Vou lançar um desafio. Pergunte
a qualquer pessoa para que serve a Justiça.
Nem imagino as
respostas que obterá. Mas duvido que alguma a dignifique, demonstre
credibilidade, propicie acatamento.
Já tinha a justiça brasileira
no pior conceito até uns três ou quatro anos atrás, especialmente em face de
minha experiência pessoal, sempre invariavelmente frustrante.
Hoje, está praticamente
disseminada a concepção de que manter o sistema judicial é, no mínimo, jogar
dinheiro fora. Muito dinheiro!
E não se diga que a
opinião pública (desculpem o trocadilho) está sendo injusta.
Creio que a juízes
sérios, honestos, interessados em harmonizar conflitos e fazê-lo tendo como
primado a lei. Não pensem que é ironia, piada, deboche. Acredito nisso mesmo. E
tenho pena deles, por supor que têm clareza de como são prejudicados pela
generalização da percepção da sociedade.
É mais ou menos como o
ambiente da política, em que se torna cada vez mais difícil crer na presença de
gente voltada para o interesse público.
E vamos reconhecer que,
em um caso e outro, a culpa é deles, os políticos e os juízes. Se os que
desqualificam os dois grupos não são a esmagadora maioria, ao menos é possível
dizer que é absolutamente massacrante a repercussão da atividade de uns e de
outros.
Pare e pense nos
exemplos de decisões que não favorecem o acatamento ao sistema judicial.
Vou ajudar e citar
alguns casos pelo menos amplamente questionados, sem a preocupação de respeitar
a cronologia dos fatos.
- Repetindo um gesto
que tivera nada menos de 17 antecedentes, Diego Ferreira de Novais (27 anos) foi
preso, em flagrante, após se masturbar e ejacular em
uma passageira dentro de um ônibus. O juiz José Eugenio do
Amaral Souza Neto, do Foro Central Criminal da Barra Funda, decidiu
simplesmente libertar o rapaz. Talvez nem fosse necessário dizer que, passados
dois dias, ele foi novamente flagrado e preso em idêntica atitude.
- Dias antes, a desembargadora Tânia Garcia Freitas Borges mostrou que, na sua
compreensão, o seu cargo lhe dá a prerrogativa de proteger os filhos. Como já
fizera com um deles, pressionou a autoridade judicial até que conseguir tirar da
cadeia o filho Breno Fernando Solon Borges (37 anos), preso com maconha,
munições de fuzil e uma pistola 9 milímetros, armamento de uso restrito das
Forças Armadas. Justificou-se que o rapaz sofre da “Síndrome
de Borderline” e precisaria ficar sob cuidados psiquiátricos.
- Após as manifestações
de 2013, só uma pessoa foi mantida na cadeia. O morador de rua Rafael Braga foi preso portando um vidro de Pinho Sol. Com a alegação
de que teria consigo 0,6g de maconha, 9,3g de cocaína e um rojão, o que ele nega,
foi condenado a 11 anos e três meses de prisão, além do pagamento de R$ 1.687, pelo
juiz Ricardo Coronha Pinheiro. Rafael contraiu
tuberculose na prisão, tendo o regime alterado em razão disso há poucos dias para
prisão domiciliar.
- Uma decisão liminar da juíza
Gabriela Jardon Guimarães de Faria, da 6a. Vara de Justiça Civil do Distrito
Federal, proibiu o Diário do Centro do Mundo de utilizar a palavra “helicoca”,
pela qual ficou conhecido o helicóptero da família do senador Zezé Perrella,
apreendido com 445 quilos de pasta base de cocaína.
- A Décima Quarta Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguindo o entendimento do desembargador
Cleber Ghelfenstein, condenou o jornalista Luís Nassif por dano moral por ter
maculado a imagem do ex-deputado Eduardo Cunha.
- A atriz Monica
Iozzi foi condenada pelo juiz
Giordano Resende Costa, da 4ª Vara Cível de Brasília,
a indenizar o ministro Gilmar Mendes, que reclamou de uma foto dele
publicada no Instagram dela com o questionamento “cúmplice?”. Monica Iozzi
referia-se à concessão, por Mendes, de Habeas Corpus para Roger Abdelmassih, que
fora condenado a 278 anos de prisão por ter cometido estupros contra 37
mulheres.
- Já que falei no
ministro Gilmar Mendes, ele é frequentemente citado por rumorosas concessões de
Habeas Corpus não apenas para Abdelmassih, mas também em favor de Daniel Dantas (dois em 48 horas), depois que o empresário
foi preso pela Polícia Federal por presumivelmente haver se apropriado de US$1 bilhão de 12 fundos de pensão
estatais na aquisição da Brasil Telecom para o Citibank; para o também
empresário Érik Batista, defendido por escritório em que trabalhava a esposa do
ministro; Cristina Maris Meinick Ribeiro, que fora condenada pela Justiça
Federal do Rio de Janeiro por dar “sumiço” em processos da Receita Federal
contra a Globopar, controladora das Organizações Globo; e o também empresário Jacob
Barata Filho, sendo que coincidentemente o ministro foi padrinho de casamento
de sua filha.
- Em passado recente,
milhões de usuários do sistema Whatsapp em todo o Brasil tiveram o serviço
suspenso por decisões liminares de diversos juízes, sempre em virtude de
processos de interesse restrito a suas comarcas. Foi o caso do juiz Luis Moura
Correia, de Teresina (PI); do juiz Marcel Montalvão, de Lagarto (SE); da juíza Sandra
Marques, de São Bernardo (SP); e da juíza Daniela Barbosa de Souza, de Duque de
Caxias (RJ).
- Um dos casos mais
contestados se deu neste mês, quando o juiz federal da
14ª Vara do Distrito Federal, Doutor Waldemar Cláudio de Carvalho,
concedeu liminar para que psicólogos possam aplicar tratamento terapêutico de
reversão ou reorientação sexual, popularmente conhecido como “cura gay”.
- Processos
que atingem pessoas ligadas ao mundo político parecem ter tratamento
extremamente diferenciado, como são os casos do rigor aplicado no caso de José
Dirceu, que acaba de ter sua pena ampliada para 30 anos pelo TRF 4 quando
apreciada em grau de recurso, mesmo que inexista provas que o incriminem;
enquanto isso, com todos os dados disponíveis, o deputado Paulo Maluf é
condenado a 9 anos, em processo que teve 8 anos na fase de instrução, o que
pode levar a que ele sequer venha a cumprir o regime fechado.
- José
Dirceu (assim como Delúbio Soares e os então deputados José Genoíno e João
Paulo, entre outros) já teve tratamento distinto no julgamento da AP 470,
apelidada pela grande mídia como “mensalão”, que tramitou com grande agilidade
e exposição pública; embora os fatos tenham se dado há mais de 20 anos,
portanto muito antes daquele processo, o chamado “mensalão do PSDB” não levou ninguém
à prisão, mesmo o presidente do partido, ex-governador Eduardo Azeredo, tendo sido
condenado a 20 anos de reclusão.
- Causa também
alarde a decisão relativa ao senador Aécio
Neves, que escapa da prisão, mas é afastado do mandato mais uma vez, deverá
permanecer em casa à noite, tem que entregar o passaporte e fica impedido de se
comunicar com os demais indiciados no processo, inclusive a irmã.
- Por último, já é
impossível esconder o tratamento questionável do juiz Sérgio Moro com relação
ao ex-presidente Lula. Inegavelmente, a atitude é de quem julga Lula e não
presumíveis crimes que ele poderia ter cometido e, mais que isso, há um notório
ânimo de enfrentamento, que leva à indisposição até com relação ao encarregado
da defesa, que afinal de contas é apenas o profissionalmente cumpre esse papel.
Em muitos desses casos
(ou todos eles), a avaliação disseminada na população é de que juízes julgam
com o poder que têm, podendo não raro ultrapassar os limites da lei.
E enraizando-se a
convicção de que há pessoas sistematicamente beneficiadas por decisões de
juízes e outras que terão quase infalivelmente prejudicados os seus direitos: os
pobres e os pretos.
Abro exceções em que
percebo confiabilidade no seio da opinião pública. Nos processos da Justiça do
Trabalho e, em boa parte das vezes, quando se trata do respeito à mulher no
Direito da Família.
Sugiro que reflitam
sobre e cheguem às suas conclusões.
Fernando
Tolentino