Estou terminando os preparativos
de minha viagem a Porto Alegre.
Não poderia deixar de
estar na mobilização diante do TRF 4 no momento do julgamento do recurso de
Lula.
Fui a São Paulo em
fevereiro de 2016 para acompanhar, diante do Fórum da Barra Funda, o depoimento
dele e de Dona Marisa, que decisão do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu,
tais as irregularidades que haviam sido cometidas.
Fui também, em 3 de
maio do ano passado, acompanhar o depoimento de Lula que o juiz Moro adiou em
uma semana, tentando se desvencilhar da grande manifestação que brasileiros de
todo o País fizeram em Curitiba.
Um caso de idolatria?
Muito
longe disso. Trago para explicar a minha dedicação a essa causa o breve texto
da amiga (ainda somente virtual) Carla
Christina Lemos (hoje, no Facebook). Publicou, perplexa, declaração de Reinaldo
Azevedo (“O antipetismo e o antilulismo se tornaram uma
profissão de vigaristas”) e,
diante de meu comentário, buscou explicar a atitude do jornalista, que
assumidamente não tem a menor simpatia pelo PT ou por Lula: “Ele sentiu na pele
o que é uma injustiça. Reconheceu que a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
É uma
luta por Justiça, por democracia, pelo Estado de Direito. Sem isso, como crer
que deixaremos um Brasil em que nossos filhos, nossos netos, nossos amigos e
irmãos de luta poderão confiar na Justiça?
A nova
amiga (também virtual) Vera Lopes traz ao conhecimento importante notícia que
integrou a sua dissertação de mestrado sobre Canudos:
“Antônio Conselheiro não foi
assassinado. Ele morreu de causa natural durante a última expedição militar. Ao
fim da batalha, os militares obrigaram os poucos sobreviventes a revelarem o
lugar onde Conselheiro estava sepultado. Desenterraram seu cadáver, retiraram
sua cabeça e a levaram para o IML, para que o médico Nina Rodrigues, defensor da
tese lombrosiana de que as pessoas rebeldes aos
sistemas opressores seriam portadoras de anomalias genéticas (loucas de
nascença) e isso poderia ser provado pela análise anatômica dos seus cérebros,
confirmasse e tal tese e justificasse assim o crime (fraticidio) da República.
Um fato, entretanto, é ignorado pela história: Conselheiro foi vítima da
perseguição implacável de um juiz, Arlindo Batista Leoni, um intrigueiro
caluniador que, de tanto insistir, acabou conseguindo desencadear a guerra e
provocou a morte de cerca de 25 mil nordestinos. A história sempre se entrelaça
nos seus fatos sociais, se repete, reproduz seus autores, cria novos...”
Afinal,
essa é a principal lição de Curitiba. O juiz pode tudo. Se quiser, não precisará
de provas para lhe jogar na cadeia. E pelo tempo que desejar.
Negar
esse equívoco, lamentavelmente evidente, é uma obrigação do Tribunal Regional
Federal da 4ª. Região. Mas, por incrível que pareça, é indispensável estarmos
diante dele, os dedos em riste, para que se curve a esse imperativo democrático.
Como ouvi ontem em debate com três grandes juristas brasileiros (Marcelo Neves,
Beatriz Vargas e Eugênio Aragão), na pior das hipóteses: in dubio pro reo.
Isso até
permite concluir que o julgamento do dia 24 não será de Lula (ou pelo menos
somente de Lula), mas de Sérgio Moro, pois estará nas mãos dos três desembargadores
a tarefa inalienável de concluir que o ex-presidente foi condenado pela
exclusiva vontade do juiz paranaense, movido sabe-se lá (ou no mínimo
desconfiamos) por que interesses.
LULA
MERECE
Isso não quer dizer que
minha presença em Porto Alegre não esteja ligada à figura ímpar de Lula. Não só
por sua inocência, que até podia ser presumida há uma semana (e já seria motivo
para a solidariedade da Nação), mas hoje é comprovada, depois que a juíza
Luciana Oliveira, de Brasília, decidiu penhorar em favor de um credor o tal tríplex
de Guarujá, propriedade inequívoca da empreiteira OAS.
Não falta quem acompanhe
o novo julgamento de Lula – e não são poucos – com um desejo figadal de que seja
mantida a sua condenação...
E sem que haja como
negar: essa ansiedade não tem qualquer proximidade com o conceito de Justiça. Trata-se
da condenação de Lula. E seja lá a que pretexto for.
Trata-se de dar
consequência ao seu próprio ódio, nutrido pela ação de Lula enquanto
presidente, em que principalmente suscitou uma desorganização no tradicional
conceito de classes que, no Brasil, passados quase 130 anos, sobrevive à
abolição da escravatura.
A ponto de que
empresários prefiram não ter mais faturamento crescente por conta do
alargamento do mercado consumidor e se contentem até com o risco do fechamento –
ou pelo menos enfraquecimento – do seu negócio. Desde que os seus empregados e
os da classe deles percam o direito a consumir produtos e serviços semelhantes
aos usados por seus familiares, possam disputar com os seus filhos vagas em
universidades, concursos ou até na lotação de aviões. Desde que o “Minha Casa,
Minha Vida” não mais esvazie as altas especulativas dos aluguéis. Desde que
esses trabalhadores, animados por salários mais compensadores e mais vagas de
emprego (ou até as garantias mínimas do seguro desemprego e da “Bolsa Família”)
percam a capacidade de se impor nas suas relações trabalhistas. Notadamente nas
injustificáveis exigências feitas às empregadas domésticas.
Mas a verdade é que,
justamente por tudo isso, milhões de brasileiros desejam ardentemente a absolvição
de Lula.
E o querem pelo exato
motivo que os outros temem. Por saberem que, nas condições presentes, só com
sua eleição terão o Brasil de volta. O Brasil com que sonharam e que chegaram ainda
que levemente a experimentar.
Tenho que reconhecer,
entretanto, que a figura de Lula, em si, seria capaz de me mobilizar nessa
luta.
Qualquer brasileiro que
houvesse dedicado a sua vida à política teria ficado satisfeito com a
oportunidade de ocupar a Presidência da República. Ainda mais por duas vezes.
Nem precisaria ser um brasileiro com o passado de Lula, nascido na roça, criado
sem pai em casa, dividindo o trabalho com a mãe e oito irmãos, com instrução
primária, o título de torneiro mecânico como único instrumento para lhe
garantir um lugar no mercado de empregos de São Paulo.
Lula não foi só um
presidente que teve a chance de repetir um mandato. Saiu dele com popularidade
acima de 80%. Tornou-se respeitado pelas maiores lideranças políticas do mundo
e fez o Brasil mais respeitado por elas e mais queridos por seus povos. Foi
reverenciado por boa parte do mundo acadêmico mundial, amealhando mais títulos
de doutores honoris causa que
qualquer outro brasileiro.
É até difícil entender
como esse homem, sobrevivente de um câncer, abre mão de sua aposentadoria para
retornar à disputa política, aceitando uma candidatura à Presidência da
República, que nada pode lhe dar além de tudo o que conquistou.
Junte a isso o fato de
que o risco de voltar a presidir o Brasil levou a que venha a ser lembrado pela
História não só por seus feitos, mas pelo que foi obrigado a sofrer nos anos
mais recentes. O fato de que a sua vida tornou-se uma sucessão de defesas em um
emaranhado de processos judiciais de justificação no mínimo duvidosa. De ter o
seu nome anunciado várias vezes por dia como desonesto em todos os principais
noticiários de TV e rádio, assim como nas capaz de jornais e revistas. De que a
paz de toda a sua família tenha sido conturbada, sendo seus filhos objeto de
minuciosas investigações, seus netos colocados diante do risco de tratamento
desrespeito nas suas escolas e, mais que tudo, perder a mulher que acompanhou e
sua vida e suas lutas, delas participando, mas que sucumbiu diante de tanto sofrimento.
Como não amar um homem
que, diante de tudo isso, aos 72 anos, olha em outra direção e se percebe como
a esperança do seu povo, fazendo questão de colocar-se de novo a seu serviço?
É com esse espírito e
essa responsabilidade que estou de partida para Porto Alegre.
Entendo que talvez você
não possa ir. Se eu não pudesse estar lá, estaria mobilizado em alguma
manifestação, alguma vigília, junto a alguma multidão, mandando esse recado aos
juízes de lá. E ao mundo.
Fernando Tolentino