segunda-feira, 31 de outubro de 2016

“O JOGO ACABOU”



Festa da vitória de Edvaldo Nogueira e Eliane Aquino em Aracaju
“O jogo acabou. Ganhamos!”
Qualquer torcedor de futebol já ouviu um parceiro de time alegar, ainda mais quando fala do seu principal rival, que prefere ganhar com um “gol de mão”, um pênalti inexistente, gol marcado quando o jogo já devia ter acabado.
A vitória justa, como vimos em duelos medievais que deram emoção a tantos filmes épicos, não tem o mesmo sabor para esse tipo de torcedor.
Na nossa sociedade, as eleições nada têm de regras como as daqueles duelos.
Afinal, essas regras são definidas por quem vai participar da disputa.
Mais especificamente, os economicamente poderosos estabelecem como serão as eleições. Alguém duvida que a intenção seja garantir a vitória para eles?
Ou seja, as regras das eleições são feitas para enganarem vocês.
Quer ver?
Você conhece alguém, do seu círculo de amigos, que entenda perfeitamente como se dão as eleições para vereadores, deputados estaduais e federais?
A tese é que o Legislativo será dividido entre os partidos na mesma proporção dos votos que tenham obtido nas eleições.
Ou seja, esqueça o nome dos candidatos. A eleição é proporcional. São os partidos que elegem.
Mas é isso o que os candidatos dizem pra você?
Pois saiba que todos os candidatos de um partido terão os seus votos somados e o resultado vai definir quando serão os eleitos desse partido. Pra complicar mais ainda a cabeça do eleitor, todos os partidos da coligação valem como um só partido.
Em tese, por exemplo, esse partido terá 30% da Câmara se as votações dos seus candidatos (somadas) forem iguais a 30% de todos os votos. Daí, o partido (ou coligação) terá direito a 30% das vagas da Câmara de Vereadores, da Assembleia Legislativa ou da Câmara dos Deputados, conforme o caso.
Quem serão os eleitos? Os mais votados da legenda (partido ou coligação) até alcançar aqueles 30% das vagas.
É por isso que o candidato faz uma guerra tão grande contra os do mesmo partido. Ele precisa ficar na frente dos demais.
Eu disse “em tese” porque é um pouco mais complicado.
Se a cabeça esquentou, descanse um pouco. Leia o resto daqui a pouco.
VAMOS LÁ
A proporção pode ser 20%, 45%, 60%. Mas o partido pode não eleger ninguém. A soma dos votos dos seus candidatos tem que ser maior que a divisão do número total dos votos dos eleitores pelo número de vagas que são disputadas. Assim: Se votaram 80.000 eleitores e são 8 vagas, o partido tem que somar pelo menos 10.000.
Portanto, haverá sempre sobra dos votos daqueles partidos que não elegeram ninguém. Sobra de vagas também. Elas são divididas pelos que fizeram aquele mínimo. Os 10.000 no nosso exemplo.
Por isso, tirando prefeito, governador e presidente, é dificílimo você ver a indicação do partido na propaganda do candidato. Se tiver, ele é dos chamados partidos de esquerda, como PT, PCdoB, PSOL, PCO etc.
Além de ser mais fácil o candidato enganar você, dizendo que é do partido que você mais gosta (ou que não é do que você não gosta), ele quer esconder de você se tem pouca chance de se eleger. Afinal, se você conhecer os candidatos do partido dele, já imagina quais vão ter mais votos. Os que provavelmente vão ganhar. Só entram os mais votados, lembra?
NOVAS REGRAS PARA MENOS DEBATE
Nesta eleição, a Câmara de Eduardo Cunha e o Senado de Renan mudaram as regras. Não foi para ajudar os adversários, você não acha?
Conseguiram complicar um pouco mais para vereadores. Não se contou a votação de candidato com menos de 10% do total obtido por seu partido.
Além disso, tiraram os vereadores do horário eleitoral. Ficaram apenas com inserções ao longo do dia. Difícil coincidir com o horário em que você estava ligado, não é? Pior, você ficou sem chance de comparar, pois cada um aparecia em horário diferente.
O horário eleitoral ficou só para candidatos a prefeitos.
Antes, eram 45 dias; foi reduzido para 35 dias. Eram 30 minutos e agora foram somente 10 minutos.
O que isso significa? Se um partido ou os seus candidatos são muito atacados na programação normal do rádio ou da TV, fica praticamente sem tempo para se defender.
Bingo! Entendeu?
Esses 10 minutos são divididos entre os partidos de acordo com o número de deputados federais eleitos na última eleição. Em 2014. Aí, conta a coligação, pois se somam os deputados de todos os seus partidos para calcular esse tempo. Candidato a prefeito com muitos partidos na coligação tinha um pedaço maior dos 10 minutos.
Acha pouco? Foram mudadas as regras para o financiamento das campanhas. Os partidos de esquerda queriam que houvesse apenas financiamento público, o que equilibraria um pouco mais o que todos poderiam gastar. Foi proibido o financiamento por empresas, mas foi liberado para pessoas físicas. Isso significa que o candidato mais rico ou que juntasse mais gente rica na sua campanha poderia gastar muito mais.
Como não houve eleição em Brasília, eu fui a alguns municípios goianos perto daqui. Posso garantir que não diminuiu nem um pouco o gasto com as campanhas dos candidatos. Mas partidos de gente mais pobre apareceram muito menos na campanha, tiveram menos estrutura, menos material.
Isso tudo ajuda um pouco a entender o resultado, não é?
Volto em outro artigo para analisar o que significou a votação de cada partido nesta eleição.
Fernando Tolentino

sábado, 22 de outubro de 2016

CONCLUSÃO DA SEMANA: É MELHOR NÃO BATER EM LULA



Fechamos a semana com quatro fatos importantes e interligados: o anúncio da prisão de Lula, a prisão de Eduardo Cunha, a ocupação das instituições de ensino pelos estudantes e a divulgação de novas pesquisas de intenção de votos para presidente da República,
Uma semana atrás, na sexta-feira, 14, o Blog da Cidadania noticiava a possível prisão de Lula para a segunda-feira seguinte por ordem dos titulares da República de Curitiba.
A notícia incendiou as redes sociais e diferentes grupos trataram de se articular para enfrentar a maldita ordem de prisão, há muito soprada aos quatro ventos, mas sem nenhuma motivação razoável.
O MST gaúcho anunciou uma marcha para a capital paranaense e militantes trataram de cercar a residência de Lula, aquele apartamento em São Bernardo onde vive com a família desde muito antes de se tornar presidente da República, em 2003.
Uma semana depois, não houve a prisão. No momento em que a notícia deu chabu, não faltou quem investisse contra o blogueiro Eduardo Guimarães, sugerindo que armara um escândalo em torno de uma notícia considerada falsa, uma invenção, alguns até lhe atribuindo intenções menos dignas, como a tentativa de atrair atenções para si, além de questionar a sua credibilidade.
Injustiça! O que fez a notícia se espalhar foi justamente a credibilidade do blog e de seu autor, que merece crédito do próprio Lula. Afinal, entre outras informações que habitualmente divulga, acertou no alvo em fevereiro, quando os justiceiros togados já tentavam acertar em Lula.
De posse da informação, nada mais natural que ela fosse levada a público. Essa tática, por sinal, foi várias acionada no tempo da ditadura. Se era vazada uma informação de que um preso político sofreria agressão mais insuportável, buscava-se denunciar publicamente. No mínimo, uma criança teve a vida salva em Brasília depois de descoberto e divulgado que seria sacrificada no útero na mãe presidiária.
Ninguém é capaz de assegurar de que não houvesse a intenção de se promover a prisão de Lula, o que eventualmente pode ter sido abortado pela divulgação prévia e sua rápida repercussão.
Certo é que, ao anunciar que a prisão poderia ocorrer, Eduardo fez a ressalva de que o fato lhe fora comunicado por uma fonte reservada e que havia uma margem de incerteza.
Na quarta-feira, 19, Eduardo Cunha – e não Lula – é que estaria preso. Uma prisão esperada por qualquer brasileiro que não tenha sofrido uma longa letargia ao longo deste ano.
Na sua prisão, Cunha foi tratado com pompa e circunstância, cerimoniosamente, como não ocorreu com qualquer dos presos desde que a Lava Jato foi instaurada ou mesmo na prisão de investigados por outras operações da Polícia Federal nos últimos anos. Nada de policiais trajados com uniformes de combate, ostentando fuzis e algemas, tudo informado à mídia com antecedência suficiente para que pudesse chegar ao local da operação em tempo de armar e posicionar as câmeras.
Fato estranho? Mesmo sendo uma prisão tão aguardada, uma notícia de repercussão internacional, não fiquei sabendo de um único órgão de imprensa que tenha protestado por não ser avisado previamente, como nas conduções de rigorosamente todos os outros suspeitos.
Não falta quem suponha que a prisão de Cunha seja um estratagema para que os condutores da Lava Jato não possam ser acusados de parciais ao determinarem a de Lula.
De minha parte, não estou seguro de que Lula sequer seja preso, salvo após uma eventual condenação, mesmo assim em instância superior. Afinal, não falta colaboração no provimento de informações para o processo, sejam insistentes as garantias públicas de não haver hipótese de fuga e não se identifique qualquer outra justificativa para que seja feita. Não há sequer a expectativa de que viesse a fazer uma delação premiada.
Mas, ainda na defesa de Eduardo Guimarães (e pergunto a quem serve desacreditar um blogueiro que bons serviços vem prestando aos setores progressistas), levanto a hipótese de que o seu informante pode ter confundido os fatos. Sabendo da iminência de uma grande operação da Polícia Federal, tenha suposto ser a prisão de Lula e dito isso ao responsável pelo Blog da Cidadania.
E qual a ligação disso com os dois outros fatos que citei?
Tanto um como outro pode ter dissuadido o juiz Moro de manter, ao menos por enquanto, a decisão de humilhar Lula com um processo de prisão.
Embora os estudantes estejam mobilizados por outras questões (a condenação da PEC 241 e da reforma dos currículos de cursos de nível médio), o Fora Temer é o grito comum nas suas já mais de 1.000 ocupações de escolas. Uma violência contra Lula poderia ser um combustível para fazer essas manifestações pegarem fogo.
Ao lado disso, não é para se negligenciar a surpreendente notícia de que as insistentes agressões da mídia ao ex-presidente parecem lhe premiar com cada vez mais admiradores. Em sondagens de dois diferentes institutos, Lula continua liderando a corrida presidencial, inclusive ampliando a vantagem sobre os adversários de vários cenários de primeiro turno e reduzindo a diferença em possíveis confrontos de segundo turno. Isso sem que tenha acesso a um mísero segundo de TV ou presença em jornais que não sejam para ser linchado em pautas cada vez mais grosseiras.
Não escapa para nós e é evidente para os seus inimigos: a opinião pública não casa a figura de Lula com a do PT, ao menos para desacreditá-las. O Partido saiu visivelmente enfraquecido das eleições municipais e isso principalmente por conta da guerra de comunicação de que foi vítima nos últimos anos. Com Lula, é o contrário, tudo indica que as agressões da mídia alimentem um sentimento crescente de solidariedade generalizada nos seus admiradores. Tudo o que os seus inimigos preferem não ver pela frente.
Fernando Tolentino

sábado, 15 de outubro de 2016

NÃO É LULA QUE ELES QUEREM PEGAR



Lula é acusado de receber propinas por meio da utilização do Fundo de Investimentos do FGTS? Teria recebido R$ 905 mil por conta de negociações com a Empresa de Saneamento de Tocantins? Ou R$ 2,5 milhões, nos recursos para obras no Corredor Raposo Tavares (São Paulo) e na Concessionária Rota do Atlântico (Pernambuco)? Em virtude de negociações com o Metrô Rio (R$ 1,16 milhão), pela participação acionária na Brado Logística (R$ 2 milhões), com empresa do grupo J&F (Friboi), no valor de R$ 940 milhões? Acusado de receber propina pelas negociações do Porto Maravilha (R$ 52 milhões) ou na construção de navios-sonda coreanos para a Petrobras (R$ 5 milhões)? Tem acusação de manter contas ocultas na Suíça, com certificação do Ministério Público de lá?
Ah! Tá. Este é o ex-deputado Eduardo Cunha, que está livre como um passarinho, mesmo cassado, depois de segurar pessoalmente o seu processo por um ano e reger um golpe que aniquilou a democracia brasileira.
Lula é acusado por diretores da Odebrecht de ter recebido propinas da ordem de R$ 23 milhões, parte disso depositado em contas também na Suíça?
Este é o José Serra, ministro das Relações Exteriores?
Ou, conforme denúncia de dirigente da Engevix, divulgada neste fim de semana pela Época, como suspeito de ser beneficiário de mais R$ 20 milhões? Não. Os nomes envolvidos são de novo Serra e mais o atual governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
Sei que há inúmeras outras denúncias escabrosas por aí. Nenhuma atinge Lula.
O Ministério Público não tem provas, mas alega ter fortes convicções de que houve reformas em um apartamento, que não lhe pertence, mas visariam a lhe beneficiar. Ou de que, quando nem presidente Lula era mais, uma empresa pagou para guardar o acervo de algumas toneladas de presentes doados ao presidente da República (não à pessoa dele), que ele é obrigado a manter. As suspeitas (convicções) alcançam valores que mal dariam para comprar um apartamento no Setor Sudoeste, em Brasília.
Por que essa caça a Lula?
Não há sequer razões que justifiquem uma prisão provisória. Lula não dá qualquer sinal de prejudicar investigações. Ao contrário, antecipa-se no fornecimento de informações que alimentem o processo. Não coloca ao menos a hipótese de evitar algum depoimento ou de tentar escapar.
Ninguém desconsidere um aspecto psicanalítico, o ódio que os condutores do processo devotam a Lula como redentor das classes populares, aquele que ousou realizar políticas e implantar programas de governo que reduziram a distância entre os de seu padrão social e, de outro lado, os miseráveis ou muito pobres. É impossível não ver a indignação de pessoas como os procuradores, juízes e policiais federais encarregados do processo, bem nascidos, com formação em escolas caras ou que se infiltraram na classe média por meio de concursos públicos. Concursos que, por sinal, tornaram-se corriqueiros a partir da primeira eleição de Lula.
Mas há aspectos mais relevantes, que justificam o propalado consórcio político-midiático-judicial que levou à queda de Dilma Rousseff e ora implanta um modelo social e econômico que representa o retorno aos tempos do neoliberalismo apeado do governo com a eleição de Lula.
O primeiro é a destruição do mito. Durante o primeiro governo de Lula, Aécio Neves chegou a dizer que não adiantava lutar contra Lula. Para ele, o então presidente não era um homem, mas um mito. E mito não se destrói, concluía.
Pois esta é a tarefa que vem sendo cumprida pela Operação Lava Jato, com franca colaboração da mídia hegemônica e no mínimo a atitude omissiva da hierarquia superior do Judiciário. E, claro, o eco oportunista do meio político, para quem o ataque a Lula e seus correligionários significa retirar-se do alvo das acusações.
É preciso que Lula seja visto pela opinião pública como alguém que usou a política para “se dar bem”. E não importa se há provas ou apenas convicções. O importante não é se Lula é corrupto, mas que assim pareça para a sociedade, especialmente os que aprenderam a vê-lo como um mito. Para isso, não basta atingir Lula. É indispensável lançar lama sobre todos os que o rodeiam. Em suma, qualificar o seu Partido e os políticos que o acompanham como um bando de corruptos, de malfeitores. E se não houver provas? Há convicções. E o bombardeio mais que diário dos meios de comunicação se encarregam de estabelecer certezas.
Essa guerra não atinge somente os que integram o grupo político de Lula. É preciso deixar claro que é muito perigoso aproximar-se de Lula ou do PT. Por isso, a prisão de tantos empresários e executivos de grandes empresas, prisões que exacerbam qualquer prazo aceitável para uma investigação que reúne mais de 300 agentes públicos durante período superior a dois anos. Como assim empresas terem contribuído com o PT, mesmo que legalmente?
É a tática da atemorização. Este é o momento em que isso chega ao clímax. Não basta prender Lula. Ajuda muito ficar claro que, para isso, não é preciso haver alguma acusação consistente, provas inquestionáveis, algo que notoriamente o incrimine. Se vier a ser preso sem essas razões, tanto melhor para os comprometidos com a estratégia de destruição da esquerda brasileira.
Todos chegarão virtualmente à conclusão de que a mesma coisa pode ocorrer com qualquer um. Como no período da ditadura, em que importava a suspeita. É a tática de exacerbação do poder. Leia-se: “se quisermos, podemos prendê-lo e, caso não encontremos qualquer prova, disseminaremos uma versão que convencerá a todos de que vocês merecem ser presos”. Por isso, os advogados falam tanto em insegurança jurídica, alegando que não há mais referências para trabalhar. O TRF 4 encarregou-se de decidir que a Lava Jato merecia essa exceção. Mais ou menos como “métodos inéditos para um caso inédito”.
Por fim, a notícia da possível (provável?) prisão de Lula tem um resultado altamente rentável para quem está impondo ao País um formidável processo de regressão social e política. Não poderia haver mais caprichosa tática diversionista. Enquanto toda a esquerda se volta para o risco da prisão do líder, que não é desprezível, e toda a sociedade também se concentra em acompanhar essa hipótese, as medidas que comprometem os interesses populares e nacionais vão sendo adotadas, sem enfrentar uma mobilização que possa efetivamente contê-las.
Como nada é perfeito, os estudantes secundaristas estão se encarregando de pôr em dúvida a eficácia dessa tática, ocupando centenas de escolas em manifestações contra o arrocho no sistema educacional. Mas ainda é um setor isolado que reage.
De tudo isso, o que se pode concluir é que Lula é o alvo perfeito.
Não é a ele que querem pegar. É você. Se ocorrer e enquanto não ocorre, você, eu, nós vamos sendo os verdadeiros atingidos pela guerra travada contra os trabalhadores, os excluídos, mesmo as camadas médias da sociedade brasileira.
Fernando Tolentino