terça-feira, 31 de agosto de 2010

SE DEPENDESSE DO DEM, O PROUNI NÃO EXISTIRIA


ELIO GASPARI

Em benefício da qualidade do debate eleitoral, é necessário que seja esclarecida uma troca de farpas entre Dilma Rousseff e José Serra durante o debate do UOL/"Folha de S. Paulo". Dilma atacou dizendo o seguinte: "O partido de seu vice entrou na Justiça para acabar com o ProUni. Se a Justiça aceitasse o pedido, como você explicaria essa atitude para 704 mil alunos que dependem do programa?" Serra respondeu: "O DEM não entrou com processo para acabar com o ProUni. Foi uma questão de inconstitucionalidade, um aspecto." Em seguida, o deputado Rodrigo Maia, presidente do DEM, foi na jugular: "Essa informação que ela deu é falsa, mentirosa." Mentirosa foi a contradita. O ProUni foi criado pela Medida Provisória 213 no dia 10 de setembro de 2004. Duas semanas depois, o PFL, pai do DEM, entrou no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a iniciativa, e ela tomou o nome de Adin 3.314.
O ProUni transferiu para o MEC a seleção dos estudantes que devem receber bolsas de estudo em universidades privadas. Antes dele, elas usufruíam benefícios tributários e concediam gratuidades de acordo com regras abstrusas e preferências de cada instituição ou de seus donos. Com o ProUni, a seleção dos bolsistas (um para cada outros nove alunos) passou a ser impessoal, seguindo critérios sociais (1,5 salário mínimo per capita de renda familiar, para os benefícios integrais), de acordo com o desempenho dos estudantes nas provas do Enem. Ninguém foi obrigado a aderir ao programa, só quem quisesse continuar isento do Imposto de Renda da pessoa jurídica, PIS e Cofins.
O DEM sustenta que são inconstitucionais a transferência da atribuição, o teto de renda familiar dos beneficiados, a fixação de normas de desempenho durante o curso, bem como as penas a que estariam sujeitas as faculdades que não cumprissem essas exigências. A Adin do ex-PFL está no Supremo, na companhia de outras duas, e todas já foram rebarbadas pelo relator do processo, o ministro Carlos Ayres Britto. Se ela vier a ser aceita pelo tribunal, bye, bye, ProUni.
Quando o PFL/DEM decidiu detonar a Medida Provisória 213, sabia o que estava fazendo. Sua petição, de 23 páginas, está até bem argumentada. O que não vale é tentar esconder o gesto às vésperas de uma eleição.
Em 1944, quando o presidente Franklin Roosevelt criou a GI Bill, que, entre outras coisas, abria as universidades para os soldados que retornavam da guerra, houve políticos (poucos) e educadores (de peso) que combateram a iniciativa. Todos tiveram a coragem de sustentar suas posições. Em dez anos, a GI Bill botou 2,2 milhões de jovens veteranos nas universidades, tornando-se uma das molas propulsoras de uma nova classe média americana.
O ProUni não criou as bolsas, ele apenas introduziu critérios de desempenho e de alcance social para a obtenção do incentivo. Desde 2004, o programa já formou 110 mil jovens, e há hoje outros 429 mil cursando universidades. Algum dia será possível comparar o efeito social e qualificador do ProUni na formação da nova classe média brasileira.
Nessa ocasião, como hoje, o DEM ficará no lugar que escolheu.
O GLOBO – 29 de agosto de 2010

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

A MELHOR ELEIÇÃO DE LULA?

MAURO PAULINO *

Transferência de prestígio inédita será parâmetro de futuras campanhas

Se a eleição fosse hoje, a candidata lançada pelo presidente Lula seria eleita presidente já no primeiro turno, com larga vantagem sobre seus adversários.
Pela primeira vez fora das urnas, desde a volta das diretas, Lula desenha seu melhor desempenho em eleições no papel de impulsionador de sua criatura. A inédita transferência de prestígio, em nível nacional, quebra paradigmas e será parâmetro para elaboração de campanhas em eleições futuras.
A aprovação dos brasileiros ao governo federal está no centro dessa eleição e permeia todas as ações e movimentos das candidaturas. Ao tentar associar Serra à imagem de Lula no horário eleitoral a oposição só revela o quanto se vê encurralada pelos 77% que estão ao lado do governo e que, por Lula não poder se reeleger, tendem a optar pela continuidade de seu estilo.
Com 47% de intenções de voto herdadas até aqui, a dupla Lula/Dilma já supera em cinco pontos percentuais a votação obtida em 2002 e em três pontos a de 2006.
Serra está nove pontos acima de sua votação em 2002, mas oito pontos abaixo do que Alckmin alcançou no primeiro turno da eleição passada. Tem o desafio de reconquistar eleitores que o PSDB perdeu para Lula, se quiser postergar a decisão para o segundo turno.
Esse virtual xeque-mate provocado pelo lulismo teve início já na eleição passada. O presidente atingiu pela primeira vez a maioria absoluta de aprovação após os primeiros dias de horário eleitoral, iniciado no dia 15 de agosto de 2006. Após três inserções na TV e no rádio, sua aprovação atingiu 52%.
Caiu para 46% no final do primeiro turno, após o noticiário sobre os "aloprados" e voltou a ser maioria durante a campanha para o segundo turno. Desde quando obteve esse impulso do horário eleitoral de 2006 -que apesar de anacrônico tem grande influência na consolidação das convicções políticas dos eleitores-, Lula vem conquistando a cumplicidade de um número cada vez maior de brasileiros. No final de 2008 atingiu, pela primeira vez a marca de 70% de aprovação.
Apesar de contar com maiores taxas de apoio entre os que têm renda mais baixa, chegando hoje a 83% entre os mais pobres do Nordeste, desde 2008 Lula conta com aprovação majoritária de todos os segmentos socioeconômicos da população. A campanha de Dilma soube reforçar esse patrimônio utilizando a força da TV para alavancar sua candidatura a cada onda de inserções partidárias. Sempre que Dilma apareceu em larga escala ao lado de Lula alcançou novos patamares de intenção de voto. Não foi diferente nesses primeiros dias de TV.
Na fase atual, Dilma busca criar empatia com os eleitores herdados de Lula, para mantê-los. Já os que aprovam o governo mas que ainda não se convenceram totalmente precisam ser cativados por completo. A primeira rodada do Datafolha feita após os primeiros programas mostrou que, com vida própria de candidata, já começa a atraí-los também. No primeiro dia deste ano a Folha publicou pesquisa Datafolha mostrando Lula como a figura com mais credibilidade entre 27 personalidades conhecidas do Brasil. Ficava à frente do jornalista William Bonner, do padre Marcelo Rossi e do cantor Roberto Carlos, para citar apenas os primeiros colocados.
Apesar de representar apenas uma curiosidade ao comparar personalidades de diferentes áreas, a pesquisa já dava uma pista do poder de persuasão que Lula vem demonstrando nesta eleição. Não seria surpresa se sua cria já figurasse hoje entre os primeiros da lista, mais próxima do criador.

*Mauro Paulino é diretor-geral do Datafolha

terça-feira, 24 de agosto de 2010

UM ZÉ FORA DE HORA

Gilson Caroni Filho


José Serra deixou cair a máscara barata. As críticas ao que chamou de "conferencismo", no 8º Congresso Nacional de Jornalismo, vão além do agrado circunstancial ao baronato midiático que lhe apóia na campanha. A direita sabe que o maior legado da Era Lula não se resume ao crescimento econômico com distribuição de renda. O grande feito do governo petista foi mobilizar a sociedade para passar em revista problemas históricos de origem.
Após várias conferências, a história brasileira deixou de ser o recalcamento das grandes contradições, para se afigurar como debate aberto sobre suas questões centrais. Numa formação política marcada pela escravidão, pela cidadania retardatária, com classes sociais demarcadas por distâncias socioeconômicas e por privilégios quase estamentais, o que vivemos no governo Lula foi uma verdadeira revolução cultural.
Além de discutir a mídia e a questão ambiental, foi criada uma nova agenda capaz de combater preconceitos e discriminações, ligados à classe, à raça, ao gênero, às deficiências, à idade e à cultura. Conhecendo os distintos mecanismos de dominação, encurtou-se o caminho da conquista e ampliação de direitos, da afirmação profissional e pessoal. E é exatamente contra tudo isso que se volta a peroração serrista. A sociedade organizada é o pavor dos oligarcas.
O candidato tucano não escolhe caminhos, métodos, processos e meios para permanecer como possibilidade de retrocesso político. A cada dia, ensaia nova manobra de politiqueiro provinciano, muito mais marcado por uma suposta esperteza do que pela inteligência que lhe atribuem articulistas militantes. Continuar chumbado ao sonho presidencial é sua obsessão. De tal intensidade, que já deveria ter provocado o interesse de psiquiatras em vez da curiosidade positivista de nossos “cientistas políticos” de encomenda.
O “Zé que quero lá" não é apenas jingle de campanha; acima de tudo, é o sintoma de um jogo teatral lamentável. Desprovido de recursos que conquistem a simpatia da platéia, se evidencia como burla ética, como o cristal partido que não se recompõe. Como ator político, é uma idéia fora de lugar, uma caricatura de si mesmo. Vocaliza como ninguém o protofascismo de sua base de sustentação.
Por não distinguir cenários, confunde falas. Quando tenta uma encenação leve, resvala para o grotesco. Quando apela para o discurso da competência, sua fisionomia é sempre dura, ostentando ressentimento e soberba. Os Césares romanos davam pão e circo à plebe. Aqui, sendo o pão tão prosaico, o ”Zé" não pode revelar os segredos da lona sob a qual se abriga. Seu problema, coitado, não é de marketing - é de tempo.
No governo em que ocupou duas pastas ministeriais, o cenário era sombrio. Parecia, ao primeiro olhar, que, no Brasil, tudo estava à deriva: desvios colossais na Sudene, na Sudam, no DNER; violação do painel eletrônico do Senado; entrega de ativos a preço vil; racionamento de energia e descrença generalizada na ação política. Os valores subjacentes aos pólos coronel/cliente, pai/filho, senhor/servo, pareciam persistir na cabeça de muitos de nossos melhores cidadãos e cidadãs, bloqueando a consolidação democrática. Era o tempo de Serra.
Tentar voltar ao proscênio oito anos depois é um erro primário. A política econômica é outra. Mais de 32 milhões de pessoas foram incorporadas ao mercado consumidor brasileiro. Segundo o chefe do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marcelo Neri, os cenários projetados até 2014 mostram que é possível duplicar esse número. A mobilidade social gerou um cidadão mais exigente. Uma consciência política mais atenta ao que acontece em todos os escalões do poder, um contingente maior de sujeitos de direito que exige mais transparência e seriedade na administração pública. Esse é o problema do “Zé”. Aquele que, depois de tantas Conferências, poucos o querem lá.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia
das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro,
colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

domingo, 8 de agosto de 2010


Como diz minha amiga Helenilda;
- Faltou a direção da equipe advertir que "A Dilma está mais rápida que você. Entendeu? Confirme."

BRASÍLIA PRECISA DE ARLETE


Quando, em 1984, renunciou ao Governo de Minas Gerais, que assumira um ano e meio antes, para concorrer à Presidência da República, Tancredo Neves espantou muita gente. Se contasse com toda a oposição no Colégio Eleitoral, ele teria 330 contra 356 do PDS e o PT já antecipara que não participaria, além do que o adversário, Paulo Maluf, andava cooptando vários outros votos. Questionado por jornalistas sobre a troca do certo, o governo mineiro, pelo duvidoso, Tancredo citou a eleição de 1910, quando Rui Barbosa foi candidato em nome da Campanha Civilista. Tancredo perguntou se alguém sabia o nome do vencedor da eleição. Ninguém lembrou o nome de Hermes da Fonseca. E Tancredo argumentou que não se entra em uma disputa apenas para ganhar. Às vezes, o mais importante é o papel histórico que se cumpre.
Não dá para comparar Arlete Sampaio com Tancredo Neves, um político conservador, vinculado a importantes interesses econômicos e de tradicional relacionamento com as principais lideranças políticas e militares do antigo regime militar. A semelhança está no fato de que Arlete Sampaio se dispôs a disputar duas eleições majoritárias contra candidatos que tinham tudo ao seu favor. E, por isso mesmo, somente Arlete teve a ousadia de concorrer.
Na primeira, era vice-governadora e tinha tudo para ganhar um mandato legislativo. Na segunda, era deputada distrital. Chegara à Câmara Legislativa como recordista de votos e cumpriu um mandato admirável, que fatamente lhe garantiria um novo mandato parlamentar. Como o PT e, principalmente, Brasília precisavam enfrentar Luis Estêvão para o Senado, em 1998, e José Roberto Arruda, para o GDF, em 2006, Arlete Sampaio aceitou a tarefa nas duas vezes. Em ambas, foi derrotada, mas cumpriu o papel histórico. Os dois não concluíram seus mandatos, diante da comprovação de envolvimento em corrupção.
Causaram enorme decepção em milhares de cidadãos brasilienses, passaram-lhes a impressão de que a política, em si, é uma atividade repugnante, abjeta, e abriram espaço para a conclusão de que fora um erro a conquista de nossa autonomia política. Pior, projetaram isso para políticos e cidadãos de todos os Estados. Com Arruda, a situação ainda ficou mais complicada, pois a Caixa de Pandora pôs a nu o envolvimento de pelo menos um terço da Câmara Legislativa.
É por isso que a eleição deste ano não é como qualquer outra. Não basta o eleitor garantir que vota em quem confiem integralmente. A Câmara vai precisar de deputados que contem com a confiança de de toda a nossa sociedade e mesmo dos políticos do resto do País e, entre eles, quem possa liderar a Casa para que reassuma o seu verdadeiro papel político e institucional. Só assim estará afastado o risco de uma mudança constitucional que retire a autonomia do Distrito Federal. É por tudo isso que Arlete Sampaio volta a abrir mão de outros projetos, administrativos ou políticos. É que, neste momento, Brasília e a Câmara Legislativa precisam de Arlete Sampaio.


Fernando Tolentino (jornalista, administrador público e militante do PT)