sábado, 22 de agosto de 2015

“PORQUÊ NÃO MATARAM TODOS EM 1964”



Pasquale Cipro Neto
Sou limitado, limitadíssimo. Não consigo entender determinadas coisas, nem com reza braba. Quer ver uma coisa que não entendo? Por que é proibido fazer a apologia do nazismo, mas é permitido fazer a apologia da ditadura militar, do extermínio por razões ideológicas etc.? Ah, já sei: Médici foi bem mais bonzinho do que Hitler. Que burro eu!
Bem, eu poderia me alongar nesse assunto, mas o meu texto não teria nem um pingo do brilhantismo do artigo publicado pelo grande Mário Magalhães em seu blog ("O silêncio cúmplice aceita a barbárie").
Mário esgotou o assunto. Sobrou-me a questão linguística, que, no caso, diz respeito à penúria gramatical da frase que se lê num cartaz que uma nobre senhora brandia no domingo para expor a sua também nobre visão de mundo: "Porquê não mataram todos em 1964". Sim, assim mesmo.
Posto isso, vou tentar ajudar essas etéreas almas a redigir cartazes que, ainda que indignos da nossa semelhança a Deus, sejam linguisticamente "limpos", ao menos no que diz respeito a "por que", "por quê", "porque" e "porquê".
Comecemos pela forma (mal) empregada por essa candidata ao Nobel da Paz, que, salvo engano, queria ter escrito uma frase interrogativa direta. Nesse tipo de construção, não se emprega "porquê"; emprega-se "por que", sem acento, a menos que haja uma interrupção depois do "que": "Por que Deus põe no mundo gente de alma tão ignóbil?"; "Você não vai? Por quê?".
Também se emprega "por que" em perguntas indiretas, como se vê em "Não sei por que essa gente é tão limitada" ou "Ninguém sabe por quê". Note, por favor, que no segundo exemplo o "que" foi acentuado.
No caso da sentença perpetrada pela discípula direta da Madre Teresa de Calcutá, a forma adequada seria "por que". E como deveria terminar o sublime pensamento? Com ponto de interrogação? Ou sem ele?
Depende. Quando se escreve, por exemplo, "Por que essa gente diz barbaridades?", pergunta-se por que essa gente diz barbaridades; quando se escreve "Por que essa gente diz barbaridades", anuncia-se que se vai explicar a razão pela qual essa gente diz barbaridades.
O que (suponho) a nobre senhora queria dizer se escreve assim no português formal: "Por que não mataram todos em 1964?" (que Deus me abra as portas do céu por eu reproduzir pensamento tão celestial!).
Anote uma dica simples: independentemente da presença ou da ausência do ponto de interrogação, ou seja, independentemente de a pergunta ser direta ou indireta, escreve-se "por que"/"por quê" e pode-se substituir esse "por que"/"por quê" por "por qual razão", "por qual motivo" ou, em certos casos, por "a razão/o motivo pela/o qual": "Por que (= 'Por qual razão') essa gente é tão ignóbil?"; "Não sei por que
(= 'por qual razão') essa gente é tão ignóbil"; "Por que ('A razão pela qual') não fui a Washington".
Para quem sabe inglês, uma boa dica é ver se entra "why" ou "because". Se entra "why", entra "por que"; se entra "because", entra "porque".
"Porque" é uma conjunção causal ou explicativa, a qual, como já se pode deduzir, introduz a explicação, a causa do que se afirma ou sugere: "Não durma, porque ainda temos muito a fazer"; "Diz barbaridades porque a sua alma é pequena".
E "porquê", a forma empregada pela nossa filha de Maria? É substantivo, sinônimo de "motivo", "causa": "Não entendo o porquê disso".
Como dizia o grande Fernando Pessoa, "tudo vale a pena, se a alma não é pequena". E eu digo: "Senhor, tende piedade de nós". É isso.
Publicado originalmente em LUIS NASSIF ONLINE, em 21.08.2015

domingo, 16 de agosto de 2015

VOCÊ É GOLPISTA?




Explicando melhor. Você acha que eleição só é válida quando ganha o seu candidato?
Era assim na ditadura. A única diferença é que o conceito não valia para o seu candidato, mas para o deles. Logo depois do golpe, o governo militar cassou os mandatos de senadores, deputados, vereadores, governadores e prefeitos. Com isso, garantiu a maioria em todos os níveis. Mas havia eleições marcadas. Solução: suspendeu as eleições para presidente. Para governadores, os vencedores de Minas Gerais e Rio de Janeiro não eram os preferidos pelo regime. Foram extintos os partidos e desapareceram também as eleições para governadores. Como o MDB venceu, em 1974, as disputas para o Senado em 16 dos 22 estados, o governo fechou o Congresso em 1977 e instituiu a escolha pela Assembleia Legislativa de cada estado de um dos seus três senadores, o que ficou conhecido como senador biônico. Assim, só no Rio de Janeiro um deles seria do MDB. Não era o suficiente. O governo mudou os números das bancadas de deputados dos estados: os de menor população (onde a Arena era mais forte) tiveram a representação aumentada de seis para oito; os de maior população tiveram a representação limitada.  Eram os chamados “casuísmos”, com o que a ditadura legislava para dar a impressão de existir uma democracia por haver eleições, mas interferia nas regras, desequilibrando o processo em favor de seu partido sempre que precisava adulterar a vontade do eleitor. Se, mesmo assim, algo corria em desacordo com a sua vontade, impunham cassações de mandatos parlamentares.
Mas o MDB voltava a se apresentar como um risco para a hegemonia da Arena nas eleições que ocorreriam em 1982. O então presidente João Figueiredo, então, impôs nova reestruturação partidária.
O núcleo central da Arena criou o PDS. O MDB tentou manter-se unido, como PMDB. Mas o segmento mais conciliador com o regime juntou-se a parte dos arenistas e daí saiu o PP (Partido Popular). O grupo era liderado por Tancredo Neves, político de longa trajetória, escolhido para primeiro ministro quando um golpe militar impedira a posse do então vice-presidente João Goulart no lugar de Jânio Quadros, que renunciara à Presidência, sendo instituído o parlamentarismo em 1961. Na reestruturação partidária de 1966, Tancredo passou a integrar o MDB, sendo a principal referência da sua ala mais moderada.
Leonel Brizola, recém-anistiado, voltou ao País e tentou recriar o PTB, extinto pela ditadura em 1966. Uma manobra do governo com a Justiça Eleitoral entregou a sigla à deputada Ivete Vargas, que agregou um grupo minoritário egresso da Arena. Brizola batizou o seu partido de PDT, atraindo trabalhistas históricos, inclusive políticos do antigo MDB. Sindicalistas, intelectuais, estudantes e religiosos criaram o PT, que admitiu o ingresso de militantes de vários partidos clandestinos, como PCBR, PCR e grupos trotsquistas.
Ou seja, o quadro partidário pulou de Arena e MDB para PDS, PMDB, PP, PTB, PDT e PT. Três grandes: PDS, PMDB e PP. E os de menores representações e enraizamento nacional: PTB, PDT e PT.
Foi assim que transcorreu a política nacional de 1964 a 1985. Como tais práticas tinham amplo apoio da mídia e ainda havia a censura para os poucos casos de “indisciplina”, especialmente dos pequenos jornais de resistência, os brasileiros politicamente mais ingênuos ou ligados a famílias poderosas talvez tenham crescido vendo isso como normal.
FILHOS DOS CASUÍSMOS
Entre eles, Aécio Neves da Cunha. De um lado, Aécio era filho do deputado Aécio Cunha – que herdou a carreira política de seu pai, Tristão da Cunha – e integrou a Arena e o PDS até o seu oitavo mandato legislativo, encerrado em 1988. Era também neto de Tancredo Neves, que propiciou seus primeiros passos na carreira política.
Era fevereiro de 1982. O PMDB (acreditem os de leitura e vida política recente) ganhava então credibilidade como um dos instrumentos de combate à ditadura, o que permitiu que se mantivesse até hoje no imaginário de muita gente como um partido de índole democrática. Nós, que militávamos no PCdoB (ainda na ilegalidade) estávamos, por isso, agasalhados no PMDB. Nós e os militantes do PCB e do MR8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).
Com receio de uma derrota fragorosa para o PDS, herdeiro direto da Arena e que reunia o núcleo mais disciplinado de defesa da ditadura, o governo Figueiredo deflagrou mais um casuísmo. Proibiu as coligações partidárias e impôs a vinculação de votos nas eleições de 1982. Os votos para todos os níveis, de governador e senador a vereador (as eleições seriam coincidentes), teriam de ser dados a candidatos de um mesmo partido.
A reação do PMDB e do PP (partido moderado de oposição criado por Tancredo Neves) foi se fundirem. Assegurariam, na prática, coligações que começavam a articular em vários estados, dando-se um caráter plebiscitário à eleição. Quase uma disputa entre quem apoiasse ou rejeitasse a ditadura.
O casuísmo deu resultado, pois o PDS conseguiu manter a maior parte dos governadores e, como o voto era vinculado, o controle do Senado e da Câmara. O PDS elegeu 49,06% dos deputados federais, um número equivalente à soma dos demais partidos: PMDB (41,75%), PDT (4,8%), PTB (2,72%) e PT (1,67%). Mas a fusão também funcionou, deixando o PMDB com números relativamente próximos do PDS e evitando que se inviabilizassem as eleições estaduais dos dois partidos que se fundiram, PMDB e PP. Elegeu 9 governadores, entre eles São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Pará. O Rio de Janeiro elegeu Brizola, dando a única vitória estadual ao PDT.
O ruim da fusão foi para as forças progressistas que ficaram no PMDB.  Com a saída dos liderados de Tancredo, a hegemonia havia pendido significativamente para o antigo “Grupo Autêntico”, de oposição mais clara ao regime. O presidente nacional era Ulysses Guimarães, nitidamente centrista, mas a primeira Executiva Nacional eleita tinha maioria de “autênticos”, destacando-se nomes como Miguel Arraes, Alencar Furtado, Pedro Simon e Chico Pinto. Além de Teotônio Vilela, egresso da Arena, mas que passara a ter admirável militância democrática a partir da campanha pela anistia. Para que se tenha uma ideia, somente dois dos 13 membros viriam a constituir o PSDB, quando de sua posterior criação, durante a Constituinte.
Com a fusão, duplicou o número de egressos da antiga Arena no Diretório Nacional, passando de 11,6% para 23,2%. Alguns aspectos eram simbólicos para a esquerda do PMDB que então recebia o PP. Tancredo trazia na sua companhia dois senadores biônicos: Afonso Camargo (PR) e Gastão Muller (MT).
O protesto contra isso marcou a Convenção da fusão, em 14 de fevereiro de 1982.
Significativamente, era eu quem ocupava a tribuna quando Tancredo Neves ingressou no plenário, puxando a fila dos políticos egressos do PP. Estimulado pelos companheiros da esquerda, não interrompi a fala, apesar dos aplausos e gritos, forçando a situação para que a insatisfação fosse ouvida por Tancredo e seus seguidores. Só interrompi o pronunciamento quando ele já subia para a mesa e o ruído era ensurdecedor. Eu me manifestava com a autoridade e a empolgação de quem inclusive havia sido preso na véspera, protestando contra o Pacote de Novembro na Rodoviária de Brasília. Para Ulysses Guimarães, o presidente do PMDB, político de compromisso democrático, mas índole autoritária e formalista, eu era apenas isso: um militante de base, de uma unidade da Federação que nem presença oficial tinha na Convenção, já que não havia eleições no Distrito Federal. Não tinha direito a um protesto como aquele, decerto visto como deselegante e inoportuno. Assim que Tancredo sentou ao seu lado, convocou: “Próximo orador”. Mas foi interrompido pelo próprio Tancredo, advertindo-lhe de que havia um orador na tribuna. Autorizado, prossegui com o mesmo ímpeto, denunciando o retrocesso que representava a fusão.
“MAS EU QUERO, JÁ DISSE!”
O comportamento após a derrota de 2014, deixa claro para mim que Aécio herdou pouco dessa capacidade de conviver com o contraditório que tinha o seu avô Tancredo. O seu real aprendizado foi o da política que fazia o regime militar, merecendo o apoio parlamentar irrestrito e aplausos entusiásticos de seu pai, Aécio Cunha. Esse inconformismo diante da derrota eleitoral, porventura advindo de um ambiente doméstico de vida privilegiada, em que nada lhe era negado, copia a prática da ditadura, em que não importam as regras, pois podem ser deliberadamente subvertidas para assegurar o resultado desejado.
Péssimo imitador de Lula, Aécio sequer percebe que não basta cultivar uma barba para conquistar os corações de seus liderados e o respeito dos adversários. Lula tornou-se o estadista acatado até internacionalmente como uma das maiores lideranças mundiais deste início de século justamente por demonstrar, entre tantas outras qualidades, a de respeitar os resultados ao ser sucessivamente derrotado em 1989, 1994 e 1998.
Essa reação birrenta, a incapacidade de suportar um insucesso eleitoral, não pode ser exclusivamente tributada a Aécio, é claro.
Tudo foi preparado para que o jovem travesso dormisse com a cabeça recostada sobre a sensação de vitória quando se fechassem as urnas de 2014. A capa mentirosa da edição da Veja, com circulação antecipada para a quinta-feira, sua transformação em panfleto, distribuído na véspera e no dia do pleito e repercutido no Jornal Nacional, o boato de que o principal delator da Lava-Jato fora assassinado na prisão sendo espalhado em intervalos regulares pela Rede CBN, tudo dava a certeza de que conseguiria suplantar a estreita margem de votos apontada em favor de Dilma pelas pesquisas de opinião dos últimos dias de campanha. Tanto que, não bastasse os festejos precipitados no comitê do candidato, o portal UOL manteve a notícia equivocada de que ele vencera, mesmo quando oficialmente já se tinha notícia do inverso.
Conhecido o resultado, o líder do PSDB anunciou que não reconheceria a derrota e formalizou tentativa de mudá-lo no tapetão, ao mesmo tempo em que Aécio prometia não dar descanso à adversária durante todo o seu mandato. Alguém podia imaginar que falava de presença na tribuna do Senado, nos meios de comunicação, discutindo as políticas de governo, questionando-as, anunciando alternativas vantajosas. Ledo engano de quem não conhece o menino ranheta, inconformado com resposta negativa na infância e na adolescência. De quem não percebe que está no seu habitat de moços bem-nascidos, o PSDB, igualmente desacostumados com insucessos no ambiente doméstico e nos espaços reservados por suas cuidadosas e afortunadas famílias. De quem não identifica as suas companhias, os mesmos segmentos que se nutriram no regime autoritário, usando os militares como instrumentadores de seus projetos de poder. Não há uma só gaveta ou escaninho em Brasília onde não se encontre um papelucho questionando o resultado eleitoral, o mandato de Dilma ou a continuidade dele. A armação é tão escancarada que não há argumento central para se tentar demolir a vontade dos eleitores. Fala-se em alternativas. Se não for assim, será assado. Como naquela fábula do lobo e da ovelha, em que esta acabaria sacrificada por sujar a água que bebe após o lobo se servir.
Por isso, a ranhetice não se circunscreveu a convescotes ridículos, convocados por aprendizes de agitadores golpistas e roqueiros decadentes, à disseminação de blasfêmias, impropérios, grosserias e ameaças irresponsáveis pelas redes sociais.
QUAL É MESMO O ALVO DESSE ÓDIO
Há um amplo segmento da sociedade que extravasa o seu ódio, identificando-o com se fosse realmente contra o Partido dos Trabalhadores. Muitos talvez nem percebam claramente que não é ao PT que odeiam, mas aos trabalhadores. Esperavam, com toda a força de suas convicções e esperanças, que 2015 se iniciasse com a desmontagem do estado de bem-estar social criado a partir do primeiro mandato de Lula.
É ocioso repetir números. Mas cada morador de milhares de municípios brasileiros – em áreas urbanas, periféricas ou rurais – sabe o que significa chegar ao posto de saúde e ali encontrar uma equipe de saúde e um médico para lhe atender, seja cubano ou brasileiro, como na etapa atual do programa. Quem viaja pelo país sabe o que representa a novidade da disponibilidade de energia elétrica e, nas regiões mais agrestes do Nordeste, de reservatórios de água. Quem vive nas cidades pequenas e médias entende a importância de não precisar manter um filho na capital ou em uma grande cidade, quando tinha condições para isso, única alternativa para lhe assegurar estudos superiores ou mesmo médios. Não é possível deixar de reconhecer o fato de as crianças irem para as escolas em ônibus colocados à disposição das prefeituras, ao invés de terem que percorrer léguas a pé ou simplesmente abster-se de estudar. Cada comerciante ou político de pequena ou média cidade sabe o que representa para a economia local a desconcentração do sistema educacional e o próprio programa de Bolsa Família. Quem não nota, especialmente no interior do Nordeste, a substituição dos jegues, bois e cavalos pelas motocicletas ou automóveis, de compra viabilizada pela facilitação do crédito? Alguém é capaz de desconhecer a mudança de perspectiva entre os jovens que antes tinham praticamente vedado o acesso à universidade e passaram a acalentar o sonho de ascensão por conta do Proune e do FIES? Alguém esqueceu que até o atendimento de emergência se alterou radicalmente a partir do surgimento do SAMU? Para não se falar em programas como o Minha Casa, Minha Vida. Ou na ampliação substancial da oferta de empregos. Ou lembrar que praticamente inexistia concurso público federal até o ano 2003. Ainda me lembro de discussões que já não fazem sentido, como a de que a política de valorização do salário mínimo iria desencadear uma onda de desemprego incontrolável.
Só um idiota absoluto negaria a existência de uma crise econômica. Mas somente um atoleimado radical pode identificá-la como brasileira ou colocar a culpa no governo Dilma. Estive nos dois últimos anos em Portugal, na Espanha e na França. Sei o que é não ter funcionários em um shopping a quem se possa recorrer para informações, encontrar lojas de comida rápida (“fast food”) com um só atendente, escassez de empregos em praticamente todos os setores, subemprego no apoio dos hotéis, com utilização quase exclusivamente de filipinos e indonésios. Vi passeatas de policiais e de servidores da saúde em Madri em que se protestava contra o corte nos salários e vi, na TV, dezenas de famílias sendo arrancadas de imóveis públicos por não estarem pagando o aluguel.
É claro que não estamos satisfeitos com a atual situação da economia e mesmo com as medidas de ajuste. Duvido que Dilma esteja. Quero crer que as impõe para reencontrar o caminho do crescimento e da redistribuição de renda.
Vivo em um bairro de classe média (C), o Cruzeiro Novo (em Brasília) e me detenho na avaliação de alguns sinais. Estão à vista de todos. Os prédios têm cerca de 40 anos e é claro que envelheceram. Quando comprei e reformei o meu apartamento, observei que cada cômodo tinha somente uma tomada! Pois um em cada três blocos passaram por reformas nos últimos anos e o ritmo de modernização dos edifícios continua. Têm 3 ou 4 andares e iniciou-se uma campanha para que tenham elevadores os que ainda não se adaptaram. Continua escasseando o número de vagas de estacionamento e praticamente não se vê carros básicos ou com mais de quatro anos de uso.
Se alguém acredita que chegamos a um estágio de pauperização, dê uma olhada no lixo que é recolhido diariamente em seu condomínio ou em sua rua. Não vejo o volume diminuir.
Fiquei animado ao saber que a zeladora do meu bloco acaba de voar de férias para o seu estado, o Piauí, contando-me, emocionada, que ia assistir a formatura de sua irmã adotiva, que acaba de graduar-se como enfermeira. Esta amiga já comprou o seu próprio apartamento e, apesar de entender que o deve manter desocupado para quando precisar se mudar para lá ou os parentes vierem a Brasília, conseguiu comprar as suas passagens aéreas sem maiores dificuldades. Ela merece esse padrão de vida.
“E nós?” Um amigo, aposentado, frequenta um elegante clube de Brasília, onde pratica tênis alguns dias por semana. Ao defender os programas de redistribuição de renda dos governos de Lula e Dilma, ouviu essa alarmante pergunta de um de seus parceiros de lazer. Contou-me esse amigo que quase não conseguiu acreditar no que ouvia. O seu companheiro de tênis, também aposentado, de um órgão do Legislativo, imagina que ele deva ser o alvo dos programas de destinação de renda do governo federal...
Lembro dessa mesma gente criticando o Brasil porque as empregadas domésticas dos Estados Unidos tinham os seus próprios automóveis e porque a maior parte dos turistas europeus que desembarcavam no Rio não era de executivos, mas trabalhadores aposentados. Hoje, revoltam-se ao ver que o Brasil, ao se tornar a quinta economia mundial, caminha nessa direção.
Aqui, não! “Não vale a pena mais viajar e encontrar o porteiro do bloco em Nova Iorque”, esbraveja uma colunista social. Outros acham que já não dá pra disputar vagas com farofeiros de São Paulo nas praias do Nordeste. Ou que é insuportável sentar-se ao lado de trabalhadores nos voos ou encontrar gente de chinelo nos aeroportos. Há quem ache terrível ouvir de uma doméstica que não pode ficar até mais tarde por causa da faculdade. Deve haver quem pergunte: “E quem vai fazer a iniciação sexual de nossos filhos?”
A essa altura, damas da sociedade e mulheres com bundas e seios expostos desfilam de braços dados com pastores evangélicos e talvez alguns militares que ululavam há poucos anos contra a permissividade nos espetáculos culturais, mas não conseguiram se realizar na chegada da democracia. A eles se somam multidões de ingênuos que imaginavam Dilma esgrimindo uma varinha de condão e tantos outros que apenas se divertem nessa micareta.
Falam de corrupção e se irmanam com Eduardo Cunha, Beto Richa, José Agripino, Cássio Cunha Lima, o pastor Malafaia, Ronaldo Caiado, o outro Ronaldo (aquele que alugou o apartamento para a FIFA durante a Copa), a turma da Caixa de Pandora, a da Lista de Furnas, a do Trensalão, a própria família Neves, um monte de sonegadores e outras tantas vestais.
Sinceramente, podem espernear o quanto quiserem, mas não lutei os últimos 50 anos para que os governos pensassem exclusivamente nos que têm o mesmo padrão de vida que eu.
Fernando Tolentino

sábado, 1 de agosto de 2015

ALGUÉM AÍ É A FAVOR DA CORRUPÇÃO?



Eu imagino que todos queiram o melhor para o Brasil, que todos sejam contra a corrupção (menos quem suborna fiscais da receita ou esconde dinheiro na Suíça), todos queiram menos violência (menos quem vende armas e sistemas de segurança), melhor saúde pública (menos os serviços privados de saúde), melhor educação pública (menos os donos de escolas privadas), querem sanear a Petrobras (menos quem quer entregar o pré-sal às petroleiras americanas), enfim, todos desejam o que é melhor para o bem comum. A questão é: como conseguir isso? Não é com adjetivos e pontos de exclamação, nem com falácias, hipocrisia e falsas polêmicas.
O combate à corrupção – samba de uma nota só de uma oposição sem qualquer proposta para o país – deve ser permanente e impiedoso, o ladrão de dinheiro público é o pior dos bandidos, tira dinheiro dos hospitais, da educação e da segurança pública, prisão para eles é pouco, deve ter seus bens confiscados, deve ser impedido a todo custo de voltar a praticar seus crimes. Há muita corrupção em todos os governos, e não me parece que qualquer outro governo que já tivemos combateu mais a corrupção do que este. Quem tem boa memória lembra da compra de votos para a reeleição de FHC, da roubalheira que foi a privataria, do engavetador da república, que impedia qualquer investigação, com a cumplicidade de uma imprensa dócil e governista, com raríssimas exceções.
Imagino que os meus amigos que ignoram ou menosprezam os avanços dos governos populares para a maioria da população (ver lista no final do texto) estejam mal informados, o que não é difícil, já que a cobertura política da grande imprensa brasileira se tornou quase totalmente inútil quando abandonou o jornalismo para fazer oposição (ela, que sempre foi ferozmente governista, apoiou a ditadura, apoiou Sarney, inventou Collor, apoiou incondicionalmente FHC), e muitos jornalistas que sobraram por lá, com honrosas exceções, defendem os interesses e os pontos de vista dos seus patrões.
Sugiro a estes meus amigos que procurem diversificar suas fontes de informação, para não se tornarem cúmplices de um golpe contra a democracia brasileira, mais um, tramado pela elite de sempre com o apoio dos jornais de sempre. Ia ser engraçado (na verdade, trágico para o país) se a Dilma, uma pessoa evidentemente honesta, sobre a qual não há qualquer acusação razoável, fosse empichada por um congresso corrupto, presidido por Renan Calheiros (que era o Ministro da Justiça e, portanto, chefe da Polícia Federal no governo FHC) e Eduardo Cunha (nada pode ser pior), ambos acusados há décadas por dúzias de falcatruas, e por juízes do TCU, também acusados por receber suborno, isto sob o clamor de uma imprensa cujos proprietários escondem dinheiro em contas na Suíça (ver HSBC) e subornam fiscais para não pagar impostos ( ver Zelotes).
É a mesma imprensa que dá manchetes mentirosas, sem qualquer verificação, contra o governo e seus aliados, e cobre de
tarjas pretas o nome de José Serra, citado nas investigações da Lava Jato. (Imagino o que esta imprensa diria de Dilma se ela construísse um aeroporto privado na fazenda de um tio ou financiasse, com dinheiro público, veículos de comunicação de propriedade de seus parentes, como fez Aécio Neves.) Enfim, aos mal informados, que repetem as manchetes que escutam, sugiro que se informem melhor.
Aos que sabem o que se passa mas fingem que não sabem, a oposição, que recebeu as mesmas doações suspeitas dos mesmos empresários presos, sugiro que tentem ganhar uma eleição. Nas últimas quatro eleições, em dois turnos, o PT ganhou todas, está oito a zero, um vareio maior que Alemanha e Brasil. Para ganhar uma eleição a oposição precisa ter alguma proposta para o país, o que parece não ser o caso.
Não sou filiado a nenhum partido, já votei em vários, e tenho muitas críticas ao PT, em quem voto (e provavelmente votarei outra vez) porque as opções a ele são bem piores. (O dr. Dráuzio Varela não é candidato, infelizmente). O PT cometeu toneladas de erros, tem muita corrupção no governo (sempre teve), mas é bizarro, trágico, que aqueles que sempre governaram o país e o transformaram na sociedade mais injusta do planeta, queiram dar um golpe contra um governo recém eleito pela maioria da população, um governo que não engaveta investigações, onde corruptores vão para a cadeia (graças a uma lei promulgada pela Dilma em 2013, que pune também os corruptores), um governo cuja Polícia Federal desbaratou uma quadrilha que sangrava a Petrobrás, segundo o Ministério Público e vários delatores, desde 1997 (ainda no primeiro governo de FHC).
Acho que as pessoas que defendem um golpe contra o governo eleito se dividem em duas: as mal informadas e as mal intencionadas. Espero que os meus amigos, alguns que estão embarcando nesta corrente golpista, estejam entre os mal informados.
Afinal, o PT fracassou em que mesmo?
1. Produto Interno Bruto:
2002 – R$ 1,48 trilhões
2013 – R$ 4,84 trilhões
2. PIB per capita:
2002 – R$ 7,6 mil
2013 – R$ 24,1 mil
3. Dívida líquida do setor público:
2002 – 60% do PIB
2013 – 34% do PIB
4. Lucro do BNDES:
2002 – R$ 550 milhões
2013 – R$ 8,15 bilhões
5. Lucro do Banco do Brasil:
2002 – R$ 2 bilhões
2013 – R$ 15,8 bilhões
6. Lucro da Caixa Econômica Federal:
2002 – R$ 1,1 bilhões
2013 – R$ 6,7 bilhões
7. Produção de veículos:
2002 – 1,8 milhões
2013 – 3,7 milhões
8. Safra Agrícola:
2002 – 97 milhões de toneladas
2013 – 188 milhões de toneladas
9. Investimento Estrangeiro Direto:
2002 – 16,6 bilhões de dólares
2013 – 64 bilhões de dólares
10. Reservas Internacionais:
2002 – 37 bilhões de dólares
2013 – 375,8 bilhões de dólares
11. Índice Bovespa:
2002 – 11.268 pontos
2013 – 51.507 pontos
12. Empregos Gerados:
Governo FHC – 627 mil/ano
Governos Lula e Dilma – 1,79 milhões/ano
13. Taxa de Desemprego:
2002 – 12,2%
2013 – 5,4%
14. Valor de Mercado da Petrobras:
2002 – R$ 15,5 bilhões
2014 – R$ 104,9 bilhões
15. Lucro médio da Petrobras:
Governo FHC – R$ 4,2 bilhões/ano
Governos Lula e Dilma – R$ 25,6 bilhões/ano
16. Falências Requeridas em Média/ano:
Governo FHC – 25.587
Governos Lula e Dilma – 5.795
17. Salário Mínimo:
2002 – R$ 200 (1,42 cestas básicas)
2014 – R$ 724 (2,24 cestas básicas)
18. Dívida Externa em Relação às Reservas:
2002 – 557%
2014 – 81%
19. Posição entre as Economias do Mundo:
2002 – 13ª
2014 – 7ª
20. PROUNI – 1,2 milhões de bolsas
21. Salário Mínimo Convertido em Dólares:
2002 – 86,21
2014 – 305,00
22. Passagens Aéreas Vendidas:
2002 – 33 milhões
2013 – 100 milhões
23. Exportações:
2002 – 60,3 bilhões de dólares
2013 – 242 bilhões de dólares
24. Inflação Anual Média:
Governo FHC – 9,1%
Governos Lula e Dilma – 5,8%
25. PRONATEC – 6 Milhões de pessoas
26. Taxa Selic:
2002 – 18,9%
2015 – 14,25%
27. FIES – 1,3 milhões de pessoas com financiamento universitário
28. Minha Casa Minha Vida – 1,5 milhões de famílias beneficiadas
29. Luz Para Todos – 9,5 milhões de pessoas beneficiadas
30. Capacidade Energética:
2001 – 74.800 MW
2013 – 122.900 MW
31. Criação de 6.427 creches
32. Ciência Sem Fronteiras – 100 mil beneficiados
33. Mais Médicos (Aproximadamente 14 mil novos profissionais): 50 milhões de beneficiados
34. Brasil Sem Miséria – Retirou 22 milhões da extrema pobreza
35. Criação de Universidades Federais:
Governos Lula e Dilma – 18
Governo FHC – zero
36. Criação de Escolas Técnicas:
Governos Lula e Dilma – 214
Governo FHC – 0
De 1500 até 1994 – 140
37. Desigualdade Social:
Governo FHC – Queda de 2,2%
Governo PT – Queda de 11,4%
38. Produtividade:
Governo FHC – Aumento de 0,3%
Governos Lula e Dilma – Aumento de 13,2%
39. Taxa de Pobreza:
2002 – 34%
2012 – 15%
40. Taxa de Extrema Pobreza:
2003 – 15%
2012 – 5,2%
41. Índice de Desenvolvimento Humano:
2000 – 0,669
2005 – 0,699
2012 – 0,730
42. Mortalidade Infantil:
2002 – 25,3 em 1000 nascidos vivos
2012 – 12,9 em 1000 nascidos vivos
43. Gastos Públicos em Saúde:
2002 – R$ 28 bilhões
2013 – R$ 106 bilhões
44. Gastos Públicos em Educação:
2002 – R$ 17 bilhões
2013 – R$ 94 bilhões
45. Estudantes no Ensino Superior:
2003 – 583.800
2012 – 1.087.400
46. Risco Brasil (IPEA):
2002 – 1.446
2013 – 224
47. Operações da Polícia Federal:
Governo FHC – 48
Governo PT – 1.273 (15 mil presos)
48. Varas da Justiça Federal:
2003 – 100
2010 – 513
49. 38 milhões de pessoas ascenderam à Nova Classe Média (Classe C)
50. 42 milhões de pessoas saíram da miséria

FONTES:
42 – OMS, Unicef, Banco Mundial e ONU
37 – índice de GINI: http://www.ipeadata.gov.br
45 – Ministério da Educação
13 – IBGE26 – Banco Mundial



Jorge Furtado, publicado originalmente em 1º de agosto de 2015 no blog