domingo, 28 de outubro de 2012

A ESPETALULARIZAÇÃO E A IDEOLOGIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO



Leonardo Boff
É com muita tristeza que escrevo este artigo no final da tarde desta quarta-feira, após acompanhar as falas dos ministros do Superemo Tribunal Federal. Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal 470 sob julgamento no STF. Se malfeitos foram comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.
Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira das vaidades e o vezo ideológico que perpassa a maioria dos discursos.

Desde A Ideologia Alemã, de Marx/Engels (1846), até o Conhecimento e Interesse, de J. Habermas (1968 e 1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente, podemos dizer que a ideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses.

Pois, assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar política e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até desprezível?

A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.

Em alguns discursos, como os do ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o mensalão seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão de que as lideranças do PT e até ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocuparem com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.

Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se a aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.

A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros. Mas nunca como presidente.

Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa. Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e a sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois, Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.

Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminossísima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então, sim, se fará justiça neste país.


Leonardo Boff é teólogo e escritor. Publicado originalmente na Carta Maior. 04/10/2012

sábado, 27 de outubro de 2012

CHOCADO COM ESSA PARTE MUITO "SABIDA" DO POVO DE SALVADOR


Minha resposta a uma amiga que identificou essa linha de, digamos assim, raciocínio entre amigos soteropolitanos.
Gente que diz ter votado no PT e acha que "a hora é de revezamento", o governo Wagner frustrou a Bahia (falam de insucessos, reais, e apontam distorções localizadas em áreas de governo) e o clone do avô seria um "novo DEM"!!! 


É impressionante!
Felizmente, a minha turma (filhos, primos, namorada, sua família, ex-mulher, amigos) votam em Pelegrino.
Mas são gente que viveu ACM na Bahia.
Alguns não estão fazendo uma opção entre o candidato do PT e o de outro partido ou entre Pelegrino e outro candidato.
Têm críticas (e críticas sérias) à forma de Wagner ter conduzido a relação com as greves de PM e Professores, mesmo tendo claro que as duas categorias foram manobradas por lideranças que, por sinal, saíram como os vereadores mais votados dessa eleição.
Alguns votam no PT mesmo, por acreditar no seu projeto. Mas essa turma, que talvez nem achasse Pelegrino o melhor candidato do PT, está votando mesmo é contra o carlismo.
Com certeza, votariam em Mário Kertèsz caso estivesse contra o neto de ACM no segundo turno. É possível que votassem até em Marinho, o pastor, em Da Luz que fosse. Qualquer coisa!
Mas, com a graça de Deus, não votam no candidato que é a mais óbvia personificação do carlismo. Nem Luís Eduardo, a quem ACM confiava sua herança, representava isso. Até porque tinha estilo próprio, tinha alguma luz, era mais rebelde com o avô. Por isso era mais respeitado.
Nem o próprio ACM quando começou, pois ele, afinal, foi piorando ano a ano. À medida por sinal que se tornava um oligarca e uma das maiores fortunas do Brasil, construída com o que foi arrancado do suor dos baianos.
O grampinho não tem nada disso. É uma tentativa, só, de imitar o que lhe parece o avô. Aquele pior lado do avô.
Qualquer um de nós poderia citar uma ou outra virtude no velho. Mas não conheço uma só pessoa que, conhecendo o neto, identifique nele uma que seja...
Até a história de mensalão, usada contra os adversários (injustamente, pois isso nada tem a ver com o PT baiano e muito menos com Pelegrino), atinge o play boy diretamente. Ninguém menos que a Veja - tão idolatrada pelos anti-petistas - publicou no último final de semana declaração de Arruda em que ele lembra o nome do próprio Grampinho entre os políticos que tiveram campanha bancada por seu esquema milionário, que ficou conhecido como Mensalão do DEM.
Mas sei que está rolando em Salvador esse voto ressentido. Tenho relações pessoais com um rapaz (muito jovem e bem intencionado) que não tem coragem, suponho, de assumir seu voto no Grampinho, mas fez campanha voraz contra Pelegrino no primeiro turno e a repete no segundo. Tudo por sua participação na greve dos professores, mal conduzida por Wagner.
Por isso, tenho feito o apelo de que, se quiserem se vingar de Wagner, o façam contra ele, mas não contra Salvador. Pois não consigo acreditar (embora tenha me surpreendido ao ver um sobrinho seu falar de "novo DEM"!!!) que essa gente queira dirigir sua vingança contra a Salvador, a própria cidade em que vive!
Em tempo: foi a primeira vez que ouvi falar em "novo DEM", que certamente só existe em Salvador. Afinal, tudo que sobrou do DEM foi o mesmo octogenário João Alves de sempre, vitorioso em Aracaju e o maior decréscimo em número de prefeituras eleitas em todo o país, comparando-se todos os partidos. Além deles, João Agripino, também acusado por Arruda, os Maia (escorraçados na eleição do Rio) e... não me lembro de mais ninguém. A maior parte dos próprios integrantes da legenda não acredita mais nela. Tão destroçada, depois que, saída da Arena, fingiu ser um novo partido com o PDS, travestiu-se de PFL e preferiu assumir uma nova grife: Democratas (DEM), copiando o partido americano e tentando embarcar na onda Obama. Não deu. Ao surgir o escândalo do que queria ser o verdadeiro "novo DEM" (que era o de Arruda), e o país ver o fundo das calças de Demóstenes Torres e sua trupe, a maior parte fugiu, para construir um novo rótulo, o PSD, de Kassab. Ele mesmo que, com Serra, está conseguindo perder uma eleição que nem está disputando.
Será que só em Salvador (pois o resto da Bahia também já abriu os olhos) existe esse tal "novo DEM"? E logo com o clone do avô, o Malvadeza, que dizia que a política vale pelo mal que se pode fazer...
Fernando Tolentino

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

QUERIDO LULA


A comemoração de seu aniversário (amanhã) não é uma festa só sua ou de sua família, mas dos brasileiros. Ao menos daqueles que dedicaram a sua vida à construção de uma sociedade igualitária, democrática e socialista.

Sua luta e, depois, os seus dois governos fincaram fortes pilares nessa direção.Resgataram direitos historicamente negados a milhões de brasileiros, fizeram que eles acreditassem no futuro e que valia a pena lutar por ele.

O mais importante é que estabeleceram patamares dos quais é praticamente impossível recuar. Agora, é aprofundar as conquistas. E, felizmente, contamos consigo de novo, na linha de frente, para carregar essa bandeira de todos nós.

Não dá pra renovar o abraço na porta do Palácio da Alvorada, como fazíamos.

Mas dá pra assinalar aqui toda a nossa admiração e torcida por muita saúde, longa vida e muitas novas vitórias pessoais e políticas.

As derrotas que nos têm imposto, como tantas do passado, são ínfimas diante da construção do futuro do nosso povo.

Como as outras, passarão.

Parabenize também Dona Marisa e toda a sua família.

Fernando Tolentino - militante do PT

ESTE É O MEU APELO


Estou longe, mas faço questão de participar‏.


Ainda faço questão de dividir minha vida com Salvador, mas vivo atualmente em Brasília, uma cidade que me deu muito. Aqui, no entanto, não posso votar pra prefeito ou vereador.


A verdade é que tenho todos os motivos para amar a Bahia e (assim também definida) minha Salvador.


Ela me deu sua história, sua cultura, o gosto por sua culinária, minha educação, o pedaço da minha família em que cresci, seu humor e musicalidade. Régua e compasso. Os passos iniciais de minha luta. Meus pais, meu irmão, meus primeiros e eternos amigos, os primeiros amores, o meu amor, meus primeiros filhos e meus netos (vou ganhar mais um), meu Vitória.


Não deixem que destruam a minha cidade. Que a entreguem ao que há de mais atrasado na política brasileira. Contra o que lutamos toda a minha geração e várias outras, na cidade mais libertária do Brasil.


Se o seu ânimo hoje é de decepção, descrença, revolta até, peço que saiba dirigir o seu sentimento. Não se vingue na minha cidade. Salvador, a nossa cidade, não merece ser vítima disso.


Peço a Deus que lhe ilumine e vote no futuro de meus e seus filhos, de meus e seus netos, de meus amigos, de meu povo.


Eu não posso votar, mas posso pedir.


E, se puderem, arranjem também alguém que vote por mim.


Obrigado.

Fernando Tolentino

sábado, 13 de outubro de 2012

A DIREITA QUE RI EXTASIADA



Leandro Fortes


 Tenho acompanhado nas redes sociais, desde cedo, e sem surpresa alguma, o êxtase subliterário de toda essa gente de direita que comemora a condenação de José Dirceu como um grande passo civilizatório da sociedade e do Judiciário brasileiro. Em muitos casos, essa exaltação beira a histeria ideológica, em outros, nada mais é do que uma possibilidade pessoal, física e moral, de se vingar desses tantos anos de ostracismo político imposto pelas sucessivas administrações do PT em nível federal.
Não ganharam nada, não têm nada a comemorar, na verdade, mas se satisfazem com a desgraça do inimigo, tanto e de tal forma que nem percebem que todas essas graças vieram – só podiam vir – do mesmo sistema político que abominam, rejeitam e, por extensão, pretendem extinguir.
José Dirceu, como os demais condenados, foi tragado por uma circunstância criada exclusivamente pelo PT, a partir da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, data de reinauguração do Brasil como nação e república, propriamente dita. Uma das primeiras decisões de Lula foi a de dar caráter republicano à Polícia Federal, depois de anos nos quais a corporação, sobretudo durante o governo Fernando Henrique Cardoso, esteve reduzida ao papel de milícia de governo. Foi esta Polícia Federal, prestigiada e profissionalizada, que investigou o dito mensalão do PT.
Responsável pela denúncia na Procuradoria Geral da República, o ex-procurador-geral Antonio Fernando de Souza jamais teria chegado ao cargo no governo FHC. Foi Lula, do PT, que decidiu respeitar a vontade da maioria dos integrantes do Ministério Público Federal – cada vez mais uma tropa da elite branca e conservadora do País – e nomear o primeiro da lista montada pelos pares, em eleições internas.
Na vez dos tucanos, por oito anos, FHC manteve na PGR o procurador Geraldo Brindeiro, de triste memória, eternizado pela alcunha de “engavetador-geral” por ter se submetido à missão humilhante e subalterna de arquivar toda e qualquer investigação que tocasse nas franjas do Executivo, a seu tempo. Aí incluída a compra de votos no Congresso Nacional, em 1998, para a reeleição de Fernando Henrique. Se hoje o procurador-geral Roberto Gurgel passeia em pesada desenvoltura pela mídia, a esbanjar trejeitos e opiniões temerárias, o faz por causa da mesma circunstância de Antonio Fernando. Gurgel, assim como seu antecessor, foi tutelado por uma política republicana do PT.
Dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal, seis foram indicados por Lula, dois por Dilma Rousseff. A condenação de José Dirceu e demais acusados emanou da maioria destes ministros. Lula poderia, mas não quis, ter feito do STF um aparelho petista de alto nível, imensamente manipulável e pronto para absolver qualquer um ligado à máquina do partido. Podia, como FHC, ter deixado ao País uma triste herança como a da nomeação de Gilmar Mendes. Mas não fez. Indicou, por um misto de retidão e ingenuidade, os algozes de seus companheiros. Joaquim Barbosa, o irascível relator do mensalão, o “menino pobre que mudou o Brasil”, não teria chegado a lugar nenhum, muito menos, alegremente, à capa de um panfleto de subjornalismo de extrema-direita, se não fosse Lula, o único e verdadeiro menino pobre que mudou a realidade brasileira.
O fato é que José Dirceu foi condenado sem provas. Por isso, ao invés de ficar cacarejando ódio e ressentimento nas redes sociais, a direita nacional deveria projetar minimamente para o futuro as consequências dessas jurisprudências de ocasião. Jurisprudências nascidas neste Supremo visivelmente refém da opinião publicada por uma mídia tão velha quanto ultrapassada. Toda essa ladainha sobre a teoria do domínio do fato e de sentenças baseadas em impressões pessoais tende a se voltar, inexoravelmente, contra o Estado de Direito e as garantias individuais de todos os brasileiros. É esperar para ver.
As comemorações pela desgraça de Dirceu podem elevar umas tantas alminhas caricatas ao paraíso provisório da mesquinharia política. Mas vem aí o mensalão mineiro, do PSDB, origem de todo o mal, embora, assim como o mensalão do PT, não tenha sido mensalão algum, mas um esquema bandido de financiamento de campanha e distribuição de sobras.
Eu quero só ver se esse clima de festim diabólico vai ser mantido quando for a vez do inefável Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas Gerais e ex-presidente do PSDB, subir a esse patíbulo de novas jurisprudências montado apenas para agradar a audiência.

Leandro Fortes. Publicado em Carta Capital, em 10 de outubro de 2012

sábado, 6 de outubro de 2012

A RAPARIGA E A FREIRINHA



Fernando Tolentino
O Brasil está sobressaltado. Há poucos dias, milhões de brasileiros, perplexos, ainda se negavam a crer no que viam e ouviam. Mas confissões, indícios e algumas provas encarregaram-se de sepultar, uma a uma, versões e desculpas colocadas nas primeiras horas.
A onda começou quando o deputado Roberto Jefferson foi pilhado, com provas irrespondíveis, como piloto de um processo de sucção de recursos públicos. Incapaz de escapar da condição de réu, o famigerado presidente do PTB, adotou uma tática esperta. “Sou corrupto, mas quem não é?” Espargindo denúncias em várias direções, disse o que seria definitivo para retirá-lo do alvo. Incluiu o PT no esquema de movimentação irregular de recursos e, para coroar de êxito a sua manobra, cunhou um termo que tornaria mais charmosas as manchetes dos jornais: “mensalão”.
- O PT?! Jefferson declarou inicialmente que doações eram feitas a deputados do PL e do PP. Foi enfático em que os parlamentares do PT não se beneficiaram com os recursos. As investigações já indicaram que, nos últimos sete anos, saques, repasses e financiamentos operados pelo “publicitário” Marcus Valério favoreceram políticos de oito partidos: PT, PTB, PP, PL, PMDB, PPS, PSDB e PFL. Até 2002, o grosso da movimentação parece ter servido para o financiamento das campanhas eleitorais tucanas de Minas Grais, em 1998 e 2002. Daí para cá, a maior parte dos recursos foi destinada a políticos do PL, do PTB e do PP. Mas há também saques destinados ao PT. Até hoje, salvo a indecorosa apropriação privada de recursos e mordomias por um punhado de dirigentes (não parlamentares), tudo indica que a participação dos petistas se deu realmente com o pagamento de dívidas de campanhas majoritárias.
Isso não importa! Quando alguém lhe diz que sua jovem vizinha está fazendo a alegria da rapaziada, é possível que isso sequer lhe chame a atenção. Mas você ficará no mínimo atônito ao ouvir que a freirinha acompanhou, com um mero olhar, a passagem de um rapaz bonitão.
A verdade é que financiamento não declarado de campanhas eleitorais não é novidade no Brasil. Apontada por Jefferson na sua tática diversionista, a distorção foi confirmada por vários dos beneficiários do esquema.
Praticamente desconhecidas da opinião pública no restante do País, as empresas de Marcus Valério têm, em Minas Gerais, tradição de operação de recursos ilegais em campanhas eleitorais. É, além disso, sabidamente próxima do PSDB mineiro. Contra a SMP&B, por exemplo, corre, no STF, processo por recebimento irregular de R$ 3 milhões do governo mineiro quando o governador era Eduardo Azeredo, hoje, presidente nacional do PSDB.
Tudo começou com a denúncia, em 1999, do deputado estadual Durval Ângelo (PT). Ele mostrou que Azeredo repassou R$1,5 milhão à Companhia Mineradora de Minas Gerais, que foram parar na SMP&B de Valério. A destinação dos recursos era a campanha publicitária do Enduro Internacional da Independência. O problema é que a Rede Globo de Televisão cobrou apenas R$160 mil pela produção e veiculação dos anúncios. O mesmo se deu na Companhia de Saneamento de Minas Gerais: a agência recebeu outros R$1,5 milhão para uma publicidade também estimada em R$160 mil. Não é grave? Pois, então, fique sabendo que não houve qualquer veiculação publicitária da Comig e da Compasa como patrocinadoras do evento. O Ministério Público acatou a denúncia, assim como o Supremo Tribunal Federal.
O detalhe nada desprezível é que a empresa pertencia a sócios de Clésio Soares de Andrade, então candidato a vice na chapa da reeleição de Azeredo e hoje vice-governador do também tucano Aécio Neves.
Outra informação interessante foi levada à CPMI dos Correios pelo deputado federal Henrique Fontana (PT-RS). Lembram de Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor do Banco do Brasil no governo de Fernando Henrique e coordenador financeiro de várias campanhas tucanas, inclusive a de José Serra? Pois bem, o prédio hoje ocupado pela SMP&B em Belo Horizonte pertence a uma empresa de sua propriedade, a Planefin - Serviços, Assessoria, Planejamento, Administração e Participações S/C Ltda. Quem lhe vendeu o edifício foi a Petrus - fundo de pensão dos funcionários da Petrobras. Custou R$ 11 milhões, em 1999, em pleno governo de Fernando Henrique.
A súbita evidência do esquema Valério, transformado em fenômeno nacional, decorre, portanto, do cruzamento de dois fatos: a sua utilização pela cúpula petista e a denúncia de Roberto Jefferson. Trazido o PT à cena do crime, a mídia fez a festa.
De repente, o mal-afamado deputado Roberto Jefferson, um certo Marcos Valério, figura absolutamente desconhecida há não mais que três meses, e a secretária Fernanda Somaggio são transformados em astros da televisão brasileira e, em certa medida, editores dos grandes jornais do País. Os holofotes são dirigidos para quem quer que tenha uma denúncia contra o Partido dos Trabalhadores, o governo ou o presidente Lula. Anteontem, foi o até então obscuro Rodrigo Maia; ontem, o sempre desacreditado ex-deputado Valdemar Costa Neto; entre um e outro, a esposa dele, o governador de Goiás, a deputada que ele fez secretária, os próprios envolvidos: Janene, Mabel e ponha etcétera nisso.
Lançada uma denúncia, ninguém as põe em dúvida. Ao contrário, os verbos jornalísticos são mais que significativos. Para as acusações: “revela”, “aponta”, “demonstra”, “explica”... Para os petistas: “insiste”, “tenta negar”, “esquiva-se”...
De um lado, minimiza-se a participação de políticos de outros partidos no esquema Valério ou outros episódios de corrupção. Bastaria lembrar o caso Roberto Brant. Pilhado na lista de recebedores de Valério, simplesmente confirmou e, reconhecendo que se tratava de financiamento não declarado de campanha (ou seja, Caixa 2), desafiou que atirasse a primeira pedra quem não se valeu do mesmo expediente! Mereceu imediatamente o indulto do PFL, na voz do seu presidente, o senador Jorge Bonhaursen. E, embora desse a mesma explicação dos demais envolvidos, foi anistiado também pela imprensa, naturalmente! Desapareceram, como por encanto, do noticiário as referências a ele e mais dois ex-ministros de Fernando Henrique: Pimenta da Veiga e Cícero Lucena (acusado de fraudar licitações no governo da Paraíba, onde agora integrava o secretariado). Sumiram igualmente da mídia as já comprovadas histórias de corrupção envolvendo o governador tucano de Rondônia Ivo Cassol.
Ao mesmo tempo, vão sendo construídas reputações onde (sabe-se ou é possível supor) o discurso em nada corresponde à prática. Bornhausen, ACM Neto, Álvaro Dias, Artur Virgílio disputam, aos olhos da imprensa, o troféu de quem seria a vestal mais imaculada, embora compusessem a linha de frente do governo Collor ou formassem a barreira intransponível para a realização de CPIs ao longo do governo de Fernando Henrique. A eles se juntam, sem qualquer constrangimento, personagens que, por oportunismo ou ressentimento pessoal, deliciam-se com o sangue do PT: Heloísa Helena (que, depois da sub-militância no PFL e no PSDB, jamais voltará a ser de esquerda), Denise Frossard (que, por seus pré-julgamentos, é melhor continuar como deputada, pois jamais poderá voltar a ser juíza) ou o outro Jefferson (o senador Jefferson Peres, Hoje falecido), aquele que já declarava o impeachment de Lula irreversível, há mais de dois meses, quando o seu xará mal ensaiara as primeiras acusações.
É interessante, mas o comportamento da imprensa parece com o nosso, da esmagadora maioria da militância do PT. Para nós, petistas, nada mais natural do que o envolvimento de políticos de outros partidos com corrupção. Crescemos vendo isso. Entendemos, desde cedo, que a prática da corrupção é quase que da própria essência daqueles políticos.
O que não entra em nossa cabeça é a corrupção ser praticada por algum companheiro. E, neste sentido, engana-se redondamente quem imagina que a crise política atual é absolutamente negativa para o Partido dos Trabalhadores. Deixe explicar: não há como aceitar petistas terem relações espúrias com grupos empresariais, obterem financiamento irregular para as suas campanhas, facilitarem a drenagem ilícita de recursos públicos para empresas privadas, comprarem apoio parlamentar para projetos governamentais (ainda mais tratando-se de projetos que não condizem com a linha partidária) e, até, fazerem apropriação pessoal de recursos obtidos imoralmente.
O problema é que tudo isso aconteceu ou muito disso pode ter acontecido. E, aí, há três aspectos a ressaltar. O primeiro é que as denúncias nos deixam mais realistas. Passamos a entender que o PT está no mundo, integra a mesma sociedade que os demais partidos e, por isso, sofre dos mesmos males, não há como ser uma ilha de idoneidade. A diferença – que desejamos, perseguimos e exigimos – é que o PT não contemporize com práticas de corrupção. Identificada, deve ser investigada e os responsáveis têm que ser afastados do nosso convívio.
O segundo aspecto é uma decorrência desse. Foi provado que alguns dirigentes envolveram-se naquelas práticas nefastas sem que estivessem autorizados pelo PT. Isso significa que o Partido vinha sendo substituído por um grupo de pessoas que sentiam-se à vontade para decidir em nosso nome sem consultar o Diretório Nacional, a Executiva e, em alguns casos, nem mesmo a tendência que controla esses organismos, o campo majoritário. E essa descoberta se dá às vésperas da escolha das novas direções partidárias. Quer dizer, temos a oportunidade histórica de repor o Partido nos trilhos.
Por último, a própria guerra da imprensa e dos políticos conservadores para desmoralizar o PT evidencia quem são os petistas desencaminhados. Ganhamos a oportunidade de promover uma autêntica faxina. O Partido diminuirá, perderá milhões de votos, algumas eleições que se afiguravam vitoriosas. Mas, feito o expurgo, ficará de um tamanho e com uma composição capazes de promover a reconquista da confiança popular.
Parece que, de repente, os adversários mais renitentes do PT descobriram isso. Passado o processo, o PT terá afastado os corruptos, estará inquestionavelmente higienizado e em condições de fascinar os seus eleitores tradicionais. Mesmo porque os demais partidos continuarão do mesmo jeito que sempre foram. Por isso, já se nota entre alguns desses mais ferrenhos adversários (na imprensa ou nos demais partidos) a determinação de matar o PT. Se possível jogar sal no seu rastro para que não volte a ressurgir. Senão...
Olham para o PT e lembram daquela velha e grosseira história da agressão do bêbado à mulher horrorosa: "– Você é feia, heim?". Ao ouvir a reação ("– Bêbado!"), este se vinga: "– É, mas amanhã eu estou bom."
Fernando Tolentino, 15 de agosto de 2005 (circulação original na internet)