Quem já era brasiliense pelos anos 60 e 70 sabe que a cidade tinha alguns endereços certos para se ver um bom filme: o belíssimo Cine Brasília, que, nas tardes de domingo, era mais que sala de projeção, era ponto de encontro da rapaziada; o Cine Cultura, na 507 sul, e, bem do seu lado, o Teatro da Escola Parque, que também abria suas portas para espetáculos cinematográficos, mostras e debates.
O tempo passou e, em 2011, o Cine Brasília (que, apesar de tudo, continua lindo) está fechado para reforma. O Cine Cultura, há tempos, trancou as portas para sempre e, por alguma espécie de maldição das artes, permanece lacrado, sem que nada aconteça no espaço abandonado. E o Teatro da Escola Parque está entregue à própria sorte, com cadeiras quebradas, sem ar condicionado e com um jeito triste de quem está vivo apenas por causa do carinho e da atenção de algumas poucas pessoas.
Na época, estas salas viviam cheias, o que servia para mostrar que Brasília gostava, e muito, de ir ao cinema. Depois delas, e com longos intervalos de tempo, surgiram espaços como o Cine Academia e as salas Embracine (lá longe, no Casa Park, e instaladas com dinheiro público via Agência Nacional do Cinema - Ancine). À semelhança dos seus antepassados, eram salas também com queda para o tal cinema de arte, com filmes que, muitas vezes, de tão estranhos e estrangeiros, nem inglês falavam. Falavam chinês, tailandês, italiano, espanhol com sotaque equatoriano e francês.
Mas também essas salas foram fechadas. Atualmente, há notícia de que um empresário baiano deseja investir em Brasília e abrir, aqui, novas salas para filmes alternativos. Tem, no entanto, encontrado dificuldades: onde alugar imóvel que não seja em shopping, já que uma entrequadra comercial, por exemplo, não pode ter este tipo de estabelecimento. E onde, num shopping, abrir cinema de arte que aguente os altíssimos valores dos aluguéis?
E eis que, aos 51 anos, Brasília, esta jovem senhora, se vê num beco sem saída. Suas salas de cinema se prestam a apresentações de vencedores do Oscar, a campeões de bilheteria, a espetáculos de pancadarias hollywoodianas e a inovações em 3D. Filmes que levam assinatura de diretores? Nem pensar. Obras que engrandecem a arte da fotografia? Mas o que é isso? Títulos que dêem orgulho ao elenco, a ponto de colocá-los no currículo? Não, obrigado, não estamos interessados.
Mas por quê? Parece que temos algumas respostas. Em primeiro lugar, qualquer obra de arte, de qualquer gênero, que não opte por uma veia comercial, precisa, desde o momento em que é fecundado, de subsídio e assistência. O Cine Brasília é uma boa oportunidade para esta prática e está passando por reformas para ser reaberto com o 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O que se espera é que sua manutenção seja tratada com o carinho necessário. Os diversos governos do Distrito Federal não investiram suficientemente em cultura.
Por seu lado, e por mais incômoda que seja esta constatação, temos o brasiliense. Se as salas vão se fechando e, ao longo da curta história da cidade, tornam-se sucata ou prédio com ares de abandono, o público parece não se comover. Na verdade, já não se comovia nem antes, ignorava os apelos para ir ao cinema alternativo e parecia não estar interessado em saber o que os cineastas chineses e equatorianos têm para dizer. Para muitos brasilienses, ou o cinema fala inglês e distribui porradas ou é mudo e chato.
Portanto, eis aí a encruzilhada. De um lado, temos uma administração pública que, historicamente, não se interessou em garantir apoio à cultura, que se esqueceu de cuidar dos patrimônios, e, por outro, temos o público que parece, em sua grande maioria, concordar com o que diz o resto do País, que Brasília é cidade apenas burocrática, sem queda artística, sem refinamento.
Corremos o risco de habitarmos um deserto do cinema. E a verdade é que, mais do que as autoridades (estas mesmas, que gostam de construir viadutos e alargar avenidas), mais do que os empresários que se assustam com os preços dos aluguéis, é o brasiliense quem vai mostrar que quer mudanças, que deseja ver bons filmes e que sonha com salas sem pipocas, sem coca-cola e sem celulares que se acendem e apagam durante a projeção. Enquanto isso, ficamos em casa vendo filmes na televisão.
Romário Schettino, jornalista e vice-presidente do Conselho de Cultura do DF
(Correio Braziliense, Opinião, 28/6/2011).
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