sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

POR QUE LULA INCOMODA TANTO?





Estou terminando os preparativos de minha viagem a Porto Alegre.
Não poderia deixar de estar na mobilização diante do TRF 4 no momento do julgamento do recurso de Lula.
Fui a São Paulo em fevereiro de 2016 para acompanhar, diante do Fórum da Barra Funda, o depoimento dele e de Dona Marisa, que decisão do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu, tais as irregularidades que haviam sido cometidas.
Fui também, em 3 de maio do ano passado, acompanhar o depoimento de Lula que o juiz Moro adiou em uma semana, tentando se desvencilhar da grande manifestação que brasileiros de todo o País fizeram em Curitiba.
Um caso de idolatria?
Muito longe disso. Trago para explicar a minha dedicação a essa causa o breve texto da amiga (ainda somente virtual) Carla Christina Lemos (hoje, no Facebook). Publicou, perplexa, declaração de Reinaldo Azevedo (“O antipetismo e o antilulismo se tornaram uma profissão de vigaristas) e, diante de meu comentário, buscou explicar a atitude do jornalista, que assumidamente não tem a menor simpatia pelo PT ou por Lula: “Ele sentiu na pele o que é uma injustiça. Reconheceu que a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.
É uma luta por Justiça, por democracia, pelo Estado de Direito. Sem isso, como crer que deixaremos um Brasil em que nossos filhos, nossos netos, nossos amigos e irmãos de luta poderão confiar na Justiça?
A nova amiga (também virtual) Vera Lopes traz ao conhecimento importante notícia que integrou a sua dissertação de mestrado sobre Canudos:
Antônio Conselheiro não foi assassinado. Ele morreu de causa natural durante a última expedição militar. Ao fim da batalha, os militares obrigaram os poucos sobreviventes a revelarem o lugar onde Conselheiro estava sepultado. Desenterraram seu cadáver, retiraram sua cabeça e a levaram para o IML, para que o médico Nina Rodrigues, defensor da tese lombrosiana de que as pessoas rebeldes aos sistemas opressores seriam portadoras de anomalias genéticas (loucas de nascença) e isso poderia ser provado pela análise anatômica dos seus cérebros, confirmasse e tal tese e justificasse assim o crime (fraticidio) da República. Um fato, entretanto, é ignorado pela história: Conselheiro foi vítima da perseguição implacável de um juiz, Arlindo Batista Leoni, um intrigueiro caluniador que, de tanto insistir, acabou conseguindo desencadear a guerra e provocou a morte de cerca de 25 mil nordestinos. A história sempre se entrelaça nos seus fatos sociais, se repete, reproduz seus autores, cria novos...
Afinal, essa é a principal lição de Curitiba. O juiz pode tudo. Se quiser, não precisará de provas para lhe jogar na cadeia. E pelo tempo que desejar.
Negar esse equívoco, lamentavelmente evidente, é uma obrigação do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Mas, por incrível que pareça, é indispensável estarmos diante dele, os dedos em riste, para que se curve a esse imperativo democrático. Como ouvi ontem em debate com três grandes juristas brasileiros (Marcelo Neves, Beatriz Vargas e Eugênio Aragão), na pior das hipóteses: in dubio pro reo.
Isso até permite concluir que o julgamento do dia 24 não será de Lula (ou pelo menos somente de Lula), mas de Sérgio Moro, pois estará nas mãos dos três desembargadores a tarefa inalienável de concluir que o ex-presidente foi condenado pela exclusiva vontade do juiz paranaense, movido sabe-se lá (ou no mínimo desconfiamos) por que interesses.
LULA MERECE
Isso não quer dizer que minha presença em Porto Alegre não esteja ligada à figura ímpar de Lula. Não só por sua inocência, que até podia ser presumida há uma semana (e já seria motivo para a solidariedade da Nação), mas hoje é comprovada, depois que a juíza Luciana Oliveira, de Brasília, decidiu penhorar em favor de um credor o tal tríplex de Guarujá, propriedade inequívoca da empreiteira OAS.
Não falta quem acompanhe o novo julgamento de Lula – e não são poucos – com um desejo figadal de que seja mantida a sua condenação...
E sem que haja como negar: essa ansiedade não tem qualquer proximidade com o conceito de Justiça. Trata-se da condenação de Lula. E seja lá a que pretexto for.
Trata-se de dar consequência ao seu próprio ódio, nutrido pela ação de Lula enquanto presidente, em que principalmente suscitou uma desorganização no tradicional conceito de classes que, no Brasil, passados quase 130 anos, sobrevive à abolição da escravatura.
A ponto de que empresários prefiram não ter mais faturamento crescente por conta do alargamento do mercado consumidor e se contentem até com o risco do fechamento – ou pelo menos enfraquecimento – do seu negócio. Desde que os seus empregados e os da classe deles percam o direito a consumir produtos e serviços semelhantes aos usados por seus familiares, possam disputar com os seus filhos vagas em universidades, concursos ou até na lotação de aviões. Desde que o “Minha Casa, Minha Vida” não mais esvazie as altas especulativas dos aluguéis. Desde que esses trabalhadores, animados por salários mais compensadores e mais vagas de emprego (ou até as garantias mínimas do seguro desemprego e da “Bolsa Família”) percam a capacidade de se impor nas suas relações trabalhistas. Notadamente nas injustificáveis exigências feitas às empregadas domésticas.
Mas a verdade é que, justamente por tudo isso, milhões de brasileiros desejam ardentemente a absolvição de Lula.
E o querem pelo exato motivo que os outros temem. Por saberem que, nas condições presentes, só com sua eleição terão o Brasil de volta. O Brasil com que sonharam e que chegaram ainda que levemente a experimentar.
Tenho que reconhecer, entretanto, que a figura de Lula, em si, seria capaz de me mobilizar nessa luta.
Qualquer brasileiro que houvesse dedicado a sua vida à política teria ficado satisfeito com a oportunidade de ocupar a Presidência da República. Ainda mais por duas vezes. Nem precisaria ser um brasileiro com o passado de Lula, nascido na roça, criado sem pai em casa, dividindo o trabalho com a mãe e oito irmãos, com instrução primária, o título de torneiro mecânico como único instrumento para lhe garantir um lugar no mercado de empregos de São Paulo.
Lula não foi só um presidente que teve a chance de repetir um mandato. Saiu dele com popularidade acima de 80%. Tornou-se respeitado pelas maiores lideranças políticas do mundo e fez o Brasil mais respeitado por elas e mais queridos por seus povos. Foi reverenciado por boa parte do mundo acadêmico mundial, amealhando mais títulos de doutores honoris causa que qualquer outro brasileiro.
É até difícil entender como esse homem, sobrevivente de um câncer, abre mão de sua aposentadoria para retornar à disputa política, aceitando uma candidatura à Presidência da República, que nada pode lhe dar além de tudo o que conquistou.
Junte a isso o fato de que o risco de voltar a presidir o Brasil levou a que venha a ser lembrado pela História não só por seus feitos, mas pelo que foi obrigado a sofrer nos anos mais recentes. O fato de que a sua vida tornou-se uma sucessão de defesas em um emaranhado de processos judiciais de justificação no mínimo duvidosa. De ter o seu nome anunciado várias vezes por dia como desonesto em todos os principais noticiários de TV e rádio, assim como nas capaz de jornais e revistas. De que a paz de toda a sua família tenha sido conturbada, sendo seus filhos objeto de minuciosas investigações, seus netos colocados diante do risco de tratamento desrespeito nas suas escolas e, mais que tudo, perder a mulher que acompanhou e sua vida e suas lutas, delas participando, mas que sucumbiu diante de tanto sofrimento.
Como não amar um homem que, diante de tudo isso, aos 72 anos, olha em outra direção e se percebe como a esperança do seu povo, fazendo questão de colocar-se de novo a seu serviço?
É com esse espírito e essa responsabilidade que estou de partida para Porto Alegre.
Entendo que talvez você não possa ir. Se eu não pudesse estar lá, estaria mobilizado em alguma manifestação, alguma vigília, junto a alguma multidão, mandando esse recado aos juízes de lá. E ao mundo.
Fernando Tolentino

domingo, 14 de janeiro de 2018

PSOL DÁ UM SALTO DE GIGANTE



A melhor notícia dos últimos dias na política veio do PSOL. Embora anunciando que terão a sua própria candidatura à Presidência da República, defendem o direito de Lula a que também concorra ao cargo pelo PT (conexão para nota no rodapé).
A decisão põe o PSOL na mesma linha de combate do PCdoB e do PDT, que não conseguiu ainda atrair para ela o seu provável candidato a presidente Ciro Gomes.
Isso tem um significado muito especial. O PSOL faz também a leitura correta da realidade e rompe o que parecia uma vocação para uma política de gueto, vislumbrando na injustiça contra Lula a possibilidade de levar alguma vantagem eleitoral.
É perfeitamente compreensível que o PSOL lance o seu próprio nome na disputa para presidente da República. Vive a circunstância que levou o PCdoB a fazê-lo, empurrado pelas alterações recentes na legislação eleitoral. Mas há que se entender a lógica do PSOL de ter a campanha eleitoral como o momento mais oportuno para levar à opinião pública, em sua candidatura, as propostas que o fazem se propor como partido político. A nota da direção do PSOL deixa claro o que ela pensa disso: “Uma candidatura radical, popular e que aponte a necessidade de uma alternativa independente dos trabalhadores e trabalhadoras, sem-teto, sem-terra, da juventude e dos estudantes, das mulheres, negros e negras, da população LGBT e todos os oprimidos, sem se furtar ao debate sobre as diferenças de projeto que existem no campo das esquerdas.”
Enfim, acredita que há, nisso, um diferencial com relação ao Partido dos Trabalhadores e outros partidos de esquerda e quer se aproveitar da campanha para tentar provar isso. É um direito insofismável do Partido. E nisso reside parte da justificativa para que se lance na defesa de que Lula esteja na disputa. Se o PT não tiver um candidato forte, qual o contraditório para a sua proposta? Como tentar provar que é diferente?
Há mais do que isso. O PSOL evidencia a percepção de que a tentativa de retirar-se Lula da disputa não é um fato isolado.
Se é possível condenar alguém sem que haja provas, pode-se condenar qualquer um. Basta ser alguém que incomode, que ponha em risco o projeto de classe que está no poder. Com os números apresentados pelos principais institutos de pesquisa, Lula representa hoje a principal evidência desse risco. Vem daí a “necessidade” de eliminá-lo.
Faltando somente alguns meses para que a campanha eleitoral chegue efetivamente às ruas, os setores que chegaram ao poder com o afastamento arbitrário e injustificável de Dilma Rousseff não conseguem apresentar um só nome que desperte qualquer interesse na opinião pública. A ponto de parte desse segmento considerar a possiblidade de assumir uma candidatura de alto risco, de extrema direita e que, para efeito eleitoral, vomita um discurso de rejeição à política como um todo.  Enfim, uma reedição do Fernando Collor de 1989, que foi condenado por seus próprios padrinhos ao longo do mandato que lhe concederam.
Não tendo quem lançar na disputa, os beneficiários do golpe parlamentar-jurídico-midiático de 2015 tratam de fazer derreter o nome da extrema direita, que chegou a alcançar certa notoriedade, e eliminar o nome de Lula. Alcançaria o sonho de ir às urnas sem uma concorrência real, fazendo um arremedo de eleição, em que só nomes do seu grupo teriam condições concretas de vencer.
Não há dúvidas para o PSOL. Há uma verdadeira ansiedade para condenar Lula, ainda que não haja como justificar isso. Veja que JUSTIFICAR inclui o radical JUS, de justiça. Tudo indica que se pretende confirmar, no dia 24 de janeiro, uma condenação pela propriedade por Lula de um imóvel, mesmo não havendo um só documento que a comprove. Mais grave, com a existência de documentos que demonstram o contrário: o imóvel integra o patrimônio da OAS e foi, por ela, colocado como garantia em negociação com a Caixa Econômica Federal. Às vésperas do julgamento, mais um obstáculo que seria logicamente intransponível para quem quer a condenação. Órgão do próprio Judiciário (2ª. Vara de Execuções e Títulos no Distrito Federal) reconhece formalmente que o imóvel não é de Lula, mas da OAS, ao incluí-lo entre os imóveis da empresa a serem penhorados.
O PSOL abriu os olhos e percebeu que Lula é apenas o nome da vez. O obstáculo do momento. Surja outro e será submetido ao mesmo tratamento.
Percebe finalmente que, embora seja fundamental, a tentativa de afastar Lula da disputa é só uma parte do problema.
Está em jogo o próprio Estado de Direito, a democracia. E são virtuais vítimas da sua destruição todos os que fazem o jogo democrático da luta pela manutenção dos seus direitos e pela conquista de outros tantos. Entre esses, estão organizações populares, assim como militantes do PT, mas também do PSOL e de outros partidos de esquerda.
Os golpistas já deixaram claro que não estão dispostos a aceitar limites para alterar a ordem constitucional e o direito de a sociedade se impor diante do poder econômico. A luta deles é para impor uma derrota que veem como definitiva para os setores populares e não querem respeitar o que se lhes coloque na frente como obstáculo ou dificuldade.
Fernando Tolentino