domingo, 13 de março de 2016

O QUE HÁ DE COMUM ENTRE VOCÊ E ESSA GENTE?



Em nome da razão e de um futuro minimamente aceitável, sugiro que se aproxime de seu vizinho, amigo ou parente que se encantou com a micareta amarela organizada para este domingo e lhes peça, se tiver condições de controlar a excitação, um segundo de serenidade, uma mínima reflexão:
O que há de comum entre você e a grande mídia? Você se considera representado pelo Estadão? Há algum interesse da Veja, da Folha, da Globo que coincida com o seu?
Pronto. O resto ele talvez seja capaz de concluir sozinho.
Veja que estou sendo respeitoso com essa pessoa estimada por você. Estou tendo-o na condição de inteligente e até razoavelmente informado. E não imagino que possa ser um corrupto, um aproveitador da fé alheia, um canalha.
Por isso, eu não sugiro que pergunte o que tem em comum com Bolsonaro, Fernando Capez (o do rapto da merenda), Ronaldo Caiado, Malafaia, Eduardo Cunha. Sob pena de criar um problema incontornável de relacionamento, evite perguntar se acha agradável a companhia de grupos nazistas que desfilaram de camisa amarela.
Para os grandes grupos de comunicação do País essas manifestações vêm a calhar. Estão com dificuldades para lidar com a crise. O Estadão demitiu mais de uma centena de jornalistas no ano passado, a Folha foi pelo mesmo caminho, o grupo Globo foi mais longe, com a demissão de algumas centenas de profissionais. A poderosa Editora Abril, que edita a Veja, vem passando por um processo de fechamento ou interrupção da impressão de mais de uma dezena de revistas. Chegou a desocupar metade do suntuoso prédio que ocupava. Se você é assinante, pegue um exemplar da Veja de alguns anos atrás e compare o número de páginas de anúncios com as editadas mais recentemente. Segundo O Observatório da Imprensa (http://observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/1-400-jornalistas-demitidos-em-2015/), foram dispensados cerca de 1.400 jornalistas no Brasil em 2015.
O momento é extremamente delicado para os meios de comunicação. Sofrem com a crise da economia e o natural corte na verba de publicidade mesmo de grandes e médios anunciantes e são vítimas, ao mesmo tempo, de um problema menos conjuntural: as quedas nas vendas de jornais e revistas e, simultaneamente, na audiência da televisão.
Os números não são nada animadores para os empresários do setor. Há um crescimento significativo na audiência da TV a cabo, mas a da televisão aberta vem caindo vertiginosamente. A Globo já está atrás da audiência da TV a cabo, o que só não lhe assusta mais porque também é líder nesse segmento
Mas já há indicativos de que parte substancial do público está migrando mesmo é para a internet. As empresas de televisão até têm buscado essa alternativa, mas a resposta de publicidade não é compensadora, pois a prática comum é que, em meio eletrônico, os usuários “fujam” da publicidade, consumindo apenas o conteúdo.
O mais dramático é que, ao contrário do que ocorre no resto do mundo, o Brasil admite a propriedade cruzada dos meios. Ou seja, a mesma empresa pode possuir emissoras de rádio, de televisão, revistas e jornais, além de portais de internet. E os dados mostram que a situação de revistas e jornais é ainda mais preocupante para o segmento da comunicação.
Os meios impressos só demonstram capacidade de crescimento na Ásia. Leia o que apontam Vera Brandimarte e Raquel Balarin em artigo publicado no portal da Associação Brasileira de Jornalistas: Na Europa Ocidental e América do Norte a circulação caiu 17% nos últimos cinco anos. Na América Latina, cerca de 3%. As vendas de publicidade em edições impressas também não são animadoras: entre 2007 e 2012, a receita publicitária em jornais caiu de US$ 128 bilhões para US$ 96 bilhões” (http://www.abjornalistas.org/page.php?news=345). Segundo a Associação Mundial de Jornais (WAN, em inglês), a receita da plataforma digital não ultrapassa 10 por cento, mesmo com a tática de manter conteúdo não gratuito, nos chamados muros de pagamento ("paywalls").
Esse é o dado que causa maior dor de cabeça nos grupos que exploram meios de comunicação brasileiros. A tendência é mundial e atinge diretamente o faturamento.
A própria Associação Nacional de Jornais tem se debruçado sobre a questão e reconhece: Segundo informação do Instituto Verificador de Comunicação (IVC), no total dos jornais auditados, desde janeiro de 2014, as edições digitais cresceram de 427.370 para 641.776 (+50%), enquanto as edições impressas diminuíram de 3.834.613 para 3.505.838 (-8,6%), resultando numa diminuição da circulação total de 4.261.983 para 4.147.614 (-2,7%)” (http://www.anj.org.br/cenario-2/).
Considerando o período de janeiro a dezembro de 2015, o Diário do Centro do Mundo indica um quadro ainda mais desesperador: a Folha caiu 14,1% no impresso e 16,3% no digital, o que gerou uma queda média de 15,1%, superior à do Estado de S. Paulo (8,9%) e à do Globo (5,5%)” (http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/audiencia-de-jornais-desaba-no-impresso-e-no-digital/)
E QUEM FICA COM A CONTA?
Em condições ditas normais, o governo compensaria as empresas de comunicação, especialmente com despesas de publicidade. O problema é que está se dando o inverso. De 2013 para 2014, a administração federal recuou 24% nessas despesas: de R$ 947 milhões para R$ 724 milhões, não consideradas as contas de empresas que concorrem no mercado, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, entre outras, que ampliaram os gastos em 5,3%: de R$ 1,51 bilhão para R$ 1,59 bilhão. Mas, mesmo quando elas são incluídas, o montante é 5,7% menor.
Agregue a informação de que o gasto com espaços publicitários em veículos online cresceu 22,8% entre os dois anos, saltando de R$ 159 milhões para R$ 195 milhões. É claro que as mesmas empresas ainda dão uma mordida razoável nesses valores, mas surgem aí vários concorrentes, o que não lhes deixa bem humorados, pois isso significa uma redução ainda maior na verba que lhes seria direcionada restritivamente.
Pois some a isso o fato de que também vários governos estaduais e municipais têm lidado com escassez de recursos para publicidade e, além disso, não tem havido grande flexibilidade para outras formas de financiar o setor, como a compra direta de produtos, na forma comum no governo de São Paulo, que mantém milhares de assinaturas dos grandes títulos de jornais e revistas brasileiros para distribuição na rede educacional.
Longe de mim sugerir que esta seja a única razão da guerra desencadeada pelos meios de comunicação contra o governo de Dilma Rousseff ou para tentar fixar a imagem do ex-presidente Lula como um reles criminoso. A verdade é que há uma enorme articulação de forças de direita e encontram forte e interessado apoio do PSDB, ainda inconformado com a derrota de 2014. Os tucanos contam para isso com a parceria dos partidos aliados – especialmente DEM, PPS e Solidariedade – e com a companhia oportunista de boa parte do PMDB, bem definido em tuíter Editora Humanas que repliquei: “O PMDB é aquela mãe que deixa um filho em cada fila de caixa no mercado. A que andar primeiro ela vai...” Salvo honrosas exceções, estão apenas usando a companhia de Dilma no governo e, subitamente, enxergaram a chance de usar a campanha pelo afastamento dela para, de um lado, esconder Eduardo Cunha e seu imenso contencioso criminal e, de outro, fazer um presidente sem precisar de votos para isso.
Essa articulação golpista encontrou eco em setores do Judiciário e do Ministério Público, que passaram a ter uma avaliação enviesada das apurações relativas à corrupção na Petrobras, em que só dá para ver o que possa ter conexão com o Partido dos Trabalhadores e, particularmente, com Lula e, quem sabe, Dilma. Esses grupos mantêm nítida articulação com a mídia, vazando conteúdos de processos sigilosos e até decisões que podem render manchetes que ajudem no interesse mútuo.
A TURMA DA CBF
A população vem sendo bombardeada pela maior campanha já realizada na história da mídia brasileira, com pautas direcionadas para destruir o governo federal e o PT. Para não falar nos dois governos de Lula e no primeiro de Dilma, quando certos veículos chegaram a falsificar informações às vésperas da eleição para inverter o resultado presumido, não é possível encontrar desde o final de 2014 uma primeira página de grande jornal brasileiro, a capa de alguma das grandes revistas ou os noticiários de TV em que o principal assunto não seja um portentoso ataque ao governo. Isso chega a ocorrer surpreendentemente até em edições de dias de carnaval, em que arrefece naturalmente o interesse do público por temas de política e economia.
A favorecer, a chegada da crise econômica ao Brasil, com intensidade considerável no novo mandato de Dilma, e a opção da presidenta de tentar resistir aos seus efeitos com um forte ajuste fiscal. Vários programas sociais foram reduzidos, os níveis de emprego caíram e observou-se uma elevação sensível na taxa de inflação.
É aí que o seu amigo ou vizinho ou familiar é tomado de enorme insatisfação e se anima a acompanhar lideranças comprometidas historicamente com a exclusão social, inclusive a deles próprios, e nem sequer se dá conta que são políticos com uma história de corrupção contumaz. Veste a mesma camisa da seleção brasileira desses novos “parceiros de militância”, que fingem não ter conhecimento da imensa corrupção da CBF, evidenciada por não conseguir ao menos livrar a cara de seu presidente, já que a mutreta foi apurada fora do Brasil.
O que ele certamente não percebe é o quanto é diferente dessa gente. Será que ele realmente está indignado por ver recursos federais aplicados em programas que tendem a reduzir as diferenças sociais, como o Mais Médicos, o Minha Casa Minha Vida, o Pronatec, o ProUni, o Ciência sem Fronteiras, o programa de creches, o de Agricultura Familiar, o Bolsa Família, o Remédio Popular, o Brasil Sorridente, a transposição do Rio São Francisco, transporte para estudantes do meio rural, garantia de  renda para pescadores em períodos de piracema, entre vários outros? Ele realmente foi contra a política de valorização do salário mínimo, a extensão de direitos trabalhistas para trabalhadores domésticos, o combate ao trabalho escravo, a proteção à mulher vítima de violência? Ele é realmente contra o incremento de vagas no ensino superior, com a interiorização da universidade pública?
Ele sabe, por exemplo, que a Bahia, primeira capital do Brasil, chegou a 2003 com uma única universidade federal e hoje, além de institutos federais de educação, é atendida por cinco universidades. Sabe o seu amigo que o novo parceiro se revolta porque o município de Bom Jesus, no Piauí, é o de maior concentração de doutores no Brasil? Que não aceita a Paraíba com o estado com maior relação de doutores por habitante?
Que está indignado porque o Nordeste e o Norte cresceram mais que São Paulo na última década? Ou porque a taxa de mortalidade de infantil caiu a menos da metade em uma década, entre outros indicadores sociais?
Se esse amigo, ou parente ou vizinho é uma pessoa abastada, rica ou de alta classe média, será que realmente faz questão que os benefícios sociais não atinjam os demais brasileiros?
Se ele está insatisfeito com as condições atuais da economia, pode estar certo que não está só. Estão com ele toda a base social e política do governo e até a própria Dilma. A questão é superar essa crise, ainda que os fatores externos não favoreçam. Pode estar certo que não será com o ambiente de crise generalizada que se fará isso mais facilmente.
E você conhece muito bem os remédios para “superar uma crise” usados pelos adversários de Dilma, os que querem tirá-la do poder. Exatamente aquela máxima de que “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Se o tempo é de crise, quem vocês achem que serão privilegiados antes? O seu amigo, os bancos, os produtores rurais, os grandes meios de comunicação? Dê uma olhada em quem vai pra rua na companhia de seu amigo e o que eles representam.
Basta lembrar que, em plena crise, Dilma teve que vetar um aumento médio para o Judiciário de 56%, que chegava em alguns casos a 78,56%! E que os juízes, procuradores e promotores conseguiram aprovar um auxílio moradia de R$ 4,3 mil por mês. Sem incidência de Imposto de Renda. Mas muitos desses estão com a camisa da CBF, na rua, revoltados. Eles são realmente da mesma turma de seu amigo?
O Estadão de hoje não tem qualquer inibição ao dizer o que querem esses “parceiros” de seu amigo.
No dia 31 de março de 1964, justamente na véspera do golpe que levou o Brasil a uma ditadura de 20 anos, o jornal Correio da Manhã, publicou um editorial que seria simbólico daquele momento: Basta! Fiz questão de reler hoje o texto. É tímido, quase conciliador, diante do que publica hoje o Estadão. A força demolidora do editorial estava na sua última frase: “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual, agora basta!
A semelhança com o editorial de hoje do Estadão está no fato de que o do Correio da Manhã foi publicado quando o golpe já estava prestes a se desencadear e o do Estadão parece pretender esse papel. Talvez daí evocar o título do outro: Chegou a hora de dizer: Basta!
No seu inequívoco ímpeto oposicionista, o editorial do Correio da Manhã não revela sequer coragem de propor o fim do governo de João Goulart, embora chegando muito perto disso. Seria uma atitude assumidamente atentatória contra a democracia e os seus redatores certamente sabiam que a História não perdoa esse tipo de afronta.
Sua leitura e a comparação com o do Estadão de hoje distanciam os dois.
Tentando fugir à acusação de atentar abertamente contra a democracia, o Correio da Manhã chega a afirmar: “A Nação não admite golpe nem contra golpe”. E parece tentar contornar a crise política daquele momento, ao propor que “este grande sacrifício de tolerá-lo (ao presidente Goulart) até 1966 seria compensador para a democracia. Mas, para isso, o Sr. João Goulart terá de desistir de sua política atual, que está perturbando uma Nação em desenvolvimento e ameaçando levá-la à guerra civil.” Vai adiante: “Os Poderes Legislativo e Judiciário, as classes armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos para combater todos aqueles que atentem contra o regime.”
Ainda assim, o jornal entraria para a História com a pecha de ter sido um dos principais responsáveis por desencadear o golpe. E o mais intrigante é que acabaria tendo relações pouco amistosas com o novo governo, sucumbindo em 1974.
O mais significativo é que o editorial do Estadão parece encarnar o que pretende toda a grande mídia brasileira: a destituição da presidenta eleita legitimamente há pouco mais de um ano. Uma campanha que obteve esse apoio desde novembro de 2014.
Como na fábula do lobo e do cordeiro, as razões para Dilma não governar foram se sucedendo e, à medida que se frustravam, outras eram lançadas: o lançamento pelo PSDB de suspeição de fraude na contagem dos votos; em seguida, de irregularidades no financiamento da sua campanha; na criação de um ambiente que a impedisse de efetivamente governar, acuada por uma base parlamentar ávida de vantagens e, em boa parte, manietada pela nefasta liderança de Eduardo Cunha; na denúncia sobre o que foi chamado de “pedaladas fiscais”; pela tentativa incessante de envolvê-la nas denúncias da Petrobras. Por fim, a tentativa escancarada de subtrair-lhe o mandato, mesmo que não tenha sido ao menos acusada de algum crime.
Não demore, portanto, pra conversar com o seu amigo ou vizinho ou parente. Ele pode estar puxando as estacas que seguram a democracia e, daqui a pouco, ela pode desabar sobre ele. Pior do que isso, só se você o aplaudiu.
Fernando Tolentino

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