quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

DISCURSO DE DESPEDIDA NA IMPRENSA NACIONAL



(Na transmissão do cargo de Diretor-Geral)
SENHORA SECRETÁRIA EXECUTIVA DA CASA CIVIL DRA. EVA CHIAVON,
SENHOR DIRETOR-GERAL DA IMPRENSA NACIONAL DR. JOSÉ VIVALDO DE MENDONÇA FILHO,
Este tempo não me foi concedido para que apresentasse um relatório.
Uma edição do Nosso Jornal, o informativo que circula na Casa, foi preparado pelas diversas áreas com as principais ações destes anos e poderá ajudar o Dr. Vivaldo no início do seu trabalho. Infelizmente, vou deixar justamente para o Senhor a decisão se aquele conteúdo será publicado (já está em circulação), já que a edição não foi concluída no prazo necessário. O Senhor também terá valioso subsídio com o Planejamento Estratégico que acabamos de concluir e está em condições de tornar-se também uma publicação. Além disso, já lhe disse que na exata medida – e não menos – do que o Dr. Vivaldo desejar, estarei à sua disposição para contribuir. Terá a informação minuciosa do que foi feito, do que se deixou de fazer e, na medida de nossa avaliação, do porquê.
As contas que me disponho a prestar hoje são outras.
Ao convidá-lo para este evento, ouvi do Dr. Swedenberg Barbosa, o Berge, avaliando minha permanência no cargo por 12 anos e 10 meses, que ele e o Ministro José Dirceu não haviam feito uma má escolha. Ouvi o mesmo do ex-deputado Sigmaringa Seixas, que julgo ter participado daquela conspiração. Eu trazia formações em Comunicação Social e em Administração Pública. Especializei-me e lecionei em ambas. Era, então, consultor legislativo, concursado, da Câmara Legislativa, cargo em que me aposentei. Entre outras muitas experiências, dirigira o Instituto de Urbanismo e Administração Municipal na nossa Bahia. Em Brasília, fui diretor administrativo e financeiro da Novacap, o primeiro diretor legislativo da Câmara Legislativa e chefe de sua Assessoria Legislativa.
Mas, se fosse o currículo a razão da escolha, seria talvez mais fácil licitar uma empresa para dirigir a Instituição, numa espécie de contrato de gestão. Vim por ter condições de fazer política. O que se impunha era liderança, o que se requeria naquele momento era a capacidade de fazer a Imprensa Nacional andar, avançar, reassumir a sua credibilidade. E, para isso, era indispensável que a revolta dos seus servidores se transformasse em vontade de construir.
Não seria fácil. Precisava pacificar o grupo, justamente exaltado por ver seus direitos negados, mesmo quando reconhecidos judicialmente. Várias centenas de servidores haviam sido redistribuídos arbitrariamente no processo de desmonte e a enxurrada levou inclusive pessoal talentoso e preparado. Durante um bom tempo fui obrigado a conviver com uma equipe herdada da administração anterior, gente estigmatizada pelos servidores por tê-los afrontado. A maior parte do efetivo da Casa que integrava a direção preferiu sair para outros órgãos. Teria que identificar gente preparada que havia sido alijada de cargos de direção e garimpar quem pudesse se revelar como gestor ou assessor.
Mas havia a vontade de recuperar um Órgão que saíra de uma verdadeira demolição. E que estava preparado para ter as portas fechadas. Por isso, não havia verba para plano de saúde ou manutenção da Creche. Por isso, havia um gabinete do Diretor-Geral no anexo do Palácio do Planalto, onde já fora acomodado o que sobraria da Imprensa Nacional: o grupo responsável pela edição e disponibilização eletrônica e uma base de tecnologia da informação. Por isso, inexistiam contratos de manutenção do prédio ou de equipamentos. Por isso, o projeto de lei que determinava a publicação de balanços das grandes empresas limitadas já não incluía o Diário Oficial da União. Por isso, muito mais...
Se a eleição de 2002 mantivesse o neoliberalismo, seria extinta a Instituição que surgiu para superar três séculos de silêncio, quando o restante da América já possuía gráficas e produzia jornais.
O resultado daquela eleição fez renascer das ruínas a Imprensa Nacional. Sem sua sede, sem a gráfica, sem a sua biblioteca, sem quase metade dos seus servidores, foi preciso rejuntar as pedras.
Agradeço por essa obra aos servidores que resolveram se ombrear e retomar a caminhada. Nada aqui foi feito que não representasse uma construção coletiva. Foi das cabeças desses servidores que surgiram inúmeras soluções criativas. Foram suas mãos que superaram a vergonhosa situação de 2002, em que mais da metade das edições do Diário Oficial circulou com considerável atraso. Um número impressionante após o meio dia.
Não foram poucos os que lutaram e não lutaram pouco. Até porque o Brasil, considerado isoladamente, vivia então uma crise econômica de proporções pelo menos semelhantes à de hoje. Quebrara três vezes recentemente e tivera que recorrer ao FMI, de ingrata memória.
Naquela luta, tivemos a compreensão e a solidariedade de muitos trabalhadores de contratos terceirizados. Ao chegarmos, mais de uma centena estava há três meses sem salário, tíquete e vale-transporte. Sabem que jamais deixaram de ter a solidariedade da Administração e aprenderam a acreditar.
Fui buscar no Rio de Janeiro o que podia nos dar um milhar e meio de aposentados e pensionistas, que lutavam judicialmente, como os servidores ativos, para receberem o que lhes fora subtraído por mera portaria. Eles nos deram energia! Seus olhos brilhavam de esperança ao ver que, no novo governo, eram procurados e ouvidos.
Os passivos com liminar concedida foram pagos. Cerca de um ano depois, a partir de mesa de negociação, surgiu gratificação específica para a Imprensa Nacional.
Aos poucos, o Órgão foi reconquistando suas atribuições e, logo, a credibilidade.
Ao comemorarmos nosso bicentenário, já quase se percebia alguma euforia. Estava abolido o risco de extinção. Moeda comemorativa, selo comemorativo, duas sessões solenes de órgãos legislativos, um concerto com Artur Moreira Lima nos jardins do Órgão, várias homenagens no Rio de Janeiro, debates mensais sobre comunicação no nosso Auditório, até participação no desfile de 7 de setembro e na Mocidade Independente de Padre Miguel. Como se não faltasse mais nada, uma bênção enviada pelo próprio Papa. Tudo evidenciava a perenização da Imprensa Nacional.
Fizemos política, Senhora Secretária. A Imprensa Nacional viu o que é uma administração republicana, sem que a partidarização interferisse no trabalho. Aqui não se dirá, por exemplo, que cargos foram distribuídos para atender conveniências partidárias. Aqui, não se usava as estruturas públicas para benefícios pessoais. Não há notícia de se evitar ouvir fornecedores, prestadores de serviço ou empresários interessados em relacionar-se com a Imprensa Nacional. Mas nenhum foi recebido no meu gabinete sem que houvesse outros servidores como ouvintes. Houve quem falasse em perseguição. O discurso desmentiu-se a si mesmo.
Jamais se negou diálogo com a representação dos servidores, fosse a Associação ou o Sindicato. Enquanto houve coincidência de objetivos institucionais, a marcha foi conjunta.
Infelizmente, a Imprensa Nacional nem sempre foi ouvida para superar as suas maiores carências: a sua reestruturação administrativa e a reposição da força de trabalho.
Paradoxalmente, quando isso mais avançou, desde a segunda metade do primeiro governo da presidenta Dilma Rousseff, os servidores não conseguiram perceber esse progresso. Nossa Administração criou três grupos de trabalho, todos com a participação de um representante dos servidores, e a Secretaria Executiva colocou à disposição para contribuir no trabalho um Assessor Especial, o Dr. Adriano Weber. O grupo que propunha que o Diário Oficial da União circulando em meio exclusivamente eletrônico deu o primeiro salto. Tivemos, em 2014, em pleno recrudescimento da crise fiscal, o segundo maior investimento nesses quase treze anos: R$ 7,4 milhões. Pode-se dizer que já dá pra virar a chave.
As negociações com o Ministério do Planejamento levaram a que todas as condições técnicas estejam criadas para que se aprove a realização do concurso público. Não existe obstáculo em nível técnico para avançar a reestruturação administrativa. É apenas uma questão de conveniência orçamentária em uma fase de dificuldades econômicas conhecidas de todos.
Costumo dizer aos que conversam comigo sobre isso que há grande diferença entre um casal que está no altar esperando o sacramento e o dia em que estavam apenas se paquerando. Se o casamento ainda não foi consumado, não dá pra dizer que nada foi feito. Mesmo se um dos nubentes surpreender e disser um estrondoso NÃO, terá se frustrado um projeto de vida, mas muita coisa terá ocorrido.
Onde se apostava menos fichas, nas propostas do Plano de Negócios para a Área Gráfica, transpusemos o umbral da Presidência da República, em que todos os órgãos já têm histórico de atendimento, e se faz uma pequena fila de outros órgãos.
Por tudo isso, Dr. Vivaldo, saio da Imprensa Nacional deixando um legado de trabalho com compromisso, vontade, determinação, entusiasmo que chegaram a empolgar muita gente. A equipe que me acompanhou até aqui é um exemplo disso. Há nesse grupo pessoas que, além de lealdade inquestionável, têm competência testada em suas áreas e um absoluto comprometimento com o seu trabalho e a Imprensa Nacional. Sou eternamente grato a cada um deles.
Pois tenho certeza, Dr. Vivaldo, que esse legado está em ótimas mãos com a sua chegada.
Quando estamos fechando esse período, Senhora Secretária, posso dizer sem medo de errar: cada trabalhador da Imprensa Nacional tem consciência de que a Administração foi republicana, mas o modo de administrar, inclusive por isso, foi petista. Posso garantir que fui militante enquanto gestor público por demonstrar que, em um cargo de direção, o militante petista respeita a todos, dialoga com todos, prestigia as suas representações e não admite transgressão de direitos de trabalhadores. Por evidenciar que, à frente de um computador, diante de uma impressora, no volante de um veículo, em uma escrivaninha, no cabo de uma vassoura, em uma sala de reuniões ou carregando uma bandeja, existe um trabalhador.
(Bandeira, símbolo da perenidade, e placa oferecida pelos trabalhadores terceirizados)
Este trabalhador tem direitos e eles precisam ser respeitados. Tem voz e precisa ser ouvido.
Além disso, esse colega de trabalho tem humanidade e é preciso ser olhado com ternura, ouvir um bom dia, cumprimentado com os olhos nos olhos, um abraço e um aperto de mão.
Por isso, deixo também um legado pessoal. Agradeço muito por, há quase treze anos, me ter sido dada essa oportunidade. A de conquistar uma multidão de amigos. Tenho dito a eles que circulou na última quinta-feira uma portaria em que o Ministro Jaques Wagner determinou: “Fica exonerado o Senhor e fica nomeado o você”.
Quero concluir dizendo duas coisas.
A primeira, eu deixo Clarice Lispector dizer por mim:
 " O caminho que eu escolhi é o do amor. Não importam as dores, as angústias, nem as decepções que vou ter que encarar. Escolhi ser verdadeira. No meu caminho, o abraço é apertado, o aperto de mão é sincero. Por isso, não estranhe a minha maneira de sorrir e de desejar tanto bem. É assim que eu enxergo a vida e é assim que eu acredito que vale a pena viver."
E a segunda? As ruas precisam de mim para impedir o retrocesso. Todos estão convidados a me acompanhar. Até porque, em um governo sob a liderança do PT, a Imprensa Nacional não morrerá. Por isso, quero deixar um símbolo nas mãos dos responsáveis por essa perenidade.
Muito obrigado.
Fernando Tolentino