da camiseta e adulterando uma bandeira brasileira. Na frente dessa camiseta, a inacreditável foto de ninguém mais, ninguém menos que ele (duvidam?!): o general João Batista Figueiredo, aquele que dizia gostar mais de cheiro de cavalo que de povo.
Mas se engana quem supõe que os golpistas tiveram apenas derrotas. Logo de início, foi possível observar que a mídia se concentrava neles. Embora o número deles fosse insignificante, ao menos 12 câmeras de TV começavam o dia voltadas para o lado em que se juntavam, à esquerda da entrada do Fórum. Já dava pra imaginar a isenção da cobertura. Como se sabe, além disso, o combustível de seus eventos é o ódio, não têm adversários, mas inimigos. O rasgo no boneco é um prejuízo material, e custos não são problemas para eles.
O importante, para eles, foi ver a tropa de choque da PM revoltada ao perceber que falhara a sua proteção ao boneco. Estive muito perto da reação dos policiais, o suficiente para ver o ânimo. Um deles, uns 20 centímetros menor que eu, chegou a se pôr nas pontas dos pés para, a pouco mais de meio metro, disparar gás de pimenta em direção ao meu rosto. Ainda passei pelo menos uns 40 minutos com os olhos ardendo, até por também estourar ao meu lado uma das bombas de gás lacrimogêneo. Não se limitavam a lançá-las na área para onde avançaram os que reagiram ao enchimento do boneco. Foram jogadas para dentro da manifestação pró-Lula, uma espécie de vingança em nome do boneco. Com cassetetes, avançavam sobre os lulistas e, muito próximo das agressões, pude perceber que procuravam atingir as cabeças e as mãos, especialmente as de quem portava celular, talvez para destruir imagens feitas na manhã de hoje. Essa violência, absolutamente despropositada, pois não havia agressividade na manifestação, entusiasmou os golpistas, que se sentiram plenamente recompensados, saindo como que vitoriosos da manifestação. Como a de um torcedor, ao ver o rival vencido por um time que não o seu.
Mas não saímos dali abatidos. Ao contrário, com ânimos redobrados para as próximas batalhas, confirmada a capacidade de mobilização, mesmo quando já se sabia que não haveria mais depoimento. Primeiro, vimos que ainda há em quem confiar no Judiciário e no Ministério Público. Segundo, tivemos assim preservada a imagem de Lula e dona Marisa, transformados em alvo da mais solerte campanha de despropositada tentativa de desmoralização desde o suicídio de Getúlio Vargas em 1954. E ainda pudemos nos divertir. Não tem preço ver o boneco deles murchar mais uma vez.
Fernando Tolentino

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

É HORA DE INVESTIGAR OS INVESTIGADORES



Um policial federal divulga, pela internet, imagens de seu treinamento de tiro, em que o alvo é a imagem da presidenta da República. Não bastante comenta que é muito melhor treinar desse jeito.
Descobre-se que ao menos um preso, sob a responsabilidade da Polícia Federal, em Curitiba, teve escuta clandestina instalada em sua cela.
Um policial federal de presença constante nas detenções da Operação Lava Jato distribui um vídeo pela internet em que ameaça alguém, que presume ser detido nos próximos dias, de que apresse o seu tratamento odontológico, pois não há dentista nas instalações em que os presos permanecem. Um dia depois, a revista Veja divulga um vídeo com a informação de que o ministro da Justiça, a quem está ligada diretamente a Polícia Federal, visita o seu dentista em todas as viagens a São Paulo.
Trechos inteiros de depoimentos­­ sigilosos de alguns envolvidos na Operação Lava Jato são vazados para determinados órgãos de imprensa e publicados, como se o vazamento não constituísse um ilícito grave.
Que esculhambação é essa?
Algum de vocês ficou sabendo no que deram as apurações daqueles casos de indisciplina explícita, com afronta à autoridade constituída? Sabe que o policial Danilo Balas foi punido com quatro dias (isso!) de suspensão?
Para não avançar em outras avaliações jurídicas, basta lembrar que a Lei nº 8.112 (que trata dos servidores públicos civis da União)­­­ estabelece como dever "guardar sigilo sobre assunto da repartição”. Em outro dispositivo proíberetirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição”, além de “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”. A revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo é inclusíve punível com pena de demissão.
Sobre o segredo de Justiça, trata a Lei n° 9.296, em que a quebra de segredo é definida como crime. O Código Penal refere-se a “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”.
Mesmo na atividade privada, a CLT inclui a violação de segredo da empresa motivo para justa causa na rescisão do contrato. Ou seja, qualquer funcionário administrativo pode perder o seu emprego, sem direito a qualquer indenização, pelo fato de passar informações tidas como essencialmente sigilosas pela empresa que o contrata.
Isso quer dizer, independente da questão ética profissional, que é passível de demissão por justa causa o mesmo repórter que detém um desses depoimentos sigilosos, caso revele, sem autorização de seu editor, o conteúdo para um colega de órgão de imprensa concorrente.
O que está havendo com a Polícia Federal e com o Ministério Público em investigações como as da Lava Jato e da Zelotes entre outras operações atualmente em curso?
Ao lado de tudo isso, não escapa à observação do mais ingênuo leitor de jornais ou telespectador, mesmo que não questione a isenção dos órgãos da mídia, que as investigações tratam diferenciadamente os personagens e o fazem com viés inquestionavelmente partidário.
Agora, quem rasga o verbo e fala da postura da própria Polícia Federal é Armando Coelho Neto, com a autoridade de ex-presidente da Associação dos Delegados da Instituição.
Veja a sua entrevista ao conhecido repórter Humberto Mesquita, publicada por Fernando Brito no portal Tijolaço:
Pra mim, evidencia-se a politização – mais, a partidarização – da atividade de investigação. Além da crise de autoridade na Polícia Federal, de quem se espera a elucidação, entre outros crimes, de todos os processos de corrupção nas relações notoriamente promíscuas entre a iniciativa privada e as várias instituições do poder público no Brasília, especialmente a atividade política.
Chegou o momento de os políticos efetivamente comprometidos com essas investigações tomarem uma atitude para que elas possam realmente desnudar toda a realidade e não simplesmente submeterem-se a um jogo de interesses partidários, com vistas a influir no futuro político imediato.
O que o País espera é uma faxina e não mais um engodo.
Para isso, é preciso instalar-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito que traga à luz os meandros dessas investigações e quais as interferências que têm provocado desvios tão escandalosos.
Fernando Tolentino