quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A ELEIÇÃO DE DOMINGO NÃO É MUNICIPAL


Pelo menos, dá pra dizer que a eleição deste domingo não é exclusivamente municipal. Até mais, não é principalmente municipal.
É claro que o eleitor não pode perder de vista a importância de escolher para prefeito um bom gestor, alguém que conhece o município, sabe como resolver os seus principais problemas e revela compromisso com quem tem sido excluído quando da definição de programas, obras e realizações da Prefeitura.
Um bom modelo para avaliar se um candidato a prefeito merece o voto é Haddad, candidato à reeleição em São Paulo.
Esse tipo de preocupação se estende também à escolha do candidato a vereador. Seu mandato será fundamental para o sucesso da administração municipal e, se na oposição, para a fiscalização do funcionamento da Prefeitura e para exigir do prefeito que não se volte apenas para os interesses dos endinheirados, dos poderosos.
Mas ninguém esqueça que essa eleição será inevitavelmente federalizada.
Isso tem dois aspectos. O primeiro é que o resultado será avaliado como uma aprovação da população ao golpe que afastou Dilma, a presidenta eleita com mais de 54,5 milhões de votos, antes que ela completasse um ano e meio de governo. Ou como um sonoro NÃO ao golpe.
Não é só isso. Se a maior parte dos candidatos eleitos, especialmente nas maiores cidades, for de partidos comprometidos com o golpe, a conclusão dos políticos é de que os eleitores brasileiros estão aprovando as medidas do governo Temer, algumas já tomadas, outras esperando justamente o resultado das urnas.
E já não é segredo quais são essas medidas. Já começou com um violento ajuste fiscal, impedindo que gastos públicos se elevem acima da inflação do ano anterior. E durante 20 anos! Em outras palavras, as pessoas sequer poderão nascer, pois o crescimento da população implica em maior demanda de atenção pública e, portanto, mais despesas.
É claro que esse freio de arrumação não atinge a remuneração da dívida pública, ou seja, não afeta o interesse do setor financeiro.
Entre as medidas está a retração nas aplicações em programas sociais, o que já vem ocorrendo. Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família, FIES, ProUni, Pronatec, Ciência sem Fronteiras, Agricultura Familiar, além de programas na área cultural e de atenção a populações socialmente excluídas, como negros, índios, deficiente físicos, entre outros, são áreas a serem seriamente afetadas por cortes orçamentários.
No pacote, tem peso relevante a venda do patrimônio público, o que significa por exemplo a entrega do controle de estatais como a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e os Correios. Mas também as reservas petrolíferas, especialmente o Pré Sal, o Aquífero Guarani (maior reserva de água do mundo, que permitiria o abastecimento durante pelo menos 380 anos), entre outros recursos minerais. Mas também a permissão para desnacionalização de terras.
Não fica nisso, o próprio governo, embora de forma esquiva, tem deixado claro que mudará os parâmetros da Previdência Social, acabando com aposentadorias especiais (professores e policiais, por exemplo), aumentando o limite de idade para a aposentadoria e elevando a alíquota da contribuição previdenciária, além de desvinculando do salário mínimo o piso das aposentadorias.
Vai atingir também os direitos trabalhistas, basicamente estabelecendo o princípio de que o acordado entre trabalhadores e patrões prevalece sobre o direito estabelecido em leis. Em tempo de desemprego, com os trabalhadores fragilizados, pode representar a perda do 13º, das férias ou parte delas, do adicional noturno, assim como a ampliação da jornada de trabalho. E põe perda de direitos nisso!
Já está claro que o salário mínimo não será mais reajustado anualmente com as mesmas regras. Se muito, terá o índice da inflação.
Portanto, ninguém se engane: o voto naquele vereador de partido golpista, porque é amigo da família, participa da mesma igreja, estudou no mesmo colégio, mora no mesmo bairro ou foi indicado por um amigo será na verdade O APOIO ÀS POLÍTICAS DO GOVERNO TEMER.
É muito importante lembrar que o voto para vereador é proporcional. Não existe voto em pessoa. O VOTO VAI PARA O PARTIDO. Se o seu candidato não se elege, o voto serve para eleger outro candidato do partido dele.
Os políticos que votarão as propostas do governo Temer só estão esperando o resultado das urnas. E  concluirão se os brasileiros aprovam ou não as reformas de Temer.
Além disso tudo, a eleição de prefeitos e vereadores de partidos golpistas viabilizará que os deputados estaduais e federais desses partidos sejam eleitos em 2018. Isso quer dizer que a composição atual do Congresso Nacional, a mais conservadora da história, poderá se repetir ou até piorar por causa do seu voto.
Partidos golpistas são os dos deputados e senadores que votaram para afastar Dilma de seu mandato. Todos eles sabiam qual era o programa do governo Temer, que pode ser encontrado em uma rápida pesquisa na internet com o nome de Ponte para o Futuro. Os principais partidos golpistas são DEM, PSDB, PMDB, PPS, PSB, PP, PR, PRB, Rede, SDD. Há vários outros partidos menores. Inteiramente contrários ao golpe foram PT, PCdoB, PSOL e PDT. Mas vários deputados e senadores do PDT votaram a favor do golpe e estão comprometidos com as reformas de Temer.
É por causa disso que nós, sendo eleitores de Brasília, sentimos que não podemos ficar parados. Nós não temos eleição municipal. O que podemos é fazer um apelo para que os demais brasileiros votem por nós.
Fernando Tolentino

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

NOSSA SOCIEDADE NÃO PODE SE NUTRIR DE ÓDIO



"Lindbergh escapou de ser assassinado ontem por um fanático de direita", escreveu Paulo Nogueira, do Diário do Centro do Mundo, relatando episódio em que um casal, alucinado, investiu contra o senador e sua esposa na saída de um restaurante.
Além de revoltante, o episódio beirou o ridículo. O homem chegou a tirar a camisa exigindo que a discussão evoluísse para a "porrada". A mulher de Lindbergh foi jogada no chão.
O mais sério é que a cena não teve nada de inédito. Há poucos dias, foi o candidato a prefeito do Recife pelo PT, João Paulo, quem teve dificuldades para escapar de uma agressão. O economista Bruno D'Carli investiu contra ele também em um restaurante.
Constrangimentos ao menos próximos disso já experimentaram recentemente o ator José de Abreu e os ex-ministros Guido Mantega e Alexandre Padilha.
A coincidência é que as manifestações visam sempre os petistas e seus aliados.
Muitos dos leitores já devem ter passado por situações semelhantes. Eu cheguei a abandonar um grupo de familiares no Facebook ao ser escorraçado por uma prima que não se conformava com as minhas discordâncias.
Mas o ódio vai além disso.
Muitas vezes revela simplesmente a incapacidade de se conviver com contrários. Não raro, tem traços nítidos de luta de classes. Como nos casos de jovens de classe média brasilienses que atearam fogo e assassinaram o índio Galdino ao confundi-lo com um morador de rua. Ou na repetição de situações como esta nas ruas de São Paulo.
Não escapa dessa categoria a declaração do candidato a prefeito de Curitiba Rafael Grecca, que disse ter vomitado ao tentar pôr um pobre dentro de seu carro. Segundo ele, por não aguentar "cheiro de pobre". O que é cheiro de pobre? Até agora, eu não consegui descobrir.
Esse ódio de classe mobilizou multidões indignadas com os governos de Lula e Dilma, que lhes impunha a convivência com gente humilde em ambientes que julgava como privativos e até a perda de espaços para essas pessoas, como na política de cotas.
Mas é possível encontrar o ódio com a mesma intensidade entre torcedores de futebol, inclusive com a disposição para matar, como se viu torcedores do Sport do Recife fazerem com um chefe de torcida do Santa Cruz.
Diariamente, há exemplos de disputas de trânsito que provocam mortes ou mesmo agressões que poderiam levar a elas.
Alguém tem que dar um paradeiro nisso.
Tenho pelo menos a convicção (estamos em tempo de tê-las, não é verdade) de que a solução não virá de uma reforma do ensino que retire dos jovens os estudos de humanidades, reduzindo o ambiente escolar à mera formação profissional ou tecnicista.
Fernando Tolentino

domingo, 18 de setembro de 2016

DÁ PRA ACREDITAR QUE LULA É CONTRA SERVIDORES CONCURSADOS?



"Alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial".  O aviso foi publicado no Facebook por Rogério Leão Zagallo, membro do Ministério Público de São Paulo. Havia uma manifestação do Movimento do Passe Livre e isso paralisou o trânsito. Isso irritou o promotor que ia pegar o filho na escola.
É possível que sua postagem tenha sido o gatilho para o crescimento abrupto do movimento, explodindo nas imensas manifestações de junho de 2013. O destempero motivou a sua punição (se dá pra chamar isso de punição) com 15 dias de suspensão. Ele recorreu, mas pelo menos essa penalidade foi mantida. Agora, ele será o responsável por investigar a suspeita de que dois policiais militares assassinaram duas pessoas na periferia da capital paulista quando já as tinham sob controle.
Sou servidor concursado e entendi claramente que era de coisas assim que Lula estava falando em sua manifestação sobre entrevista de procuradores da República que convocaram a grande mídia para incriminá-lo, ainda que não apresentassem provas. Ao comparar as responsabilidades de servidores concursados com as de titulares de mandatos eletivos, denunciou que ocorre o uso da estabilidade como instrumento de poder.
Dizia que a população tinha como punir, nas urnas, os políticos pelo que considerasse inadequado no exercício do poder, o que não é possível com tais servidores.
Em suma, falava de abuso de poder. Do uso da estabilidade como biombo para o arbítrio, para a decisão pessoal de alguns servidores, ao seu bel prazer, usarem ou não o poder que lhes é dado ou até o poder que não têm, mas exorbitam.
Exemplos não faltam. Como no caso do irascível e irresponsável promotor Zagallo. Como na ação sistemática de policiais militares (ou militantes?) de São Paulo, parceiros entusiásticos dos manifestantes contra o mandato de Dilma Rousseff e violentos algozes dos que protestam contra o golpe deste ano. Como a extorsão de fiscais contra comerciantes ou ambulantes, como médicos ou funcionários de hospitais que se sentem à vontade para furar as filas em favor de pacientes protegidos. Como os juízes que favorecem ou prejudicam as partes que lhes são simpáticas ou os desafetos, como investigadores policiais ou procuradores que escondem provas ou tentam destruir a reputação de um investigado, ainda que não disponham de qualquer prova, para isso se valendo inclusive de meios irregulares.

Fábio Kerche, jornalista e doutor em Ciência Política, detalha a explicação em seu artigo Políticos e funcionários públicos:

Madison, que foi presidente dos Estados Unidos e um dos fundadores da democracia americana, dizia que os homens não eram anjos. Por não serem anjos, os ocupantes de cargos públicos precisam de controle. As eleições são uma forma de fazermos isso. O funcionário público não ganha asas angelicais por passar num concurso público.
A criminalização da política e a judicialização dela, que estamos cotidianamente assistindo, é perigosa porque afasta os eleitores da possibilidade de interferir, por meio do voto, no debate. Por mais raiva que a política e os políticos possam gerar, nós podemos puni-los de tempos em tempos. Um promotor, que também é funcionário público, está mais distante de nosso instrumento de controle e de incentivo: o voto.
Como Lula falou de abuso de poder, não me senti sequer indiretamente atingido.
Fora isso, é a solerte tentativa de fraudar a fala de Lula para disseminar uma convicção absolutamente diferente da realidade. Foi o que circulou insistentemente em redes sociais nos últimos dias.
Não vai pegar. Primeiro, porque a esmagadora maioria dos servidores públicos não se sente na condição de manipular as suas atribuições para privilegiar ou prejudicar quem quer que seja. Segundo, porque seria preciso gastar um oceano de saliva para os servidores concursados em geral se sentirem semelhantes à categoria dos procuradores. Afinal, não têm os mesmos privilégios, como os seus inalcançáveis salários, que deverão ter mais um incremento de invejáveis 16% em janeiro. Mais auxílio moradia acima de R$ 4.300, sobre ele não incidindo sequer Imposto de Renda. Finalmente, porque os servidores concursados – os não vinculados a partidos e correntes políticas comprometidos com a destruição do PT e seus líderes – conhecem direitinho esse bê-a-bá.
Como nos informa texto de Sandro Silva (A falsa polêmica entre Lula e os concursados), havia 1.033.548 servidores públicos federais quando Fernando Henrique Cardoso assumiu em 1995. O número foi reduzido para 912.192 no fim dos oito anos de seu mandato: 15.170 servidores a menos por ano. Nos oito anos de seus dois mandatos, Lula elevou esse número daqueles 912.192 para 1.111.633, nada menos de 29.062 novos concursados por ano. Embora em ritmo menor, o número continuou crescendo com Dilma: a admissão de uma média de 13.483 novos concursados anuais nos seus três primeiros anos de governo. Total do efetivo: 1.152.080.
Não é só isso. Depois de oito anos com salários congelados, a despesa média por servidor nos anos Lula cresceu mais de 120% de 2003 e 2011, enquanto a inflação ficou em torno de 52% no período.
Houve ainda medidas de valorização dos servidores concursados, como uma substancial reserva de vagas para eles nas funções de direção e assessoramento superiores.
Tem mais. Nem bem foi afastada a presidenta Dilma e já se revela a conta que será jogada sobre as costas dos servidores públicos.
Na reforma previdenciária, será preciso atingir uma idade mais elevada para que possa se aposentar, com o detalhe de que desaparecerão as aposentadorias especiais, aquelas que podem ser alcançadas mais precocemente, como é o caso dos professores e dos policiais. Tem-se como certo que o desconto previdenciário será também elevado, dos atuais 11% para 14%.
Afora isso, já foi definido que os salários voltam a ficar congelados e que não haverá mais concursos públicos, salvo aqueles que já foram aprovados. Por fim, já se flexibilizou a reserva de funções de direção e assessoramento superiores para os servidores concursados.
Daí, dá pra alimentar a convicção de que Lula fez uma fala contra os servidores concursados? Cadê as provas?
Fernando Tolentino

domingo, 11 de setembro de 2016

O DESAFIO ÉTICO E O PRESIDENTE ESCABREADO



Em recente palestra sobre ética, o professor Leandro Karnal, lembrou um conceito do filósofo francês Etienne de La Boétie; “Só pessoas éticas têm amigos. Uma pessoa não ética tem apenas cúmplices.” A conclusão lógica é que “os maus não têm amizade, eles apenas se entretemem.”
A partir daí, Karnal adaptou a ideia ao momento brasileiro: “Os maus têm medo de uma delação premiada”.
Nenhuma rápida pincelada filosófica poderia definir tão bem o dilema vivido hoje por Michel Temer, quando a Câmara dos Deputados se reúne para decidir sobre a cassação do mandato de Eduardo Cunha.
O processo todo transcorreu de modo a salvar o ex-presidente da Câmara da perda do mandato. Não custa comparar o desenrolar do processo com o de impedimento da presidenta Dilma Rousseff. O PSOL e a REDE protocolaram o pedido de cassação de Cunha em 13 de outubro de 2015. O relatório favorável foi apresentado na Comissão de Ética em 24 de novembro de 2015, mas a sua aprovação só viria a se dar em 2 de maio de 2016. As manobras para emperrar o andamento foram tantas – e dirigidas pessoalmente por Cunha – que o STF aprovou o seu afastamento da Presidência da Casa e do mandato no dia 5 de maio. Ainda assim, sua apreciação pelo Plenário vem sendo protelada, de modo que só está ocorrendo 11 meses depois de iniciado. Um prazo recorde para cassação de parlamentar.
Muito mais tempo que o gasto para o afastamento definitivo de uma presidenta da República, em que são definidos prazos rigorosos para o exame do processo tanto pela Câmara como pelo Senado. O pedido de “impeachment” de Dilma foi admitido por Cunha em 2 de dezembro, quando a bancada do PT deixou claro que votaria favoravelmente pela cassação do mandato dele. Para ter um ritmo fulminante, sessões foram marcadas para dias em que a Casa não se reúne habitualmente, inclusive em fim de semana. O primeiro semestre da Câmara praticamente só ocorreu em função desse processo. Passado o recesso parlamentar, a Comissão Especial foi criada em 17 de março e, apenas um mês depois, em 17 de abril, o Plenário aprovou o seu envio para o Senado, que não gastou sequer um mês para aprovar a admissibilidade do processo, em 12 de maio. Dilma foi afastada temporariamente do cargo e, embora fosse aberto um prazo de 180 dias, que se esgotaria em novembro, o “impeachment” foi aprovado em 31 de agosto, pouco mais de três meses depois. Menos de oito meses desde que Cunha deu início ao processo.
Um novo ardil estava desenhado. A decisão só se dará com o voto de 257 deputados, o que significa que as ausências beneficiam Cunha. É preciso lembrar que faltam 20 dias para as eleições municipais, em que todos os deputados se envolvem por serem consideradas fundamentais para organizarem as bases de suas reeleições daqui a dois anos. Nada menos de 61 deputados são inclusive candidatos a prefeitos. Não bastante, votações importantes nunca são marcadas para segunda-feira, pois os deputados costumam retornar a Brasília na terça-feira. Pois a votação da cassação foi marcada justamente para uma noite de segunda-feira. Só a mobilização da opinião pública pode contribuir para a aprovação da cassação e disso estão se valendo os que a defendem, ameaçando levarem para a população os nomes dos que contribuírem para a preservação do mandato.
No meio desse furdúncio, como fica a posição de Temer, hoje considerado um grande eleitor no Congresso Nacional?
Ninguém esquece o conteúdo das gravações das conversas entre Sérgio Machado e o senador Romero Jucá, presidente do PMDB e ministro do Planejamento no período da interinidade, com a inequívoca afirmação: “Temer é Cunha, Cunha é Temer”.
Amigos? A ninguém com um mínimo de informação política é dado o direito de desconhecer que não passam de cúmplices, voltando ao conceito de Etienne de La Boétie, em tão boa hora resgatado pelo professor Karnal.
Senhor das rédeas de enorme número de deputados (alguns avaliam que já passaram de 200, no auge de seu império parlamentar), ninguém despreza a influência de Cunha sobre o atual governo.
Temer sabe que a companhia do deputado não contribui para a sua imagem e a responsabilidade pela preservação do mandato pode ser atribuída a uma contribuição sua, ainda que discreta. Além disso, seria um enorme alívio não o ter ostentando sua força na bancada e exigindo espaços, influência em decisões de governo e até uma mãozinha para a sua impunidade. Mas ele tem absoluta clareza dos riscos que representa o virtual ressentimento de Cunha.
“Os maus têm medo de uma delação premiada”, clareou Karnal. E Cunha pode fazer a terra de Brasília tremer se soltar a língua, sendo indiscutível que Temer não sairá apenas respingado.
FASE PRA LÁ DE DELICADA
Em plena fase de inferno zodiacal (atenção puxa-sacos: aniversário em 23 de setembro), Temer ainda não conseguiu um momento de trégua.
Não precisa enfrentar diariamente as manchetes destrutivas a cada edição de jornal impresso, radiofônico ou televisivo, como sofreu Dilma no mínimo desde a sua eleição, em 2014. Mas a frequência das manifestações contrárias já é muito superior à da presidenta afastada. Não há uma só semana em que as ruas das capitais e grandes cidades não se veja tomada por multidões muito superiores aos 40 arruaceiros de que ele se vangloriou na China. As solenidades de abertura da Olimpíada e da Paralimpíada, as suas competições, as sessões do premiado filme Aquarius, peças teatrais, “shows”, reuniões científicas, encontros universitários, até as arquibancadas de convidados para o desfile de 7 de setembro, não há ambiente público em que se reúna grande quantidade de pessoas e que não se ouça o enfático mantra “Fora Temer”.
Seus marqueteiros ainda tentaram criar um “Fora Ladrão” para se opor à palavra de ordem oposicionista, mas deu em água. Primeiro: o seu governo e os partidos e movimentos que o apoiam já não conseguem botar na rua mais uns gatos pingados sem qualquer entusiasmo. Segundo: à notícia da luminosa ideia de “marketing”, sucedeu-se nova onda de revelações de corrupção em suas hostes, reforçando uma das causas do divórcio das bases populares que reivindicaram o “impeachment” em 2015. Além disso, as entidades populares e as redes sociais (com a ajuda de uma inconfidência de seu próprio ministro do Trabalho) têm evidenciado as intenções de seu governo quanto aos direitos previdenciários e trabalhistas, motivo suficiente para afastar levas de simpatizantes. Organizações que lideraram a campanha do “impeachment”, como o Movimento Brasil Livre (MBL) deixam claro que a perda de direitos é pra valer, defendendo publicamente que apoiam a eliminação de vários deles.
Por tudo isso, o Brasil passou a conviver com um presidente esgueirando-se pelas sombras. Manifestantes à porta de sua casa, em São Paulo, já o haviam flagrado enfiado entre as golas do paletó no banco traseiro do carro. A agenda não registra eventos públicos e suas viagens são homeopáticas e inteiramente reservadas. Na aparição como chefe de Estado, no 7 de setembro, quebrou a rotina e surgiu em carro fechado, sem ostentar a faixa presidencial.
Por outro lado, por mais que isso lhe deixe transtornado, a conceituação de sua chegada à cadeira de presidente como Golpe se disseminou pelo mundo, repercutida por veículos de comunicação de inúmeros países e contaminando diferentes lideranças mundiais. Tanto que foi um fiasco a presença de representantes internacionais na abertura da Olimpíada. Países vizinhos também não revelam a menor simpatia pelo seu governo e, a exemplo de outros líderes mundiais, até o presidente Barack Obama, dos Estados Unidos, não lhe dispensou a menor atenção durante a reunião do G20, na China.
O esquisito é que não apenas se esconde da população, mas tenta impor a mesma invisibilidade a Dilma, para o que vem contando com inestimável colaboração da grande mídia. A presidenta afastada desapareceu do noticiário em qualquer dos meios, como se jamais tivesse existido. Desde o seu afastamento temporário, já recebeu títulos de cidadã horária em três estados, além de comparecer a inúmeros atos populares, sem que nada disso merecesse míseros minutos em programação de TV ou algumas linhas de grandes jornais.
Não satisfeito, Temer determinou, ainda na interinidade, que barreira militar limitasse o acesso ao Palácio da Alvorada, além de restringir os deslocamentos dela em aeronave oficial. Quando de sua despedida, novos obstáculos foram impostos à aproximação do Palácio da Alvorada. O avião que a conduziu a Porto Alegre foi impedido de pousar no Aeroporto Salgado Filho, onde populares a aguardavam, e desceu em Canoas.
Nem precisava mais uma crise em sua própria equipe. Mas a semana começou com escandalosa capa, logo de quem, da Veja, em que o demitido ministro chefe da Advocacia Geral da União resolve lançar excrementos no ventilador e confirmar o que já fora alardeado naquelas gravações de Sérgio Machado: Dilma foi afastada e ele colocado na cadeira de presidente porque era preciso “estancar a sangria”, ou seja, abafar a Lava Jato e preservar as multidões de puníveis que lhe rodeiam.
Agora, é esperar pelas repercussões do julgamento de Eduardo Cunha, negativas para o seu governo em quaisquer circunstâncias.