sexta-feira, 25 de março de 2016

SOPRAM VENTOS DE VIRADA, NÃO VAI TER GOLPE



Haroldo Lima*
Grave é a situação nacional. Depois de arregimentar forças no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal; depois de pôr a seu serviço a grande mídia brasileira, especializada em massificar falsidades; depois de mostrar na Câmara dos Deputados a trupe reacionária que lhe representa, comandada por um Deputado que é réu em processo de corrupção no Supremo Tribunal Federal; depois de enganar setores do centro e independentes com a campanha apresentada hipocritamente como de combate à corrupção; e, finalmente, depois de mobilizar multidões com vastos recursos de origem suspeita, a direita brasileira, a extrema-direita e grupos fascistas, juntos, passaram à ofensiva e preparam um golpe.
O objetivo geral é claro: acabar com esse ciclo iniciado com os governos Lula e que busca um tipo de desenvolvimento no qual o povo sobe na escala social. Elites retrógradas, que sempre saquearam os cofres públicos, que nunca foram investigadas e nunca foram para a cadeia, querem voltar a governar, sem passar por eleição. Se conseguem, criariam uma situação de força na qual dificilmente governos democráticos e populares poderiam sobreviver na América do Sul.
Montaram um plano sinistro que está em curso. Uma maioria eventual, no Parlamento e no Judiciário; com a participação de setores do Executivo que formaram uma espécie de Governo paralelo, autônomo e independente; uma grande mídia que se transformou em partido político especializado em desconstruir lideranças, partidos rivais e valores éticos; tudo isso imporia um falso impeachment, no qual a presidenta seria afastada sem ter cometido crime de responsabilidade, portanto à margem da lei, através de um golpe. Na presidência da República seriam aboletados Temer ou Cunha, cuja relação de compadrio foi assim definida por Ciro Gomes: “Temer é o homem do Cunha, e não o inverso”, e Cunha é o homem que pode ser preso a qualquer instante, por corrupção.
A política no Brasil chegou a esse paradoxo: pessoas envolvidas em graves suspeitas de malversação de dinheiro público encabeçam um golpe para tirar do Governo uma pessoa contra a qual, depois de inúmeras investigações, não paira nenhuma suspeita.
Mas não é fácil derrotar uma causa justa. E a resistência cresce, se alimenta de vontade, não de mentiras, os falsários são desmascarados, as mistificações desvendadas, as máscaras arrebatadas.
No atual momento da luta, o golpe se realimenta, mas o que crescem são os sinais da resistência. Num rápido passar de olhos podemos ver:
1) As manifestações contra o golpe de sexta-feira, 18 de março.
Poucos imaginavam que depois de tanto massacre midiático e judicial contra Lula, Dilma e as forças progressistas, ainda fosse possível mobilizar tanta gente contra o golpe,  em todos os estados do País e no Distrito Federal. Se as forças golpistas fizeram algumas mobilizações maiores, no domingo, dia 13, isto resulta da contra-propaganda avassaladora que há tempo a grande mídia faz irresponsavelmente contra o Governo e seus apoiadores.
2)Uma diferença essencial entre as duas mobilizações: a pró-impeachment, do dia 13, e a contrária a ele, do dia 18.
Nenhuma entidade nacional representativa de trabalhadores, ou de estudantes ou de intelectuais fez-se presente nas passeatas do dia 13, da turma pró-impeachment. Em contraposição, as mais prestigiadas e tradicionais entidades nacionais, mormente as de trabalhadores, conhecidas pelas batalhas democráticas que já travaram no passado, estiveram na linha de frente das jornadas contra o golpe, de sexta-feira, 18 de março, a exemplo das CUT, CTB, CONTAG, UNE, UBES, CONAM, etc.
3)A rebelião de advogados e juristas contrária à posição da OAB.
Depois das duas manifestações referidas, a Ordem dos Advogados do Brasil, entidade de prestígio nacional pelas lutas democráticas que apoiou no passado, se pronunciou a favor do impeachment-golpe. Mas, incontinenti, advogados em todas as partes do Brasil começaram a se rebelar contra essa insólita posição da Ordem, vindo a público declarar que não a acatam. Assembleias têm ocorrido em diversos locais.
4)A decidida posição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
A CNBB, desde o período da ditadura militar, nunca faltou ao povo na defesa de seus direitos. Divulgou nota posicionando-se contra o impeachment-golpe. Um seu porta-voz, o bispo de Crateus, Dom Ailton Menegussi, disse à Nação:
“nenhum bispo do Brasil concorda com a corrupção”; “as investigações devem ser feitas, as denúncias apuradas, e os culpados punidos”; “mas, não sejamos bobos: tem corrupto em tudo quanto é partido”; “a corrupção não foi inventada de 15 anos para cá”; “agora é que está se permitindo que as coisas apareçam”; “tem muita gente aí, posando de santinho, mas que nunca pensou em pobre”.
E enfático:
“a CNBB não aceita que partido político nenhum se aproveite desta crise para dar golpe no país”.
É a Igreja do Brasil nos tempos de Francisco.
5) A Nação começa a descobrir quem é o juiz Sérgio Moro.
O juiz Sérgio Moro  passava a imagem de um magistrado independente, que se colocara à frente de um cruzada contra a corrupção. Granjeou apoio ao ajudar a desvendar desmedido esquema corrupto que atuava dentro e fora da Petrobras e ao recuperar dinheiro desviado.
Lamentavelmente, entretanto, coisas estranhas foram aparecendo no comportamento do juiz. Prendia muito, mas só prendia gente do lado do Governo. Informações sigilosas “vazavam” a toda hora, mas só vazavam de um lado.  Usava métodos que se assemelhavam às torturas da época da ditadura, deixando prisioneiros mofando na cadeia, às vezes com notícias sobre a hipótese de familiares serem presos,  a não ser que houvesse delação. Isto, apesar da lei estabelecer que esse tipo de “cooperação” deve ser “voluntária”.
Foi-se percebendo que o juiz Sérgio Moro tinha um objetivo político, o de desestabilizar o governo constitucional da Dilma e prender o Lula. E o juiz, encantado com os elogios que a Globo lhe fazia, foi metendo os pés pelas mãos. Aceitou receber prêmio da Rede Globo, posou para foto ao lado da turma dos Marinho, da Globo, e tocou a fazer palestras em ambiente de oposição política, como a Lide Paraná, coordenada pelo pré-candidato do PSDB à prefeitura paulistana, João Dória.
O político francês do século XIX, Guizot, já dissera: “Quando a política penetra no recinto dos tribunais, a Justiça se retira pela porta dos fundos.” E o nosso brasileiro Rui Barbosa sentenciava: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde.”
7)  A exacerbação do Juiz generaliza os protestos.
E de repente Moro, que ia debutando na política dessa forma desengonçada, “pisou feio na bola”. Praticou gesto abertamente ilegal: quebrou o sigilo de escutas telefônicas que mandara fazer do ex-presidente Lula, quando este conversou com a presidenta da República, que tem foro privilegiado. A sua atitude foi reprovada formalmente pelo Ministro Teori Zavascki, numa verdadeira reprimenda jurídica.
Enquanto a lei manda que “a gravação que não interessar à prova será inutilizada”, Moro, colocando-se acima da lei, mandou divulgar conversas pessoais entre Lula e Dilma, que não esclareciam nada do que se estava investigando, com o único objetivo de insuflar a população.
A Folha de São Paulo publicou bom editorial (surpreendentemente) onde assevera: “Moro despiu-se da Toga”. E outro artigo onde diz temer que “o Sr. Moro tenha deixado sua função de juiz…   para se tornar um mero incitador da derrubada de  um governo.” E completa: “Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.”   (Vladimir Safatle, FSP 18/03/16).
8) Não é de hoje que o juiz Sérgio Moro é criticado pelo STF.
Mas se o juiz Sérgio Moro está sendo desmascarado mais recentemente como juiz-político, suas tropelias já vem sendo admoestadas há mais tempo pelo STF. Críticas fortes ele recebeu durante o julgamento do Habeas Corpus 95518 PR, em 28/05/2013.
Na época, o ministro Celso de Mello disse que
“a conduta do juiz federal ( Sérgio Moro) ao longo do procedimento penal violou o direito fundamental, de todo cidadão, de ser julgado com imparcialidade”;
E o ministro Gilmar Mendes, foi quem lhe fez algumas das mais duras críticas:
não me parece razoável admitir que, em causas que versem sobre crimes não violentos, por mais graves e repugnantes que sejam, se justifiquem repetidos decretos de prisão, salvo, evidentemente, circunstâncias extraordinárias, pois reiteradamente esta Corte tem assentado o caráter excepcional da prisão antecipada”;
“Contra ‘bandidos’ o Estado e seus agentes atuam como se bandidos fossem, à margem da lei, fazendo mossa da Constituição. E tudo com a participação do juiz (Sérgio Moro), ante a crença generalizada de que qualquer violência é legítima se praticada em decorrência de uma ordem judicial. Juízes que se pretendem versados na teoria e na prática do combate ao crime, juízes que arrogam a si a responsabilidade por operações policiais transformam a Constituição em um punhado de palavras bonitas rabiscadas em um pedaço de papel sem utilidade prática, como diz Ferrajoli”;
E de forma contundente:
Já tive a oportunidade de me manifestar acerca de situações em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado (Sérgio Moro), quando contrariado por uma decisão de instância superior. Em atuação de inequívoco desserviço e desrespeito ao sistema jurisdicional e ao Estado de Direito, o juiz (Sérgio Moro) arroga-se de autoridade ímpar, absolutista, acima da própria Justiça, conduzindo o processo ao seu livre arbítrio, bradando sua independência funcional”. (grifos meus)
Quem estava, sinceramente, batendo palmas para o juiz Sérgio Moro vai ficar com as mãos no ar.
8) Episódios valorosos que iluminam o caminho.
Aconteceu em Belo Horizonte, no sábado, 19 de março, um dia depois das grandes manifestações anti-golpistas havidas em todo o país. O teatro Sesc Palladium apresentava um musical em torno das composições do Chico Buarque. No intervalo, o diretor Cláudio Botelho deitou falação, insultando Lula e Dilma. Não teve outra. A plateia prorrompeu em gritos de “não vai ter golpe” e o espetáculo foi interrompido.
Em seguida, aconteceu o gesto irretocável: Chico Buarque proibiu o uso de suas composições naquela peça.
Dois exemplos a serem seguidos: o da plateia que foi assistir a um musical e não a uma pregação golpista e se rebelou na hora; e o do Chico Buarque que não titubeou em retirar o prestígio de suas músicas das mãos de um diretor golpista.
9)Uma frente política ampla vai tomando corpo no país.
Em uma batalha do tipo que travam as forças democráticas hoje no Brasil, é imprescindível a criação de uma frente política ampla, que aglutine setores de diversas tendências, unidos na defesa da legalidade constitucional. Neste sentido, há que se saudar a criação da Frente Brasil Popular, prestigiar sua força unificadora dos diferentes movimentos e cuidar de sua ampliação.
Essa frente foi vitoriosa na preparação das jornadas de 18 de março, mas deve intensificar suas ações pondo em tensão todas as forças que lutam contra a ruptura constitucional do país, passo fundamental para a retomada do desenvolvimento de nosso país.
*Haroldo Lima é engenheiro, foi deputado federal e é membro do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil. 
A publicação do artigo é também uma homenagem ao 94º aniversáriodo PCdoB neste 25 de março

quarta-feira, 23 de março de 2016

TEORI ZAVASCKI PODE TER SALVO O JUDICIÁRIO


Qualquer que seja o desfecho da presente crise institucional brasileira, o Poder que deve sair mais enxovalhado será o Judiciário.
Afinal, ainda que se comprovasse, mesmo que indiretamente, alguma imprevisível participação da presidenta Dilma Rousseff nas bandalheiras identificadas na Petrobras e em outras estatais, ela não é o Poder. Restaria maculado o seu governo e este o foi, na medida em que perduraram as relações licenciosas que historicamente marcaram essas empresas e o mundo empresarial brasileiro. Há que se salientar que foi justamente no seu governo que se aprofundaram as medidas, iniciadas no governo do ex-presidente Lula, para superar tais absurdos e, além disso, até onde o Congresso contribuiu, investigá-los e puni-los adequadamente.
Afora isso, ninguém é capaz de negar que o principal fulcro da corrupção nos negócios das estatais está no presidencialismo de coalização imposto pela Constituição de 1988. Uma Carta mal alinhavada, concebida originalmente para um regime parlamentarista e com esse viés mantida após a opção popular pelo presidencialismo.
É por conta desse sistema esquizofrênico que partidos se sentem no direito de exigirem espaço nos ministérios e nessas empresas. Não necessariamente onde, em tese, estariam contribuindo para a execução de políticas públicas capazes de evidenciar a coerência do compromisso com o governo. Exigem cargos técnicos em órgãos em empresas de orçamentos avultados ou com o múnus da imposição de obrigações ao mundo privado, em que podem eventualmente ser lenientes, atendendo mais o interesse de empresários que o público. Ou que têm relações de negócios com o mundo empresarial, no que é inconcebível que estejam realmente defendendo os interesses da sociedade.
A essa cobiça por tais espaços cedeu o governo Dilma, como todos os anteriores. E é preciso deixar claro de onde vem essa ansiedade por poder. Os partidos são na verdade ajuntamento de mandatos, os quais são conquistados com o investimento de poderosos grupos empresariais. Assim, quando conquistam um espaço, defendem a presença ali do segmento empresarial que fez a campanha de certo número de parlamentares ou que se dispõe a financiar a futura reeleição deles.
Aqui, é preciso chamar a atenção para o esforço do governo Dilma para aprovar a regra do financiamento exclusivamente público para partidos e para eleições.
Quanto ao Parlamento, por mais triste que seja isso, não há como ser mais desqualificado do que já o é.
A população se vê pouco representada, ao perceber como os seus interesses são desconsiderados no dia a dia da Instituição. É claro que a mídia contribui significativamente para isso, ao cumprir um papel de desqualificação da própria atividade política, o que faz há décadas, com a complacência do próprio Congresso Nacional.
O fato é que o sistema eleitoral brasileiro distancia os políticos de suas bases. Como os partidos são extremamente frágeis, não reconhecidos pelos eleitores na escolha de seus candidatos, e a composição da Câmara dos Deputados é proporcional aos votos deles, é bastante disseminada a compreensão de que o voto é dado ao candidato. Assim, os eleitos (com os votos dos demais) não são vistos como representativos de quem votou nos candidatos das mesmas legendas. Resultado: a composição da Casa raramente tem uma representatividade sequer próxima de 30% dos eleitores.
Para completar, saltam aos olhos as relações incestuosas dos parlamentares com os interesses de grupos econômicos, por vezes caracterizadas como corrupção pura e simples.
Nas últimas sondagens de opinião pública, isso é sobejamente comprovado. O Datafolha (18.03.2015) identifica que, entre dez instituições brasileiras, as duas de menor prestígio são o Congresso Nacional (19%) e os partidos políticos (18%). O levantamento do índice de confiança pela Fundação Getúlio Vargas é igualmente contundente. O Congresso Nacional obteve 22% e os partidos políticos não passaram de 5%.
Vale lembrar que as duas sondagens são anteriores ao conhecimento das peripécias do deputado Eduardo Cunha, hoje réu da Operação Lava-Jato e submetido a questionamento de seu mandato na própria Câmara, o qual faz questão de emperrar e, não tomando conhecimento dele, sentindo-se à vontade para liderar processo de “impeachment” da Presidenta da República. O que toda a sociedade tem claro é que, mesmo pilhado em desvios milionários de recursos, Cunha controla a Câmara dos Deputados, simplesmente por dispor de muitas dezenas de fieis deputados, eleitos com o patrocínio desses recursos.
E O JUDICIÁRIO?
A Operação Lava-Jato poderia ser a responsável por conferir enorme confiabilidade ao Poder Judiciário. Afinal, tem sido incansável o esforço da grande mídia para construir a imagem de um processo em que, finalmente, a Justiça deixa de existir apenas para pretos, pobres e putas, como entranhado na consciência popular. Esgrimindo legislação ainda quente do forno, foram alcançados não só os corrompidos, mas também os corruptores. Mais: não se trata apenas de pequenos empresários, como o proprietário de um posto de gasolina de Brasília que teria despertado a atenção das autoridades, mas dos proprietários das maiores empreiteiras brasileiras, um banqueiro e outros poderosos homens de negócios. Não só. E aí vem o encantamento da mídia. Mesmo que a maior parte dos políticos envolvidos seja de outros partidos da base governista (e até de oposicionistas, como o tão citado senador Aécio Neves), o trato do noticiário dá asas à tenaz campanha para a destruição do PT e a destituição da presidenta da República, além da demolição do maior líder político brasileiro pelo menos das últimas décadas: Luís Inácio Lula da Silva.
Tudo caminharia dentro do figurino se o condutor do processo, Sérgio Moro, um juiz de primeira instância, não passasse a tropeçar sistematicamente no exercício de seus poderes, talvez embevecido com as luzes dos holofotes e as manchetes dos jornais. Não só uma vez, o magistrado sublinhou que precisaria da opinião pública para levar à frente o processo e que, para isso, seria fundamental o apoio da mídia. Esse apoio não lhe faltou em um único instante. Mas parece ter soado aos seus ouvidos como uma blindagem. Ou seja, poderia tudo, pois estava inapelavelmente guarnecido por essa proteção.
Não foram poucas as barbeiragens, todas colocadas em plano secundário por jornais, revista e televisão. Como as equivocadas prisões de uma cunhada de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, e de um lanterneiro, confundido com um homônimo.
Questões mais relevantes, como o sucessivo vazamento de informações definidas como confidenciais jamais foram cobradas pela mídia. Nem mesmo o fato de que os vazamentos tinham cor partidária e objetivos inquestionáveis de interferir na política.
A asneira que começou a desequilibrar a sua credibilidade viria com o que o juiz deve ter avaliado como a sua maior tacada: a condução coercitiva de Lula na madrugada de 4 de março. O fato foi tão escandaloso que não poucos duvidaram que ele estava sendo levado realmente para um interrogatório no Aeroporto de Congonhas.
Vozes credenciadas do mundo jurídico se levantaram, entre elas a do insuspeito ministro Marco Aurélio de Mello, um dos três integrantes do Supremo anteriores ao ciclo petista de governos. Além deles e de uma notável reação no Exterior, inclusive de grande número de chefes de Estado, as ruas foram invadidas em poucas horas, com milhares de manifestantes inconformados e com um nível de emoção controlado com enorme dificuldade.
O momento seguinte foi o vazamento para a IstoÉ do que viria a ser o conteúdo da delação premiada do senador Delcídio Amaral. Tudo milimetricamente concatenado, de tal sorte que a revista antecipou o lançamento da sua edição (mesmo procedimento da divulgação, pela Veja, às vésperas da eleição de 2014, da falsa informação de que Lula e Dilma tinham conhecimento da rede de corrupção implantada na Petrobras), permitindo a repercussão em tempo de criar um clima de comoção popular que viesse a influir na mobilização para os atos marcados para 13 de março.
E veio a escandalosa liberação de gravações telefônicas de inúmeras conversas de Lula, cirurgicamente liberadas para a mídia no momento em que ele aceitara o convite para assumir a Casa Civil do governo de Dilma e quando Eduardo Cunha finalizava as suas providências para a instalação de um processo de impedimento da presidenta.
Desta vez, o juiz resvalou para o terreno da ilegalidade, divulgando conversas com autoridades que possuem foro privilegiado, entre elas a própria presidenta Dilma. Os fatos demonstraram que o magistrado foi ainda mais longe. Uma das conversas, justamente entre Lula e Dilma, foi gravada depois da sua determinação de que elas não fossem mais captadas e, ao invés de desconsideradas, foram incorporadas ao processo e, além disso, colocadas à disposição da imprensa. Questionado sobre a atitude, a resposta pareceu a de um desinformado vestibulando de Direito: a conversa seria de “interesse público”. Um interesse que via, por certo, acima da Constituição.
Enfim, a construção de um símbolo do Judiciário comprometido com a perseguição ao crime sem que nada lhe impusesse restrições mostrou-se um castelo de cartas. Tirava-se o véu que cobria os objetivos da Lava-Jato e esses objetivos não estavam no processo, mas no mundo da política.
CONFISSÃO DE COVARDIA OU CORAGEM INSTITUCIONAL
As gravações não pareciam reveladas sem intencionalidade. Tanto que uma delas melindrou fortemente o ministro Celso de Mello, do STF. Inconformado com o que via como a incapacidade de reação de deputados e senadores e a exagerada autonomia do juiz Moro, o ex-presidente falava do medo dos parlamentares de serem alcançados pelas investigações e usava uma expressão forte para o Supremo: “acovardado”.
Como disse o jornalista Luís Nassif, restavam ao Supremo duas alternativas: “desmentir os fatos ou brigar com a afirmação.” O ministro Celso de Mello escolheu o caminho mais cômodo. Desconheceu a ilegalidade dos grampos e voltou-se contra o personagem mais frágil naquela circunstância, Lula. Investigado pela Operação, quase condenado previamente pela mídia, embora não haja sequer acusações contra ele, odiado por amplos setores da classe média. Pareceu corajoso, pois enfrentava um grande líder popular, e conquistou a simpatia dos editores de grandes jornais e emissoras de TV.
E o que havia dito Lula? Ainda bem que (suponho) as minhas conversas não estão sendo gravadas. Dificilmente captariam uma impressão melhor do Judiciário. Arrisco dizer que as suas conversas iriam mais ou menos na mesma direção. Em conversas reservadas, “acovardado” soa como uma justificativa para a postura de magistrados que deveriam agir e preferem calar. Acho que coisa bem pior se fala por aí. É o que dizem as pesquisas de opinião pública, as feitas antes das traquinagens da Lava-Jato, em que os entrevistados não falavam do STF, mas da Justiça como um todo. A Datafolha (citada) mostra o Judiciário com 34% de prestígio, dos menores índices entre as instituições pesquisadas. A FGV ainda viu um índice de confiança de 42%, mas a nossa Justiça estaria mais perto de cair para a Série B que de se classificar para a Libertadores.
O que garante ao Judiciário a perspectiva de sair dessa crise institucional como um lugar lastimável na História do Brasil é a sua própria atitude.
Vejamos. Quantas vezes, questionado com relação a decisões de suas Mesas, nós vimos o STF eximir-se de manifestação, alegando serem questões internas do Legislativo?
E há questão mais interna do Poder Executivo que a nomeação de um ministro? A nomeação de um cidadão, que não é acusado, não é réu. Dezenas de interpelações foram levadas ao Judiciário. A primeira foi ridiculamente aceita por um juiz que não se deu por impedido, embora notoriamente um ativista contra o governo nas ruas e nas redes sociais. Pior, decidiu pelo impedimento da posse antes da ação chegar formalmente ao seu conhecimento! A decisão foi anulada, mas o ministro Gilmar Mendes, incansável crítico de Lula, do PT e do governo Dilma, não titubeou e vetou a posse. Longe de se dar por impedido, ainda que a matéria fosse proposta por advogada que é funcionária de entidade em que é sócio. Não fez como o ministro Edson Fachin em habeas corpus impetrado por advogados de Lula, alegando uma questão menor, ser padrinho de casamento de um dos subscritores da ação. Essa invasão de uma prerrogativa da presidenta da República, em si, já transforma a crise política em crise institucional.
Levantar que a nomeação se dá para blindar Lula, tirando-o do alcance de Moro, é uma grave ofensa ao Supremo Tribunal Federal. Se investigado na última instância, o processo seria mais célere e só uma maledicência muito grande para dizer que seria menos justo que o conduzido por Moro. A AP 470 foi conduzida pelo STF, vários réus tentaram ser transferidos para a primeira instância e foram justamente acusados de tentarem obter mais tempo no processo e, talvez, decisões mais favoráveis. Como o fez o ex-presidente do PSDB e ex-governador de Minas Gerais, renunciando ao mandato para descer à primeira instância. Essa suspeita pode, sim, pôr em risco a imagem da Corte.
Em face de atitudes como a do ministro Gilmar, não fica melindrada a Corte, mas a sociedade, o mundo jurídico e a História.
O que pode começar a salvar o Judiciário são atitudes como a do ministro Teori Zavascki. Que importa se as manchetes de jornais e TV venham a dizer que está constrangendo a Lava-Jato ou o juiz Moro? Ele está administrando justiça e este é o papel do magistrado, ainda mais no Supremo Tribunal Federal.
Diz o ministro Marco Aurélio de Mello: “Quando minha consciência indica o correto, posso ser mandado para o paredão ou cair o teto na minha casa, mas não recuo. Afinal, a Constituição me investiu de atribuições para que eu possa defendê-la”.
Foi exatamente isso que animou o ministro Teori. Não pode o Poder Judiciário cometer ilegalidades sob o olhar complacente de sua mais alta instância.
Ou o Supremo assinará a confissão de que está acovardado.
Fernando Tolentino

domingo, 13 de março de 2016

O QUE HÁ DE COMUM ENTRE VOCÊ E ESSA GENTE?



Em nome da razão e de um futuro minimamente aceitável, sugiro que se aproxime de seu vizinho, amigo ou parente que se encantou com a micareta amarela organizada para este domingo e lhes peça, se tiver condições de controlar a excitação, um segundo de serenidade, uma mínima reflexão:
O que há de comum entre você e a grande mídia? Você se considera representado pelo Estadão? Há algum interesse da Veja, da Folha, da Globo que coincida com o seu?
Pronto. O resto ele talvez seja capaz de concluir sozinho.
Veja que estou sendo respeitoso com essa pessoa estimada por você. Estou tendo-o na condição de inteligente e até razoavelmente informado. E não imagino que possa ser um corrupto, um aproveitador da fé alheia, um canalha.
Por isso, eu não sugiro que pergunte o que tem em comum com Bolsonaro, Fernando Capez (o do rapto da merenda), Ronaldo Caiado, Malafaia, Eduardo Cunha. Sob pena de criar um problema incontornável de relacionamento, evite perguntar se acha agradável a companhia de grupos nazistas que desfilaram de camisa amarela.
Para os grandes grupos de comunicação do País essas manifestações vêm a calhar. Estão com dificuldades para lidar com a crise. O Estadão demitiu mais de uma centena de jornalistas no ano passado, a Folha foi pelo mesmo caminho, o grupo Globo foi mais longe, com a demissão de algumas centenas de profissionais. A poderosa Editora Abril, que edita a Veja, vem passando por um processo de fechamento ou interrupção da impressão de mais de uma dezena de revistas. Chegou a desocupar metade do suntuoso prédio que ocupava. Se você é assinante, pegue um exemplar da Veja de alguns anos atrás e compare o número de páginas de anúncios com as editadas mais recentemente. Segundo O Observatório da Imprensa (http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/1-400-jornalistas-demitidos-em-2015/), foram dispensados cerca de 1.400 jornalistas no Brasil em 2015.
O momento é extremamente delicado para os meios de comunicação. Sofrem com a crise da economia e o natural corte na verba de publicidade mesmo de grandes e médios anunciantes e são vítimas, ao mesmo tempo, de um problema menos conjuntural: as quedas nas vendas de jornais e revistas e, simultaneamente, na audiência da televisão.
Os números não são nada animadores para os empresários do setor. Há um crescimento significativo na audiência da TV a cabo, mas a da televisão aberta vem caindo vertiginosamente. A Globo já está atrás da audiência da TV a cabo, o que só não lhe assusta mais porque também é líder nesse segmento
Mas já há indicativos de que parte substancial do público está migrando mesmo é para a internet. As empresas de televisão até têm buscado essa alternativa, mas a resposta de publicidade não é compensadora, pois a prática comum é que, em meio eletrônico, os usuários “fujam” da publicidade, consumindo apenas o conteúdo.
O mais dramático é que, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, o Brasil admite a propriedade cruzada dos meios. Ou seja, a mesma empresa pode possuir emissoras de rádio, de televisão, revistas e jornais, além de portais de internet. E os dados mostram que a situação de revistas e jornais é ainda mais preocupante para o segmento da comunicação.
Os meios impressos só demonstram capacidade de crescimento na Ásia. Leia o que apontam Vera Brandimarte e Raquel Balarin em artigo publicado no portal da Associação Brasileira de Jornalistas: Na Europa Ocidental e América do Norte a circulação caiu 17% nos últimos cinco anos. Na América Latina, cerca de 3%. As vendas de publicidade em edições impressas também não são animadoras: entre 2007 e 2012, a receita publicitária em jornais caiu de US$ 128 bilhões para US$ 96 bilhões” (http://www.abjornalistas.org/page.php?news=345). Segundo a Associação Mundial de Jornais (WAN, em inglês), a receita da plataforma digital não ultrapassa 10 por cento, mesmo com a tática de manter conteúdo não gratuito, nos chamados muros de pagamento ("paywalls").
Esse é o dado que causa maior dor de cabeça nos grupos que exploram meios de comunicação brasileiros. A tendência é mundial e atinge diretamente o faturamento.
A própria Associação Nacional de Jornais tem se debruçado sobre a questão e reconhece: Segundo informação do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), no total dos jornais auditados, desde janeiro de 2014, as edições digitais cresceram de 427.370 para 641.776 (+50%), enquanto as edições impressas diminuíram de 3.834.613 para 3.505.838 (-8,6%), resultando numa diminuição da circulação total de 4.261.983 para 4.147.614 (-2,7%)” (http://www.anj.org.br/cenario-2/).
Considerando o período de janeiro a dezembro de 2015, o Diário do Centro do Mundo indica um quadro ainda mais desesperador: a Folha caiu 14,1% no impresso e 16,3% no digital, o que gerou uma queda média de 15,1%, superior à do Estado de S. Paulo (8,9%) e à do Globo (5,5%)” (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/audiencia-de-jornais-desaba-no-impresso-e-no-digital/)
E QUEM FICA COM A CONTA?
Em condições ditas normais, o governo compensaria as empresas de comunicação, especialmente com despesas de publicidade. O problema é que está se dando o inverso. De 2013 para 2014, a administração federal recuou 24% nessas despesas: de R$ 947 milhões para R$ 724 milhões, não consideradas as contas de empresas que concorrem no mercado, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, entre outras, que ampliaram os gastos em 5,3%: de R$ 1,51 bilhão para R$ 1,59 bilhão. Mas, mesmo quando elas são incluídas, o montante é 5,7% menor.
Agregue a informação de que o gasto com espaços publicitários em veículos online cresceu 22,8% entre os dois anos, saltando de R$ 159 milhões para R$ 195 milhões. É claro que as mesmas empresas ainda dão uma mordida razoável nesses valores, mas surgem aí vários concorrentes, o que não lhes deixa bem humorados, pois isso significa uma redução ainda maior na verba que lhes seria direcionada restritivamente.
Pois some a isso o fato de que também vários governos estaduais e municipais têm lidado com escassez de recursos para publicidade e, além disso, não tem havido grande flexibilidade para outras formas de financiar o setor, como a compra direta de produtos, na forma comum no governo de São Paulo, que mantém milhares de assinaturas dos grandes títulos de jornais e revistas brasileiros para distribuição na rede educacional.
Longe de mim sugerir que esta seja a única razão da guerra desencadeada pelos meios de comunicação contra o governo de Dilma Rousseff ou para tentar fixar a imagem do ex-presidente Lula como um reles criminoso. A verdade é que há uma enorme articulação de forças de direita e encontram forte e interessado apoio do PSDB, ainda inconformado com a derrota de 2014. Os tucanos contam para isso com a parceria dos partidos aliados – especialmente DEM, PPS e Solidariedade – e com a companhia oportunista de boa parte do PMDB, bem definido em tuíter Editora Humanas que repliquei: “O PMDB é aquela mãe que deixa um filho em cada fila de caixa no mercado. A que andar primeiro ela vai...” Salvo honrosas exceções, estão apenas usando a companhia de Dilma no governo e, subitamente, enxergaram a chance de usar a campanha pelo afastamento dela para, de um lado, esconder Eduardo Cunha e seu imenso contencioso criminal e, de outro, fazer um presidente sem precisar de votos para isso.
Essa articulação golpista encontrou eco em setores do Judiciário e do Ministério Público, que passaram a ter uma avaliação enviesada das apurações relativas à corrupção na Petrobras, em que só dá para ver o que possa ter conexão com o Partido dos Trabalhadores e, particularmente, com Lula e, quem sabe, Dilma. Esses grupos mantêm nítida articulação com a mídia, vazando conteúdos de processos sigilosos e até decisões que podem render manchetes que ajudem no interesse mútuo.
A TURMA DA CBF
A população vem sendo bombardeada pela maior campanha já realizada na história da mídia brasileira, com pautas direcionadas para destruir o governo federal e o PT. Para não falar nos dois governos de Lula e no primeiro de Dilma, quando certos veículos chegaram a falsificar informações às vésperas da eleição para inverter o resultado presumido, não é possível encontrar desde o final de 2014 uma primeira página de grande jornal brasileiro, a capa de alguma das grandes revistas ou os noticiários de TV em que o principal assunto não seja um portentoso ataque ao governo. Isso chega a ocorrer surpreendentemente até em edições de dias de carnaval, em que arrefece naturalmente o interesse do público por temas de política e economia.
A favorecer, a chegada da crise econômica ao Brasil, com intensidade considerável no novo mandato de Dilma, e a opção da presidenta de tentar resistir aos seus efeitos com um forte ajuste fiscal. Vários programas sociais foram reduzidos, os níveis de emprego caíram e observou-se uma elevação sensível na taxa de inflação.
É aí que o seu amigo ou vizinho ou familiar é tomado de enorme insatisfação e se anima a acompanhar lideranças comprometidas historicamente com a exclusão social, inclusive a deles próprios, e nem sequer se dá conta que são políticos com uma história de corrupção contumaz. Veste a mesma camisa da seleção brasileira desses novos “parceiros de militância”, que fingem não ter conhecimento da imensa corrupção da CBF, evidenciada por não conseguir ao menos livrar a cara de seu presidente, já que a mutreta foi apurada fora do Brasil.
O que ele certamente não percebe é o quanto é diferente dessa gente. Será que ele realmente está indignado por ver recursos federais aplicados em programas que tendem a reduzir as diferenças sociais, como o Mais Médicos, o Minha Casa Minha Vida, o Pronatec, o ProUni, o Ciência sem Fronteiras, o programa de creches, o de Agricultura Familiar, o Bolsa Família, o Remédio Popular, o Brasil Sorridente, a transposição do Rio São Francisco, transporte para estudantes do meio rural, garantia de  renda para pescadores em períodos de piracema, entre vários outros? Ele realmente foi contra a política de valorização do salário mínimo, a extensão de direitos trabalhistas para trabalhadores domésticos, o combate ao trabalho escravo, a proteção à mulher vítima de violência? Ele é realmente contra o incremento de vagas no ensino superior, com a interiorização da universidade pública?
Ele sabe, por exemplo, que a Bahia, primeira capital do Brasil, chegou a 2003 com uma única universidade federal e hoje, além de institutos federais de educação, é atendida por cinco universidades. Sabe o seu amigo que o novo parceiro se revolta porque o município de Bom Jesus, no Piauí, é o de maior concentração de doutores no Brasil? Que não aceita a Paraíba com o estado com maior relação de doutores por habitante?
Que está indignado porque o Nordeste e o Norte cresceram mais que São Paulo na última década? Ou porque a taxa de mortalidade de infantil caiu a menos da metade em uma década, entre outros indicadores sociais?
Se esse amigo, ou parente ou vizinho é uma pessoa abastada, rica ou de alta classe média, será que realmente faz questão que os benefícios sociais não atinjam os demais brasileiros?
Se ele está insatisfeito com as condições atuais da economia, pode estar certo que não está só. Estão com ele toda a base social e política do governo e até a própria Dilma. A questão é superar essa crise, ainda que os fatores externos não favoreçam. Pode estar certo que não será com o ambiente de crise generalizada que se fará isso mais facilmente.
E você conhece muito bem os remédios para “superar uma crise” usados pelos adversários de Dilma, os que querem tirá-la do poder. Exatamente aquela máxima de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Se o tempo é de crise, quem vocês achem que serão privilegiados antes? O seu amigo, os bancos, os produtores rurais, os grandes meios de comunicação? Dê uma olhada em quem vai pra rua na companhia de seu amigo e o que eles representam.
Basta lembrar que, em plena crise, Dilma teve que vetar um aumento médio para o Judiciário de 56%, que chegava em alguns casos a 78,56%! E que os juízes, procuradores e promotores conseguiram aprovar um auxílio moradia de R$ 4,3 mil por mês. Sem incidência de Imposto de Renda. Mas muitos desses estão com a camisa da CBF, na rua, revoltados. Eles são realmente da mesma turma de seu amigo?
O Estadão de hoje não tem qualquer inibição ao dizer o que querem esses “parceiros” de seu amigo.
No dia 31 de março de 1964, justamente na véspera do golpe que levou o Brasil a uma ditadura de 20 anos, o jornal Correio da Manhã, publicou um editorial que seria simbólico daquele momento: Basta! Fiz questão de reler hoje o texto. É tímido, quase conciliador, diante do que publica hoje o Estadão. A força demolidora do editorial estava na sua última frase: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual, agora basta!
A semelhança com o editorial de hoje do Estadão está no fato de que o do Correio da Manhã foi publicado quando o golpe já estava prestes a se desencadear e o do Estadão parece pretender esse papel. Talvez daí evocar o título do outro: Chegou a hora de dizer: Basta!
No seu inequívoco ímpeto oposicionista, o editorial do Correio da Manhã não revela sequer coragem de propor o fim do governo de João Goulart, embora chegando muito perto disso. Seria uma atitude assumidamente atentatória contra a democracia e os seus redatores certamente sabiam que a História não perdoa esse tipo de afronta.
Sua leitura e a comparação com o do Estadão de hoje distanciam os dois.
Tentando fugir à acusação de atentar abertamente contra a democracia, o Correio da Manhã chega a afirmar: “A Nação não admite golpe nem contra golpe”. E parece tentar contornar a crise política daquele momento, ao propor que “este grande sacrifício de tolerá-lo (ao presidente Goulart) até 1966 seria compensador para a democracia. Mas, para isso, o Sr. João Goulart terá de desistir de sua política atual, que está perturbando uma Nação em desenvolvimento e ameaçando levá-la à guerra civil.” Vai adiante: “Os Poderes Legislativo e Judiciário, as classes armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos para combater todos aqueles que atentem contra o regime.”
Ainda assim, o jornal entraria para a História com a pecha de ter sido um dos principais responsáveis por desencadear o golpe. E o mais intrigante é que acabaria tendo relações pouco amistosas com o novo governo, sucumbindo em 1974.
O mais significativo é que o editorial do Estadão parece encarnar o que pretende toda a grande mídia brasileira: a destituição da presidenta eleita legitimamente há pouco mais de um ano. Uma campanha que obteve esse apoio desde novembro de 2014.
Como na fábula do lobo e do cordeiro, as razões para Dilma não governar foram se sucedendo e, à medida que se frustravam, outras eram lançadas: o lançamento pelo PSDB de suspeição de fraude na contagem dos votos; em seguida, de irregularidades no financiamento da sua campanha; na criação de um ambiente que a impedisse de efetivamente governar, acuada por uma base parlamentar ávida de vantagens e, em boa parte, manietada pela nefasta liderança de Eduardo Cunha; na denúncia sobre o que foi chamado de “pedaladas fiscais”; pela tentativa incessante de envolvê-la nas denúncias da Petrobras. Por fim, a tentativa escancarada de subtrair-lhe o mandato, mesmo que não tenha sido ao menos acusada de algum crime.
Não demore, portanto, pra conversar com o seu amigo ou vizinho ou parente. Ele pode estar puxando as estacas que seguram a democracia e, daqui a pouco, ela pode desabar sobre ele. Pior do que isso, só se você o aplaudiu.
Fernando Tolentino