quarta-feira, 29 de junho de 2011

CINEMA EM BRASÍLIA: DESERTO E MIRAGEM


Quem já era brasiliense pelos anos 60 e 70 sabe que a cidade tinha alguns endereços certos para se ver um bom filme: o belíssimo Cine Brasília, que, nas tardes de domingo, era mais que sala de projeção, era ponto de encontro da rapaziada; o Cine Cultura, na 507 sul, e, bem do seu lado, o Teatro da Escola Parque, que também abria suas portas para espetáculos cinematográficos, mostras e debates.

O tempo passou e, em 2011, o Cine Brasília (que, apesar de tudo, continua lindo) está fechado para reforma. O Cine Cultura, há tempos, trancou as portas para sempre e, por alguma espécie de maldição das artes, permanece lacrado, sem que nada aconteça no espaço abandonado. E o Teatro da Escola Parque está entregue à própria sorte, com cadeiras quebradas, sem ar condicionado e com um jeito triste de quem está vivo apenas por causa do carinho e da atenção de algumas poucas pessoas.

Na época, estas salas viviam cheias, o que servia para mostrar que Brasília gostava, e muito, de ir ao cinema. Depois delas, e com longos intervalos de tempo, surgiram espaços como o Cine Academia e as salas Embracine (lá longe, no Casa Park, e instaladas com dinheiro público via Agência Nacional do Cinema - Ancine). À semelhança dos seus antepassados, eram salas também com queda para o tal cinema de arte, com filmes que, muitas vezes, de tão estranhos e estrangeiros, nem inglês falavam. Falavam chinês, tailandês, italiano, espanhol com sotaque equatoriano e francês.

Mas também essas salas foram fechadas. Atualmente, há notícia de que um empresário baiano deseja investir em Brasília e abrir, aqui, novas salas para filmes alternativos. Tem, no entanto, encontrado dificuldades: onde alugar imóvel que não seja em shopping, já que uma entrequadra comercial, por exemplo, não pode ter este tipo de estabelecimento. E onde, num shopping, abrir cinema de arte que aguente os altíssimos valores dos aluguéis?

E eis que, aos 51 anos, Brasília, esta jovem senhora, se vê num beco sem saída. Suas salas de cinema se prestam a apresentações de vencedores do Oscar, a campeões de bilheteria, a espetáculos de pancadarias hollywoodianas e a inovações em 3D. Filmes que levam assinatura de diretores? Nem pensar. Obras que engrandecem a arte da fotografia? Mas o que é isso? Títulos que dêem orgulho ao elenco, a ponto de colocá-los no currículo? Não, obrigado, não estamos interessados.

Mas por quê? Parece que temos algumas respostas. Em primeiro lugar, qualquer obra de arte, de qualquer gênero, que não opte por uma veia comercial, precisa, desde o momento em que é fecundado, de subsídio e assistência. O Cine Brasília é uma boa oportunidade para esta prática e está passando por reformas para ser reaberto com o 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O que se espera é que sua manutenção seja tratada com o carinho necessário. Os diversos governos do Distrito Federal não investiram suficientemente em cultura.

Por seu lado, e por mais incômoda que seja esta constatação, temos o brasiliense. Se as salas vão se fechando e, ao longo da curta história da cidade, tornam-se sucata ou prédio com ares de abandono, o público parece não se comover. Na verdade, já não se comovia nem antes, ignorava os apelos para ir ao cinema alternativo e parecia não estar interessado em saber o que os cineastas chineses e equatorianos têm para dizer. Para muitos brasilienses, ou o cinema fala inglês e distribui porradas ou é mudo e chato.

Portanto, eis aí a encruzilhada. De um lado, temos uma administração pública que, historicamente, não se interessou em garantir apoio à cultura, que se esqueceu de cuidar dos patrimônios, e, por outro, temos o público que parece, em sua grande maioria, concordar com o que diz o resto do País, que Brasília é cidade apenas burocrática, sem queda artística, sem refinamento.

Corremos o risco de habitarmos um deserto do cinema. E a verdade é que, mais do que as autoridades (estas mesmas, que gostam de construir viadutos e alargar avenidas), mais do que os empresários que se assustam com os preços dos aluguéis, é o brasiliense quem vai mostrar que quer mudanças, que deseja ver bons filmes e que sonha com salas sem pipocas, sem coca-cola e sem celulares que se acendem e apagam durante a projeção. Enquanto isso, ficamos em casa vendo filmes na televisão.

Romário Schettino, jornalista e vice-presidente do Conselho de Cultura do DF
(Correio Braziliense, Opinião, 28/6/2011).

quinta-feira, 23 de junho de 2011

IMPRENSA SE ASSUSTOU COM O ENCONTRO DE BLOGUEIROS


Por enquanto, só a grande imprensa escrita repercutiu o II Encontro Nacional Nacional de Blogueiros progressistas. O braço televisivo da direita midiática ainda não ousa perscrutar um movimento que a grande maioria dos conservadores não entendeu.

Antes do Encontro, veículo nenhum havia noticiado que ocorreria um evento que reuniria autoridades e celebridades políticas do porte de um ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Havia uma desconfiança de que o ex-presidente talvez não comparecesse.

Lula não só apareceu, mas levou com ele autoridades e políticos importantes. A presença dessas pessoas foi o que deu um choque de realidade nessa grande imprensa que continua achando que pode esconder ou vetar alguma coisa.

A cobertura de Globo, Folha ou Estadão sobre o Encontro de Blogueiros sugere que julgam que podem manter o foco no financiamento do evento e caracterizar como ímpeto censor o questionamento da blogosfera à concentração de propriedade de meios de comunicação.

Mas o que foi que a grande imprensa não entendeu? Basicamente, o interesse de tantos atores políticos de peso pela blogosfera autoproclamada progressista.

Será que políticos como Lula ou José Dirceu, ou ministros, governadores, parlamentares e intelectuais de peso iriam a um evento como aquele por nada? Claro que não. Quando o ex-presidente disse que a Blogosfera tem conseguido se contrapor à grande mídia, falou sério.

O que tantos ainda não entenderam é que o Encontro de Blogueiros foi um evento de comunicadores, e não do público. Ora, quantos veículos vão aos eventos do Instituto Millenium, por exemplo? Seis, sete, dez empresas jornalísticas?

A força da Blogosfera está nessa teia comunicacional em que se transformou. São milhares de blogs e sites que, juntos, congregam tanto ou mais público do que o dos grandes jornais.

E a cobertura desses veículos, nesta segunda-feira, mostra que eles ainda têm medo de entrar de sola no assunto. Fizeram coberturas laterais através dos repórteres que enviaram ao Encontro de blogueiros.

Tentam caracterizar como ilegalidade alguns milhares de reais que empresas de economia mista, sindicatos, empresas privadas, pessoas físicas e até o governo do Distrito Federal doaram para que o Encontro se realizasse. Ou, então, inventam um ímpeto censor que inexiste.

Abaixo, mais dois exemplos do tom com que a imprensa ligada ao PSDB e ao DEM tratou II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas.

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FOLHA DE SÃO PAULO

20 de junho de 2011

BLOGUEIROS “PROGRESSISTAS” PEDEM NOVO MARCO REGULATÓRIO DA MÍDIA

DE BRASÍLIA - Uma carta aberta redigida por blogueiros que participaram de um encontro em Brasília pede novo marco regulatório dos meios de comunicação (conjunto de leis e diretrizes que regulam o funcionamento do setor) e faz ataques à mídia.

O evento, patrocinado por Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Itaipu Binacional e governo do Distrito Federal, terminou ontem, em Brasília, e contou com a presença de cerca de 400 pessoas que apoiaram o governo Lula e a eleição de Dilma Rousseff.

“É a blogosfera que tem garantido de fato maior pluralidade e diversidade informativas”, diz trecho da carta.

Blogueiros pedem divulgação imediata do projeto redigido pelo ex-ministro Franklin Martins (Secretaria de Comunicação Social na gestão Lula), ainda não tornado público.

A abertura contou com a participação de Lula e do ministro Paulo Bernardo (Comunicações). Lula criticou o papel de “falsos formadores de opinião”, e Bernardo disse que os meios de comunicação precisam saber “ouvir críticas”.

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O ESTADO DE SÃO PAULO 

18 de junho de 2011

DIRCEU CONVOCA BLOGUEIROS CONTRA ‘GRANDE MÍDIA’

‘É reserva de mercado, não querem nos dar o direito de informar’, disse o ex-ministro

Andrea Jubé Vianna – O Estado de S. Paulo

Ao participar do Segundo Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, o ex-ministro José Dirceu convocou os blogueiros a se mobilizarem e somarem forças para o embate contra os grandes veículos de comunicação. De acordo com o ex-ministro – que se considera “o grande alvo da mídia” nos últimos dez anos –, existe uma “disputa política do direito de informar” e uma disputa comercial pela verba publicitária do governo.

“É reserva de mercado, não querem nos dar o direito de informar, querem desqualificar os blogs”, afirmou Dirceu a um auditório lotado por cerca de 200 blogueiros. Dirceu defendeu a urgente regulamentação dos meios de comunicação, a concretização do programa nacional de banda larga e a aprovação do projeto de lei 116/10, que institui novas regras para o mercado de tevê por assinatura.

“É uma vergonha que isso (a regulamentação) não seja realidade. Não é de interesse de alguns grupos (de comunicação) que estão sendo contra o progresso, eles querem manter o monopólio da informação”, criticou. Ele ainda desafiou o Congresso a aprovar a nova lei. “Se o Poder Legislativo é soberano e autônomo, ele fará a reforma (dos meios de comunicação)”.

Num tom que lembrava o ex-líder estudantil que lutou contra a ditadura militar, Dirceu prometeu unir-se aos blogueiros no embate contra os grandes meios de comunicação. “Se não travarmos essa batalha, ela não será travada. É hora de dar um grande salto, partir pra mobilização. Estou disposto a travar essa luta junto com vocês”.

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A imprensa se esquiva do ponto central desse movimento de blogueiros, que é a democratização da Comunicação no Brasil – o que seja, um marco regulatório que, entre outras coisas, não permita o atual oligopólio na comunicação por rádio e tevê.

Por conta disso, a mídia corporativa tentará não divulgar o documento final do II Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. Quer fugir da questão da propriedade cruzada. Não quer discuti-la porque sabe que não tem como defendê-la.

Como a mídia vai chamar de censura o que existe até na legislação dos Estados Unidos, da Europa e de vários países da América Latina? Só lhe resta a estratégia ridícula de tentar criminalizar o apoio financeiro ao Evento do último final de semana.

A mídia corporativa e a oposição entendem ainda menos o movimento em curso do que os partidos da base aliada do governo Dilma. Mas essa base tampouco entendeu tudo. Não há um apoio incondicional ao governismo por parte da blogosfera progressista.

Autoridades do governo federal foram duramente inquiridas pelo Encontro a que compareceram. Este blogueiro, particularmente, chegou a bater boca com o ministro Paulo Bernardo, ainda que ele tenha me pedido desculpas por se exaltar.

Apesar disso, o que fiz foi o que o ex-presidente Lula tinha pedido momentos antes, que foi aquilo com que todos nós, do Encontro de blogueiros, concordamos: que aquele público fosse mesmo para cima do ministro das Comunicações.

Cobrar políticas públicas das autoridades, é um direito. Contudo, há, sim, quem, nesse movimento de blogueiros, queira um tom mais suave em relação ao governo. E é legítimo que essas pessoas queiram. São militantes e coerentes com essa militância.

Contudo, foram vencidas em votação ao fim do evento que produzirá um documento final que deve conter um tom legitimamente assertivo em relação ao governo Dilma, pedindo políticas para democratizar a comunicação.

A pluralidade de opiniões dentro do movimento dos blogueiros progressistas, é imensa. Se tivesse que caracterizá-la por viés partidário, diria que há gente do PT, do PSOL, do PMDB, do PDT, do PSB, do PC do B, etc.

Mas também há feministas, sem-terra, donas de casa, aposentados, professores, jornalistas, estudantes, sindicalistas e, até, um representante comercial como este que escreve. Temos ideologia? Sim. Unânime? Não. E é bom que seja assim.

Os blogueiros progressistas continuarão na linha questionadora não só da direita, mas também da própria esquerda e de seus braços políticos na administração pública.

Por muito tempo, a grande mídia conservadora – que ajudou a dar um golpe militar no Brasil – era a única fonte de pressão jornalística sobre o Estado. O poder de falar com as massas dava a às famílias donas de meios de comunicação uma primazia no debate público que vai sumindo.

Isso acontecendo em boa parte da América Latina, que ainda está longe das leis contra oligopólios de comunicação que vigem em países industrializados. É um processo inexorável que caminha com o desenvolvimento político, econômico e social do Brasil.

A direita midiática está perplexa, assustada e até indignada. Não entende como cidadãos comuns conseguiram erigir um movimento que vai se tornando cada vez mais estridente. Logo, a sua voz se fará ouvir em um tom que será impossível ignorar.
Eduardo Guimarães (Blog da Cidadania, 20.06.2011).

OS INDIGNADOS E A NOVA ÉPOCA


O artigo, de Mauro Santayana, saiu na edição eletrônica do Jornal do Brasil no dia 16 de junho, sendo justa e imediatamente republicado pelo Conversa Afiada.

Um amigo fez o obséquio de me enviar e, de pronto, senti que precisava ser disponibilizado em meu blog. Como o Blog não conta com minha integral dedicação, só hoje encontrei condições para fazê-lo. Mas o atraso não lhe traz prejuízo. É o tipo de texto que merece ser relido na semana que vem ou daqui a alguns meses. Pelo menos. 

OS INDIGNADOS E A NOVA ÉPOCA

À insistência dos indignados espanhóis e catalães, e à continuidade das manifestações das massas nos países árabes, somam-se agora protestos, ainda discretos, de trabalhadores chineses. As contradições do capitalismo – mesmo subordinado ao Estado – começam a surgir no grande país, o maior fenômeno da sociedade industrial dos últimos tempos. Estamos diante de inevitável mudança.

Plutarco atribui a Pompeu Magno uma frase que, repetida por Ulysses Guimarães, foi emblemática no processo de transição política nacional: navigare necesse est, vivere non est necesse. A máxima do grande general escapou da circunstância, para se tornar forte símbolo da política. Ela nos incita a resistir. A vida, qualquer vida, é um processo de resistência, e mais ainda na política.

Segundo a versão, Pompeu que se encarregava de duas missões cruciais para Roma – a de limpar o Mediterrâneo dos piratas e, assim, assegurar o suprimento de cereais à grande cidade – incitou os marinheiros que, no porto de Siracusa, na Sicília, se recusavam a levantar velas, a embarcar e seguir. O céu estava carregado de nuvens sobre o estreito de Messina, a mais arriscada passagem marítima da Antiguidade. Obrigou-os a partir com a admoestação de que navegar era mais importante do que viver. Em Roma esperavam o trigo. Por isso, tinham que vencer o medo e as tempestades. Não há registro histórico de que aquelas naves tenham naufragado entre os rochedos e as correntes circulares do estreito. Chegaram, assim, ao porto de Óstia.

É forte a metáfora da navegação para explicar a vida e, especialmente a vida política. Governar é pilotar, manobrar o timão da nave, evitar os escolhos e as ondas perigosas, manter a disciplina no barco – enfim, chegar ao destino. Dessa forma devem proceder os indivíduos e as nações, embora as sociedades políticas sejam muito mais complicadas do que um barco, menor ou maior. É preciso buscar o equilíbrio entre a liberdade e a ordem, entre o Estado e a sociedade, entre a autoridade e o indivíduo. Trata-se de equilíbrio precário, com os pratos da balança oscilando a cada dia, em cada momento. Os sistemas de poder, mundiais e nacionais, costumam durar pouco, na História, que não aceita situações permanentes, embora isso não pareça aos contemporâneos de cada tempo.

As épocas saem umas das outras, como as bonecas russas. Não há rupturas absolutas. O Renascimento veio da Idade Média, como a Idade Média viera do Império Romano. O Iluminismo, a mais recente revolução histórica, não existiria sem o Renascimento, que lhe abriu as portas da percepção burguesa, para ficar na melhor interpretação marxista. Mas o Iluminismo está pedindo, agora, que de seu ventre venha nova época. Como época, em grego, significa intervalo, pausa, o Iluminismo – não obstante os processos internos de sua evolução - foi momento de relativa calma na longa história do homem. Mas iniciou sua decadência no alvorecer do século 20. Pouco a pouco, esgotou-se a capacidade intelectual que o fizera surgir. Salvo nas ciências exatas, que assombram o mundo com o seu poder inovador, a capacidade revolucionária do Iluminismo parece esgotada com Marx. Depois dele, só tivemos os que analisam o filósofo de Trier, seja para aceitá-lo, seja para repudiá-lo, mas não há pensamento novo que retorne à criatividade filosófica dos enciclopedistas e seus sucessores imediatos.

Esse é o desafio de nosso tempo. Os confrontos entre a prosperidade e a preservação da natureza; entre a babel libertária que significa a internet, e as ortodoxias, políticas ou teológicas; entre o mercado destruidor, e o necessário arbítrio regulador do Estado, além de outros, exige esforço de inteligência, do qual parecemos incapazes. Esse é o novo impasse histórico.

Mauro Santayana (Jornal do Brasil, 16.06.2011)

terça-feira, 14 de junho de 2011

AS SURPRESAS E A FORÇA DE DILMA


Passado o momento mais agudo da crise que culminou nas mudanças ministeriais determinadas pela presidente Dilma Rousseff, agora é chegada a hora de as forças progressistas que sustentam seu projeto político desarmarem a bomba propagandística de parte da grande imprensa que tenta sugerir ao país a existência de um governo fraco. As mesmas forças políticas conservadoras que perderam as três últimas eleições presidenciais no Brasil têm usado sua ascendência sobre a mídia com muita habilidade para criar uma sensação de que Dilma teria perdido o controle de seu governo. Nada mais falso, como mostraram as últimas decisões da presidente.

Após a longa hesitação que antecedeu a saída do ex-ministro Antonio Palocci, Dilma compensou ao acertar duas vezes. Ao convocar a senadora Gleisi Hoffmann para a Casa Civil e afirmar que a pasta voltará a ter funções mais voltadas ao gerenciamento e execução de políticas públicas, a presidente repete o gesto feito há seis anos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando convocou a ela própria para substituir o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. Sem entrar no mérito dos motivos que levaram à substituição de Dirceu, o fato, já histórico, é que a chegada de Dilma ao principal ministério deu início a um ciclo virtuoso do governo que propiciou a Lula um segundo mandato muito melhor do que o primeiro.

Lula acertou em 2005 e agora Dilma acerta também. Em que pesem os comentários preconceituosos sobre uma suposta falta de estofo político de Gleisi para o cargo ou até mesmo sobre seu jeito de “trator”, “durona” e “esquentadinha” (alguém lembra desse filme?), a senadora paranaense tem o exato perfil para recolocar a Casa Civil em um caminho muito bem trilhado sob o comando da própria Dilma no governo Lula. Além da competência administrativa comprovada em Itaipu ou quando foi secretária de governo no Mato Grosso do Sul, Gleisi parece ter a independência política necessária para cumprir o papel que dela espera a presidente. A surpresa causada por sua nomeação é fruto dessa independência e isso é um bom sinal.

A segunda surpresa – e o segundo acerto – foi o desfecho dado por Dilma para a substituição do ministro Luiz Sérgio na Secretaria de Relações Institucionais. Esse acerto, entretanto, não se dá tanto em função da substituta, que ainda terá de provar competência na nova função, mas sim pelo fato de a presidente ter jogado um balde de água gelada na crise de histeria em que já começava a se transformar a atuação da bancada do PT na Câmara dos Deputados. A ex-senadora catarinense Ideli Salvatti tem todos os predicados para obter sucesso em sua missão na articulação política do governo, mas isso dependerá fundamentalmente de uma mudança de postura do principal partido governista no Congresso Nacional.

Após essas duas movimentações acertadas feitas pela presidente no tabuleiro ministerial, é hora de os parlamentares do PT relegarem a um segundo plano a disputa mais imediata por espaço e começarem a atuar como esteio político para as duas novas ministras. No Senado, origem de Gleisi e Ideli, tudo parece mais fácil. Na Câmara, um maior esforço de coesão dos petistas é necessário. Foi a falta dessa coesão que minou Luiz Sérgio, muito mais do que uma suposta fraqueza do deputado fluminense, como apregoa parte da mídia. O excelente trânsito do agora ministro da Pesca (cargo que trocou com Ideli) entre seus colegas no Congresso já havia sido comprovado no governo Lula, mas Luiz Sérgio esbarrou na divisão da bancada petista na Câmara e também no papel centralizador assumido por Palocci.

A presidente Dilma quer se dedicar a mudar essa realidade e, a exemplo de seu antecessor, passará a acompanhar cotidianamente as negociações políticas com os partidos que apóiam o governo. Mesmo que tenha encontrado em Ideli Salvatti uma figura mais próxima na articulação política e em Gleisi Hoffmann a “Dilma da Dilma”, caberá à presidente conduzir pessoalmente esse momento de reafirmação da força política de seu governo. Dilma deverá ser a partir de agora o “Lula de si mesma” e ninguém que a conhece duvida de que tenha plenas condições de exercer esse papel.

Em sua edição de 8 de junho, o jornal carioca O Globo trazia como manchete: “Palocci cai e enfraquece Dilma com apenas cinco meses de governo”. Pelo que me lembro, é a primeira vez em que um desejo dos donos do jornal, misturado a uma notícia, ganha destaque na primeira página. Enfraquecer o governo Dilma é o maior desejo das forças conservadoras que perderam com José Serra e Geraldo Alckmin as últimas eleições, pois isso significaria uma maior possibilidade da volta dessas forças ao poder. Para quem está do outro lado, para quem apóia o projeto de transformação do Brasil que começou com Lula e tem em Dilma a força de 56 milhões de votos, é tarefa primordial evitar que esse falso enfraquecimento se torne verdade.

Maurício Thuswohl (Correio do Brasil 13/6/2011)