domingo, 29 de maio de 2016

O STF (COMO A SOCIEDADE) PRECISA ESCOLHER UM LADO



De que lado está o STF? Do lado das mulheres que resistem à violência e se revoltam quando ela nos impede a respiração, atravessa nossa garganta, faz disparar o nosso coração? Ou lado dos estupradores?
Sei. Estou perguntando os demais. Há inclusive duas mulheres. A opção de um deles é dispensável perguntar. Até liberou o facínora Roger Abdelmassih, mesmo condenado a 278 anos de prisão por 52 estupros e quatro tentativas de abuso a 39 mulheres. Há outro que não me convenceria de tomar posição distinta da adotada por seu ícone, ídolo, guru, orientador, sei lá... Mas, e os demais?
Como deve estar ocorrendo em muitos cantos do País, as mulheres brasilienses e os homens que lhes são solidários resolveram fazer uma manifestação na manhã deste domingo, 29 de maio: a Marcha das Flores – 30 contra Todas. O grupo desceu do Museu da República até o STF, para depositar flores aos pés da estátua de Themis, obra do artista plástico mineiro Alfredo Ceschiatti. A deusa com os olhos vendados e uma espada. O artista pretendia que a venda nos olhos representasse a imparcialidade da Justiça e a espada, a sua força, a coragem, a ordem e a regra necessárias para impor o direito. Decerto não conhecia o supremo, que perdeu inclusive o direito de que eu o escreva com inicial maiúscula.
Voltemos aos fatos.
A revolta das mulheres explodiu com o estupro múltiplo, na comunidade de Morro São João, Jacarepaguá (Rio de Janeiro), quando uma menina de 16 anos foi violentada por mais de 30 elementos que alguns insistem em classificar como homens.
A bestialidade não ficou nisso. Registraram tudo em vídeo e disponibilizaram em rede social. Dois exibem os seios e o órgão sexual da menina ainda sangrando: “Essa aqui, mais de 30 engravidou. Entendeu ou não entendeu?”, diz um deles. “Olha como que tá (sic). Sangrando. Olha onde o trem passou. Onde o trem bala passou de marreta”, detalha outro. E mais: "Amassaram a mina, intendeu ou não ou não intendeu? Kkk" (sic).
Ela teria ido a uma festa e, de lá, para a casa do namorado na sexta, só acordando no domingo passado. 
Outros estupros igualmente revoltantes foram divulgados, dois deles no Piauí.
Espontaneamente, as mulheres e movimentos organizados, especialmente de feministas, vêm protestando desde então pelas várias redes sociais. Há quem fale até em castração dos estupradores. O mínimo de reação de violência despertada é a entrega deles a presidiários. Sabem todos que habitualmente os incriminados por estupro são submetidos na cadeia à mesma violência que cometeram. É a reação dos detentos, diante da impossibilidade de proteger suas filhas e mulheres que permanecem nas comunidades. Reação, no entanto, tão bestial quanto a atitude dos estupradores.
Há quem diga que quatro participantes foram justiçados pelo crime organizado.  Penso que é tão absurdo quanto. Um, é preciso haver uma assassino para que alguém seja executado. Dois, resulta muito fácil para o estuprador, pois nem tem que suportar o ônus do sofrimento que impôs.
Pra mim, a única punição realmente possível é a exibição pública de cada um desses meliantes. Daí, conhecidos de todas as mulheres, suponho que terão de levar o resto de seus dias sem dividir a cama com ninguém, sem sequer um gesto de carinho, sem o mínimo de afeto. Só despertarão nojo. E é o que merecem.
A vítima da comunidade de Morro São João publicou pela internet: "Venho comunicar que roubaram meu telefone e obrigada pelo apoio de todos. Realmente pensei que seria julgada mal! Mas não fui. Todas podemos um dia passar por isso...” A menina explicou: “Não, não dói o útero e sim a alma por existirem pessoas cruéis sendo impunes!”.
O ex-namorado da moça, o jogador de futebol Lucas Duarte Santos, de 20 anos, apresentou-se à polícia, acompanhado de Ray de Souza, de idade não revelada, e uma jovem que não foi identificada, assim como do advogado. A história, como sempre, foi de uma relação consentida da menina com esse amigo. Lucas teria tido uma relação com a moça que compareceu para colaborar. São sempre levadas à polícia versões inverossímeis como esta.
É claro que as manifestantes e os manifestantes de hoje, no supremo, estávamos naturalmente comovidos com o sofrimento dessa garota.
Mas não era exclusivamente disso que falávamos.
A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil. São dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgados no final de 2015, ano em que se registrou 47.646 casos de estupros no País. Veja-se bem: registrou. Não estamos falando daquela vizinha ou da pessoa da família de cada um de nós que é molestada por seus companheiros e não registram qualquer ocorrência. Até por não serem poucos os que as recriminariam por estarem criando dificuldades para eles. Vocês devem conhecer casos de filhas que pedem à mãe para não denunciarem os pais violentos.
Nem de longe, esse é o único tipo de violência sofrido pela mulher brasileira, inclusive com apelo à sexualidade.
Por incrível que pareça, na primeira semana do governo provisório de Michel Temer, foi simplesmente extinto o órgão criado pelos governos anteriores para intervir nesse tipo de situação, uma reivindicação histórica dos movimentos de mulheres. Pudera! É um governo incapaz de sentir o que vai no coração de uma mulher. Não é à toa que é composto inteiramente por homens brancos. E ricos.
A manifestação deste domingo tinha grande conteúdo simbólico. As pessoas marcharam tranquilamente, armadas exclusivamente com as suas flores. Mais cartazes e outros instrumentos que pudessem representar a repulsa vivida atualmente pelas mulheres brasileiras e pelos homens com elas solidários.
Havia, naturalmente, bebês nos colos de muitas delas, outros levados em carrinhos, além de outras numerosas crianças. Havia pessoas idosas também. Assim como cadeirantes.
Encontraram a parte da Praça dos Três Poderes fronteiriça ao STF cercada por grades, ficando impedidas de levarem as flores até a estátua. A vedação de acesso era ainda reforçada pela segurança do Órgão. É claro que protestaram e começaram a lançar suas flores para dentro do cercado.
Uma das mulheres conseguiu ultrapassar a grade, recolheu grande número de flores no chão e dirigiu-se à estátua.
Claro que é inacreditável. Os seguranças cercaram a estátua, impedindo a aproximação da manifestante. Supunham que havia risco de a estátua ser agredida, talvez até estuprada? Como a moça insistiu, foi agarrada e afastada à força.
A massa não suportou mais essa afronta e simplesmente derrubou as grades. A segurança do Tribunal investiu contra os que avançavam, basicamente mulheres, lançando gás de pimenta, logo contando com o apoio de policiais militares. Um deles chegou a esgrimir o cassetete e agarrar-se com um rapaz que auxiliava na derrubada das grades.
Venceram as mulheres. Alguma voz lúcida deve ter determinado que cessassem as agressões, embora a segurança judiciária continuasse ridiculamente cercando a estátua de Themis, como se estivesse ali os que não se cansam de estuprá-la.
Em volta, uma linda ciranda ouvia o que os ausentes togados precisavam e mereciam escutar: “Ei, você vai ver, a mulherada não tem medo de você”; “Não tem justificativa!”; “Lugar de mulher é onde ela quiser”; “Mexeu com uma, mexeu com todas”; “Fascistas, machistas, não passarão!”; “Se cuida, seu machista, a América Latina vai ser toda feminista”. É claro que as mulheres percebem o caráter machista do governo provisório e do golpe que o instalou, além do seu compadrio com o supremo. Não faltou quem lembrasse que a condição de mulher foi um dos elementos que levou à verdadeira guerra contra o governo de Dilma Rousseff e sua deposição. Daí, palavras de ordem como “Fora Temer”; ”Fora Cunha”; “Volta Querida”; e ”Fora Gilmar, protetor de estuprador”.
Aquelas mulheres sabem, como nós sabemos, que a marcha deste domingo foi só um momento da sua luta. O governo provisório vai continuar machista. A julgar pela reação de hoje, a mais alta instância do Judiciário vai se manter machista. O Congresso vai pelo mesmo caminho. A grande mídia não mudará sua atitude de disseminar os mesmos valores de submissão da mulher. A publicidade vai permanecer sexista. Boa parte da ideologia dominante vai pelo mesmo caminho, repetido o discurso em igrejas, nas escolas e em grande parte das famílias, como nas relações de trabalho.
A luta não cessará, pois terá que se dar em todos os ambientes e circunstâncias. Como destacou um grupo de universitárias, vestidas significativamente com roupas sumárias, para dar ideia do que sofrem nas relações com os seus próprios professores e colegas.
A sociedade vai precisar se definir e assumir de que lado vai ficar, pois a resistência persistirá.
Fernando Tolentino

terça-feira, 24 de maio de 2016

DEUS É MESMO BRASILEIRO!



A expectativa de um articulista é só escrever quando tem informações e a articulação entre elas. Enfim, certezas ou, pelo menos, convicções. Pois eu escrevo hoje apesar de fazê-lo para disseminar mais dúvidas, questionamentos, desconfianças.
A velocidade dos fatos políticos está nos obrigando a isso.
Fui a Belo Horizonte para participar do 5º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais e voltei com a definição de qual seria a minha próxima postagem no blog. Uma provocação importante e (até ontem) extremamente oportuna, boa parte dela fundada no pronunciamento do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) na sessão de encerramento, o que também fora dito pelo jornalista Paulo Moreira Leite (247) em um dos painéis: o golpe não está consumado.
A certeza de ambos não está ancorada simplesmente falta a análise do mérito pelo Senado, depois da defesa da presidenta Dilma Rousseff. Isso já daria uma boa margem de dúvida para a irreversibilidade do processo. Afinal, alguns senadores disseram que autorizavam o processo, mas não tinham certeza de votar contra Dilma no mérito e somente dois votos ultrapassavam os dois terços necessários para o afastamento definitivo. O que animava a análise de Pimenta e Moreira Leite são as contradições do processo político, não o de apreciação pura e simples do “impeachment”.
Já houve certa reversão de expectativa de alguns senadores após a abertura do processo, talvez por não verem os seus pleitos contemplados pelo governo provisório, mas também e principalmente porque os sinais começaram rapidamente a se inverter na opinião pública.
GOVERNO NOVO OU SUBSTITUIÇÃO?
Eu mesmo imaginava que Temer gastaria esse período com os olhos voltados para as eleições municipais de outubro, deixando as maldades para o final do ano. Não levei na devida conta a voracidade dos grupos econômicos que efetivamente fizeram a sua “eleição indireta”. Temer chegou ao posto anunciando as medidas que constavam da sua Ponte para o Futuro, assegurando a retaguarda do grande capital brasileiro.
Uma semana bastou para que jogasse na cara da opinião pública as suas reais intenções: alongar o tempo de trabalho exigido para a aposentadoria; desvinculação dos reajustes entre aposentadorias e salário mínimo; a deste co am inflação (mais o crescimento do PIB), como instituído desde Lula; subordinação dos direitos trabalhistas aos acordos coletivos; intensificação da terceirização; amputação violenta no programa Minha Casa, Minha Vida; retirada da Bolsa Família de milhões de famílias; redução do programa Mais Médicos  a cerca de um terço; revisão (extinção?) do SUS; liberação de controle sobre planos de saúde privados; redução substancial de recursos para saúde e educação; cobrança de anuidades em instituições públicas de ensino superior; redução dos recursos do FIES; extinção da Farmácia Popular e do SAMU; entrega de estatais à iniciativa (anunciadas a da ECT, do Instituto de Resseguros e da Casa da Moeda, aventando-se a de venda de parte da Caixa Econômica e do Banco do Brasil; revisão do marco estratégico do Pré-Sal.
Ufa! É pouco? Foram extintos vários ministérios da área social (direitos humanos, mulheres, negros, trabalhadores rurais sem terra), além do da Cultura, de que Temer recuou diante do clamor popular e dos profissionais da área. Pra não deixar dúvidas do caráter excludente do governo, compôs uma equipe de primeiro escalão exclusivamente com brancos do sexo masculino e nenhum trabalhador.
Espere aí! Temer não se julga no direito de substituir (temporariamente) Dilma porque, eleito junto com ela, seria potencialmente herdeiro dos mesmos 54 milhões de votos? Como entender suas alianças, excluindo o partido dela e coligando-se com as bases do candidato então derrotado? Mais, assumindo o programa rejeitado pelo povo.
Cada uma dessas decisões corrói uma parte do apoio ao golpe, os que pediram o afastamento de Dilma. Por isso, as lideranças golpistas quiseram e fizeram um processo com celeridade impressionante, tornando-se a única pauta da Câmara dos Deputados no primeiro semestre.
Além disso, muita gente se juntou às hordas golpistas acreditando que aquilo era uma luta contra a corrupção, dada pela mídia como uma exclusividade do grupo do poder, notadamente os petistas. Problema é que os fatos desmentiam isso, tanto que, na única manifestação numericamente relevante deste ano, os populares vestidos de amarelo expulsaram da Avenida Paulista as principais lideranças do movimento, como o próprio ex-candidato Aécio Neves.
Pois isso ficou mais claro na formação do time da “temeridade”, com nada menos de sete integrantes envolvidos na Lava Jato e praticamente todos com alguma acusação criminal, um deles por homicídio. O ministro da Justiça teve que se contorcer para negar que era advogado do PCC. O próprio Temer é denunciado na Lava Jato e foi condenado por crime eleitoral às vésperas de assumir, tornando-se ficha suja.
Para não falar de Eduardo Cunha, com peso suficiente para nomear as principais autoridades da área jurídica do governo.
Não há popularidade que resista!
Para Paulo Pimenta, só faltava o que chamou de “centelha”, o detonador da insatisfação contra o governo interino. Ele defendeu em Belo Horizonte que isso se daria com a decisão da Câmara de livrar Eduardo Cunha da cassação, o que deve se dar nos próximos dias.
A capa da Folha de São Paulo desta segunda-feira sobrepôs-se a tudo isso.
Não se qualificava como fantasioso o discurso da base de Dilma, usando-se o desmentido até de alguns doutos ministros do STF? Pois ficou provado que foi golpe! Sem meias palavras: GOLPE.
Claro que a tenebrosa palavra não foi proferida. Mas todo o desenho da ardilosa conspirata para derrubar Dilma estava nitidamente demonstrado por ninguém menos que o senador Romero Jucá, um dos seus principais artífices, presidente do PMDB e ministro do Planejamento da equipe de Temer. Um diálogo assaz esclarecedor com o ex-senador Sérgio Machado, até pouco tempo presidente da Transpetro por indicação do PMDB.
Trata-se de gravação de conversa entre ambos, que repousa na Procuradoria Geral da República desde março, semanas antes de a Câmara dos Deputados apreciar o pedido de afastamento de Dilma. Os dois combinam como deter a Lava Jato e concordam que a alternativa é afastar Dilma Rousseff, substituindo por Michel Temer. Diz Jucá: “Michel, vem cá, é isso e isso, isso, vai ser assim, as reformas são essas”.
Antecipação de tática por Jucá: "Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem". 
Ele define o senador Renan Calheiros como a única resistência, por sua animosidade com Cunha. O argumento para Renan: ele será o próximo! "Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele [Renan]. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor para ele. Ele não compreendeu isso não", diz Machado.
Romero Jucá informa que já caiu a ficha do pessoal do PSDB e cita Aloysio Nunes Ferreira, José Serra, Tasso Jereissati e Aécio Neves. Todos estariam “na bandeja” das investigações. E Aécio seria “o primeiro a ser comido”.
Machado lembra como se viabilizou a eleição de Aécio Neves para presidente da Câmara dos Deputados em 2001: "O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele [Aécio] ser presidente da Câmara?"
“Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”, avalia Jucá. Machado complementa: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.” E Jucá conclui: “Com o Supremo, com tudo.” Mas não é apenas especulação. Ele informa ao amigo que já conversou com ministros do Supremo que o teriam orientado (abaixa a voz): “ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca”.
Conta que foi além nas articulações golpistas, tendo conversado com generais, comandantes militares. “Os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.”
E Jucá orienta Machado a procurar Renan e Sarney. Já se sabe que Machado teria gravado essas duas conversas, hoje também à disposição da PGR. Teriam informações tão estarrecedoras quanto as reveladas pela FSP. Ou mais.
Já se sabe das movimentações dos partidos que se opõem ao golpe. O PSOL pede a prisão de Romero Jucá, mostrando a semelhança com a situação de Delcídio Amaral, preso por obstrução das investigações. O senador Telmário Mota e o seu Partido, o PDT, estão iniciando pedido de cassação de Romero Jucá por obstrução de justiça. O PT quer que Jucá abra a boca e conte o que sabe.
De fato, qualquer que seja o meio, é preciso que Jucá seja mais preciso. Quais foram os ministros da mais alta Corte que lhe recomendaram articular um golpe como saída para a paralisação das investigações da Lava Jato? Ele só livrou a cara de Teori Zavascki, a quem disse não ter acesso. Quais os nomes dos comandantes militares que, segundo ele, estariam envolvidos na conspiração? Que outros detalhes envolviam esse “pacto”, capaz de unificar personagens dos três poderes e até os militares, vistos como um exemplo de disciplina durante todo esse processo.
Depois da experiência dessa primeira semana de interinidade e, muito mais claramente a partir da matéria de hoje, os principais atores do processo de golpe contra Dilma têm duas alternativas: rever a sua postura, preferencialmente fazendo um mea culpa ou desmoralizar-se completamente. Isso inclui a própria Folha de São Paulo, para quem cabe dar o crédito pela coragem de publicar a história da gravação.
Não há dúvida, a divulgação da conversa tem potencial para anular todo o processo de “impeachment”. Isso se o STF se munisse de brios e resolvesse mostrar que não está comprometido com o golpe.
Não anulado, o processo de afastamento de Dilma perderá substância. Até aqui, a realidade vem confirmando o que está na conversa. Seguiria um “script” assustador, diante do testemunho do País, de outros governos e da unanimidade da mídia internacional, que tem visto com suspeita o que sucede no Brasil.
Ao menos durante essa segunda-feira, a maior parte da mídia preferiu insistir no respaldo ao mandato (provisório) de Temer, avaliando como suficiente o afastamento de Jucá. Escutei o advogado Wálter Maierovitch, comentarista da CBN, chegar ao ponto de considerar que, embora vendo a conversa como eticamente reprovável, não apresentasse qualquer ilegalidade. Como se obstruir a Justiça fosse uma prática legítima. Delcídio que o diga, depois de cassado e, antes, curtir alguns dias de “cana”. Para não falar na tentativa de se enquadrar a própria Dilma por ter nomeado Lula para a Casa Civil, embora ele nem sequer fosse acusado.
Além dos questionamentos já levantados (participação de ministros do Supremo e comandantes militares na conspiração), vou listar outras perguntas para incomodá-lo nas próximas horas.
- Jucá vai continuar dando as cartas no Ministério do Planejamento, onde ficará um “interino da interinidade”, ele se constituindo numa espécie de “ministro clandestino”?
- De volta ao exercício do mandato, como será tratado Romero Jucá pelos senadores da base parlamentar da temeridade?
- Jucá escapará de qualquer ação disciplinar no Senado?
- Como se comportará o STF, puxado para dentro do golpe por Jucá, lembrando que os ministros ficarão especialmente melindrados quando Lula comentou em uma conversa telefônica que o Poder, assim como o Senado, estaria “acovardado”? A versão de Jucá vai léguas adiante de uma simples covardia.
- Ele continuará na Presidência do PMDB e liderando, assim, toda a estrutura partidária?
- Se essas gravações estavam com a PGR desde março, semanas antes de o “impeachment” entrar em uma fase decisiva na Câmara, porque Janot as preservou, permitindo que se depusesse uma presidenta constitucionalmente eleita, mesmo sabendo que isso se dava com o fim de livrar dezenas de políticos de investigações? Isso não coloca Janot como suspeito de estimular a conspiração?
- Como se deu agora esse vazamento e o que se pretende com isso? Impedir que as investigações sejam paralisadas? Detonar a interinidade e forçar a convocação de eleições gerais?
- Serão investigados todos os citados por Jucá, inclusive a turma do PMDB, que “caiu a ficha”?
- O que o colunista Merval Pereira (O Globo) quis dizer quando alegou que “Temer não tem condições de demitir Jucá”? Seria algo parecido com o fato de não ter condições para evitar a invasão de indicados de Cunha em postos nevrálgicos de sua equipe, mesmo não quando ele está afastado do mandato? Algo semelhante à designação de um pastor para a área de Indústria que já chega avisando nada conhecer disso? Ou ao que levanta o deputado Paulo Pimenta, na designação de um deputado sem qualquer experiência em questões de legislação ou relações trabalhistas, um obscuro pastor que, tornando-se ministro, viabiliza que um irmão do ministro Augusto Nardes (aquele que ofereceu o parecer sobre as “pedaladas”) assuma o mandato de deputado em seu lugar?
- Alguém vai se lembrar de investigar como foi mesmo o processo que levou Aécio à Presidência da Câmara? Machado sugere que teria ocorrido o mesmo fenômeno de Cunha, ou seja, houve investimento na eleição de deputados comprometidos com a sua então futura candidatura. Lembre-se que passar pela Presidência da Câmara foi fundamental para que ele criasse as condições para vencer a eleição ao Governo de Minas Gerais, em 2002.
Certo é que o golpe sofreu um terrível revés. O Divino parece ter dado aquela piscada de olho e decidido ajudar. Com o povo na rua. não dá sequer pra apostar que se sustente. Até porque, pelo alto poder combustível das revelações, ninguém se espante ao ver juntos os gritos de manifestantes que defenderam o mandato de Dilma e dos que o questionavam supondo lutavam assim pelo fim da corrupção.
Fernando Tolentino

5º ENCONTRO NACIONAL DE BLOGUEIROS E ATIVISTAS DIGITAIS



CARTA DE BELO HORIZONTE
Nós, blogueir@s e ativist@s digitais, reunidos em Belo Horizonte, de 20 a 22 de maio de 2016, manifestamos nosso repúdio ao governo ilegítimo que se instalou no Brasil no último dia 12.
Sem crime de responsabilidade definido, conduzido pelo corrupto Eduardo Cunha e sob a chancela de um STF acovardado, esse impeachment é manifestação clara de nova modalidade de golpe já executada em Honduras e no Paraguai.
Não por acaso, a velha mídia cumpriu papel central na escalada que levou Temer e tucanos ao poder - sem passar pelas urnas.
A Globo, a Veja e seus sócios menores no oligopólio midiático deram cobertura a ações ilegais do juiz Sergio Moro que foram fundamentais para a condução do golpe. A Globo e seus sócios menores ajudaram a arregimentar multidões que, em nome do combate à corrupção, saíram às ruas para pedir a derrubada de um governo eleito por 54 milhões de votos.
Chama atenção que os principais jornais do mundo - mesmo aqueles de linha conservadora - tenham noticiado o óbvio: o que se passa no Brasil é um golpe. Chama atenção também que os jornais, rádios e TVs do Brasil se desesperem quando mostramos o óbvio na internet: o governo Temer é ilegítimo e fruto de um golpe.
Desde nosso primeiro encontro de blogueir@s, em 2010, temos reforçado a necessidade de enfrentar o oligopólio midiático que - sob comando da família Marinho - ameaça a Democracia brasileira.
Foi o movimento de blogueir@s e ativist@s digitais que consolidou a ideia de que a velha mídia no Brasil cumpre o papel de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Os governos Lula e Dilma, infelizmente, subestimaram a ameaça dessa máquina midiática a serviço do conservadorismo.
Nós, ativist@s digitais e blogueir@s, reafirmamos que estamos diante de um golpe parlamentar, com forte apoio jurídico-midiático, e que tem como objetivos: tirar direitos trabalhistas, reduzir os programas sociais, esmagar os movimentos sociais e sindicatos, atacar a liberdade da internet e a comunicação pública, além de destruir e entregar as principais empresas estatais brasileiras e especialmente os recursos do Pré-Sal, recolocando o Brasil na órbita dos Estados Unidos.
É um golpe conduzido por corruptos que nem disfarçam seu viés conservador, ao formar um ministério interino em que não há nenhuma mulher, nenhum negro, nenhum representante do povo trabalhador.
Diante dessa ameaça à Democracia, aos direitos sociais e que põe em xeque até mesmo a idéia de um Estado Nacional autônomo, consideramos que são ações prioritárias no próximo período:
a) combater nas ruas e nas redes o governo ilegítimo; não reconhecemos Michel Temer como presidente do Brasil; ele é um traidor e um golpista a serviço das elites, nada mais e nada menos que isso;
b) apoiar as ações que permitam o retorno ao cargo de Dilma Rousseff, a única presidenta legítima do Brasil;
c) manifestar nosso repúdio à intervenção ilegal dos golpistas na EBC (Empresa Brasil de Comunicação), exigindo o cumprimento integral das regras que levaram à criação dessa instituição que (apesar de suas limitações) é símbolo de construção democrática na comunicação;
d) denunciar o ataque à Cultura e aos direitos sociais, apoiando as ocupações das sedes do IPHAN e da FUNARTE e participando da resistência contra o governo golpista;
e) denunciar o caráter machista e preconceituoso de um governo ilegítimo que expulsa as mulheres do centro do poder, tratando-as como “segundo escalão” da sociedade;
f) apoiar todas as ações nas redes que permitam furar o bloqueio midiático, dando ampla cobertura às manifestações contra o governo golpista;
g) denunciar a onda de perseguições aos blogueir@s e ativistas digit@is; deixamos claro que um dos objetivos do governo ilegítimo é priorizar a comunicação chapa-branca, favorecendo a Globo na distribuição das verbas públicas e usando dinheiro do contribuinte para salvar organizações moribundas como a editora Abril e o ex-Estadão;
h) fortalecer o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), participando e ajudando a dar visibilidade às lutas desenvolvidas pelo Fórum; apoiar e participar, nos estados, dos comitês locais do FNDC, integrando assim a blogosfera e o ativismo digital às ações concretas de luta por mais diversidade e pluralidade na mídia;
i) denunciar ao mundo, através de textos traduzidos em vários idiomas, o caráter corrupto do governo Temer, que tem ao menos 7 ministros investigados pela Justiça e nomeou vários aliados de Cunha para postos chaves;
j) mostrar que mulheres, jovens negros, trabalhadores que lutam pela Reforma Agrária e povos indígenas são as vítimas mais imediatas da escalada autoritária;
k) lutar contra o desmanche dos programas sociais - indicando que o governo ilegítimo significa ameaça frontal ao Bolsa-Família, ao Minha Casa Minha Vida e a programas públicos de Educação e Saúde, tendo como centro a ideia de privatizar universidades e reduzir o papel do SUS;
l) resistir ao desmonte da Previdência Social, à terceirização e às mudanças nas leis trabalhistas já anunciadas pelo governo golpista;
m) denunciar as intenções autoritárias do novo Ministro da Justiça, um homem que transformou a PM de São Paulo em polícia política;
n) denunciar a presença, no STF e no TSE, de juízes que atuam como militantes partidários, apontando a ação nefasta de Gilmar Mendes;
o) lutar pela universalização do acesso à internet, e combater i) o desmonte da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), ii) os ataques ao Marco Civil da Internet, iii) os projetos aprovados na CPI dos Crimes Cibernéticos, iiii) e a imposição de limites à franquia dados;
p) denunciar ao mundo que as famílias que controlam jornais, TVs, rádios e portais no Brasil são beneficiárias de contas suspeitas em paraísos fiscais, conforme apontado nas investigações do “Swissleaks” e do “PanamaPapers”; são parte do sistema corrupto de poder que tenta se perpetuar sob a presidência de Temer;
q) somar esforços com movimentos de ativistas digitais na América Latina, para denunciar que o golpe no Brasil é parte de uma estratégia de recolonização de nosso continente; a maior prova disso é a nomeação de José Serra, conspirador parceiro da Chevron, para chefiar o Itamaraty; é preciso deixar claro que o golpe faz parte, também, de uma estratégia para desestabilizar os BRICS, que movimentam 46% da economia mundial;
r) lutar contra as tentativas de entregar o Pré-Sal às multinacionais do petróleo e denunciar as negociatas privatistas de Temer, Serra e Moreira Franco;
s) apoiar os esforços da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo, com vistas a mobilizar os trabalhadores na nova fase de enfrentamentos que se abre.
Não daremos trégua à Globo, a Temer, aos traidores que se dizem sindicalistas, nem aos tucanos e empresários da FIESP - que agiram como patos a serviço do golpismo.
Resistiremos nas ruas e nas redes!
Viva a Democracia!
Ditadura nunca mais!