terça-feira, 11 de junho de 2013

DOIS PERFIS DE QUEM DEVE DEFENDER A SOCIEDADE




‘’Estou há 2 horas tentando voltar mas tem um bando de bugios revoltados parando a avenida Faria Lima e a Marginal Pinheiros.
Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial.
Petista de merda. Filhos da puta. Vão fazer protesto na puta que os pariu...
Que saudades da época em que esse tipo de coisa era resolvida com borrachada nas costas dos medras ...” (sic)



Essa barbaridade foi publicada no seu perfil (no Facebook), sem o menor escrúpulo, por um tal Rogério Zagallo, que – acreditem – é promotor de Justiça em São Paulo, revoltado com os danos causados ao trânsito por uma manifestação de estudantes contra o aumento de preços de passagens de ônibus.
Tão desumano quanto a frieza de uma motorista após matar um bombeiro que acudia um acidentado na estrada que liga Brasília a Taguatinga. Pareceu que, para ela, apenas importava que aquele bombeiro, pai de cinco filhos que, ali, solidário, cumpria o seu dever, estava atrapalhando a sua volta para casa pouco depois de 4 horas da madrugada.
Voltando à terrível manifestação do promotor paulista, não pude deixar de lembrar de meu pai.
A sua quase inacreditável postagem está eivada de impropriedades, blasfêmias, falta de decoro, agressões ao Estado, à sociedade e à legislação, até a que rege suas obrigações profissionais.
Mas, inclusive por razões afetivas, quero comparar com a postura de meu saudoso pai, Oldegar Franco Vieira, procurador em Salvador lá pela longínqua segunda metade do século passado. Época em que ainda não existia Estatuto da Criança e do Adolescente e outros instrumentos de proteção aos menores.
Devo ressalvar, para não fugir da verdade, que meu pai, embora tenha conquistado, por sua solidariedade ativa, a gratidão de não poucos companheiros da resistência à ditadura nos períodos de repressão inclemente, era homem assumidamente de direita, o que nos valeu infindáveis discussões diárias à hora do almoço. Infindáveis, inflamadas e saudosas, como também o foram pra ele, depois que mudei pra Brasília. Pra desgosto de minha mãe, que nunca conseguiu entender que paz não se confunde com ausência de conflito e, principalmente, polêmica. Preciso salientar quão importantes foram essas refregas para a minha formação, especialmente para minha capacitação para a militância de esquerda.
Pois bem. Caiu na mão de meu pai um processo da Vara de Famílias e Sucessões, relativo a um adolescente, de Santo Amaro da Purificação, que saíra para pescar com um primo e voltara com o seu corpo, morto, na canoa, confessando que o primo morrera quando o seu remo acertou fortemente a cabeça dele. Dizia o rapaz que isso se dera em uma manobra na embarcação, mas restava a suspeita que poderia ter havido uma briga entre os dois.
Lembro de meu pai avisando que o rapaz iria morar conosco. Defendera – e obtivera a compreensão e decisão do juiz – que uma família fosse nomeada para acolher o jovem e concluir o seu processo educacional. Assim, ele estaria livre de internação em uma instituição correcional, o que à época já ocasionaria o risco de encaminhamento do interno para uma trajetória de criminalidade.
Essa família foi a nossa. Para alegria da gente, que ganhou um novo “irmão”. Tiago era mais velho do que nós e cheio de histórias e experiências diferentes. Terminou de crescer, tornou-se um negro bonito, forte, simpático, certamente mais preparado para enfrentar a vida. Tanto que saiu de nossa casa para tentar a vida em São Paulo. Visitou-nos anos depois, casado, feliz, realizado como torneiro-mecânico.
A pedido da sua família, abrigamos outro primo certo tempo depois. Veio Daniel, que passou um tempo conosco. Minha mãe, então enfermeira no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia, ajudou a abrir as portas para que ele se tratasse de uma doença de pele. Mas essa é outra história.
Aqui, o que realmente importa é entender que o promotor, como o procurador, é um defensor da sociedade e das leis, presumindo-se que representa os interesses da sociedade. Oldegar, meu pai, tinha uma ideia de como perseguir isso. Certamente não se pode exigir essa generosidade de todos eles e muito menos que esse tipo de gesto se repita em todos os casos.
Mas, sem nenhuma dúvida, o famigerado Rogério Zagallo não tem a menor condição de defender a lei ou a sociedade. A aplicação de penalidade, no seu caso, não é indispensável apenas como punição, mas como medida minimamente exigível do Ministério Público justamente para assegurar a defesa da sociedade contra esse tipo de bestialidade.


Fernando Tolentino

sábado, 8 de junho de 2013

O EXEMPLO DE HEROÍSMO DA ESPOSA DE PIZZOLATO


A história de uma farsa – Capítulo 8
A pedrinha de David

Desde o início, o processo do mensalão ofereceu um triste espetáculo de mentiras, traições, covardia. O julgamento no STF não foi diferente. Os ministros mais famosos por seu respeito ao garantismo e à letra da Constituição mancharam sua própria história ao capitularem à infame pressão de uma mídia notoriamente engajada politica e partidariamente.
Entretanto, a história registrará ao menos um exemplo de heroísmo. Um heroísmo prosaico, delicado, feminino, composto apenas de inteligência, amor, lealdade e desejo de justiça.
Falo da gentil e doce Andrea Haas, arquiteta e esposa de Henrique Pizzolato. Quando a história definitiva do julgamento for escrita, seu nome não poderá ser esquecido como aquela que lançou a pedrinha que ajudou a derrubar um dos homens mais poderosos do país, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
A ironia é que diversos réus contrataram os escritórios de direito mais competentes da America Latina, incluindo Marcio Thomaz Bastos, um dos maiores criminalistas brasileiros, mas ao cabo foi Pizzolato, o réu mais frágil financeiramente (seus advogados, embora bons, trabalham praticamente de graça), quem teve a defensora mais combativa e mais astuta. Sua própria esposa.
Quando o mundo inteiro parecia desabar sobre a cabeça do casal, Andrea Haas começou a estudar o caso por conta própria. Sozinha, elaborou para seu marido a mais contundente defesa que um réu jamais sonhou ter. Quase todas as reportagens, documentos e raciocínios lógicos que hoje comprovam, definitivamente, a inocência de Pizzolato, ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, e derrubam os pilares de toda a absurda trama criada pela Procuradoria Geral da República, nasceram da luta de uma mulher indignada pela condenação injusta do seu companheiro de toda uma vida, de um homem cujos anseios por justiça social, integridade e coragem, acompanhou e admirou desde a mocidade. (Leia a emocionante carta de Andrea a seu marido).
A última pedrinha com que este David de saias derrubou o Golias – esse estamento híbrido formado por mídia, oposição conservadora e figuras desqualificadas da procuradoria e STF – talvez tenha sido lançada esta semana, com a divulgação em larga escala de uma denúncia gravíssima. Na verdade, essa denúncia apenas completa (ou chega bem perto de completar) um quebra-cabeça, cujo desenho Andrea Haas já conhece há tempos.
A denúncia consta de recente artigo de Maria Inês Nassif. A jornalista do site Carta Maior denuncia, com base em documentos coletados e ordenados logicamente por Andrea,  o então procurador geral da república, Antônio Fernando de Souza, e o relator do processo antes do mesmo se tornar a Ação Penal 470, Joaquim Barbosa: eles sabiam da inocência de Pizzolato e, portanto, da inconsistência da tese de acusação, bem antes da denúncia ser discutida e aceita pelo Supremo Tribunal Federal. Não apenas sabiam da existência desses documentos, como os esconderam deliberadamente.
Os leitores então me perguntam: e agora, Miguel? O que acontece? É possível anular Ação Penal 470? Dê sua opinião, por favor!
Diante de inépcia tão flagrante, acho que é possível, sim, anular a Ação Penal 470. E se não for, agora há elementos mais consistentes para se levar o caso a uma corte internacional.
É óbvio, no entanto, que não será fácil. Como no caso Dreyfus, na França, as pessoas e entidades envolvidas na acusação enredaram-se tão profundamente nessa teia de mentiras que será difícil encontrar uma saída “honrosa”. Nada melhor do que um divertido ditado popular para definir a situação em que se encontra o STF: um mato sem cachorro.
Quem será o cachorro a tirar o STF da enrascada em que se meteu, ao se submeter covardemente ao clima de linchamento criado pela mídia?
Como explicar à nação que o tipo de prevaricação cometido pelo Procurador, por Joaquim Barbosa e por alguns outros ministros foi bem pior do que os crimes eventualmente cometidos pelos réus? Muito pior, porque se houve crime (e não posso saber se os réus são inocentes em tudo), com certeza não foi aquele da tese da acusação, enquanto o procurador e Joaquim Barbosa pactuaram com um golpe branco. Os quarenta réus acusados pela denúncia da Procuradoria foram escolhidos da forma mais odiosamente arbitrária e tendenciosa entre os 126 relacionados na CPMI dos Correios. A trama foi discutida e escrita primeiro; depois foram colhendo somente os réus, testemunhas e documentos que podiam corroborá-la. Até mesmo a dona lógica foi posta de lado quando se interpunha no caminho da acusação.
Agora temos provas de que, antes da aceitação da denúncia pelo plenário do STF, o procurador geral da república e Joaquim Barbosa conheciam o Laudo 2828 e outros documentos que inocentavam Pizzolato (e, repito, derrubavam toda a Ação Penal 470), e não só os esconderam dos demais juízes e advogados de defesa, como ainda mentiram descaradamente sobre seu conteúdo.
Vamos focar um pouco na questão das datas, porque elas são fundamentais para se visualizar o grau de sordidez da procuradoria e do ministro Joaquim Barbosa.
Laudo 2828 é fruto de uma investigação da Polícia Federal junto ao BB e à Visanet, feita a pedido da própria Procuradoria e deferido por Joaquim Barbosa, ao final de 2005. A PGR, no entanto, estranhamente, não aguarda a conclusão do laudo, que acontece em dezembro do mesmo ano, para apresentar a denúncia, em março de 2006. O laudo foi mantido em segredo, inclusive dos próprios ministros do STF (à exceção de Barbosa), antes e durante a aceitação da denúncia, que ocorreu em agosto de 2007. Só foi anexado à Ação Penal em novembro de 2007, meses depois do STF aceitar (com a faca no pescoço, conforme disse Lewandowski) uma denúncia inepta, e dois dias depois da publicação do seu acórdão. Os ministros, quando julgaram a validez da denúncia, não tiveram acesso a um dos documentos mais esclarecedores da Ação Penal.
Hoje temos à nossa disposição documentos contendo datas e carimbos que comprovam a postura desonesta da PGR e de Barbosa, e há uma novidade. Há apenas algumas semanas, ficamos sabendo que os mesmos atores (PGR e Barbosa) usaram de um artifício maquiavélico para esconder os documentos que “atrapalhavam” a sustentação da tese do mensalão, entre eles o laudo 2828. Não só isso. Tudo aquilo que negaram aos réus petistas, concederam aos “tucanos”. E nem falo dos tucanos do mensalão mineiro, e sim dos servidores do BB, nomeados na gestão FHC, arrolados nas mesmas acusações que se imputaram a Pizzolato, réus num inquérito em separado conduzido na 12ª Vara de Brasília: desmembramento (não entraram na Ação Penal 470), julgamento em primeira instância, e direito a uma investigação sigilosa, sem exposição pública.
Quando se descobriu a existência desse inquérito, soube-se também de outra investigação em andamento no STF, de número 2474, para a qual desde o início foram encaminhados documentos, entre eles o Laudo 2828, que poderiam criar um estorvo para a Ação Penal 470. O diálogo entre o PGR e Barbosa (registrado nos autos), tentando explicar porque documentos e réus, referentes aos mesmos crimes que se imputavam a réus da Ação Penal 470, deveriam figurar em inquéritos em separado, entrará para a história como exemplo “supremo” de cinismo judiciário.
Diz Barbosa, em resposta ao pedido do PGR para “desmembrar” o inquérito envolvendo não-petistas e documentos incômodos, no dia 10 de outubro de 2006:
“(…) defiro o pedido para que os (novos) documentos sejam autuados em separado, como (novo) inquérito. …Por razões de ordem prática, (para não) gerar confusão…”
Não gerar confusão… Ou seja, não atrapalhar os planos de dar consistência a uma tese caduca desde a origem, e acusar inocentes.
Outros réus do BB, arrolados na mesma acusação que Pizzolato, ficaram a salvo do linchamento público promovido pela mídia. E os documentos que poderiam trazer obstáculos à condenação dos réus da Ação Penal 470 foram guardados sob o tapete de inquéritos secretos.
Em termos de cinismo e inépcia, contudo, nada pode superar a própria denúncia de Antônio Fernando de Souza, encaminhada ao STF, e aceita pela maioria dos ministros. O PGR afirma que “Pizzolato em atuação orquestrada, desviou vultosas quantias do Fundo de Investimento Visanet, constituído com recursos do Banco do Brasil” e apresenta como principal prova documental uma auditoria feita pelo Banco do Brasil.
A acusação é do tipo barbosiano: contém tantos erros numa só frase que mereceria se tornar um editorial do Globo.
O nome do Fundo não é Fundo de Investimento Visanet. Fundo de Investimento supõe um cabedal com sócios-proprietários. O nome verdadeiro é Fundo de Incentivo Visanet, e os documentos comprovam que pertence exclusivamente à empresa Visanet. A auditoria mencionada cobre o período de 2001 a 2005. Pizzolato foi nomeado apenas em fevereiro de 2003; o petista é também culpabilizado, portanto, por um período (2001 e 2002) no qual sequer trabalhava na diretoria de marketing. Não há nenhuma prova de “ação orquestrada”. Pizzolato não tinha nenhum poder de ingerência sobre os recursos em questão. O cargo de diretor de marketing, na hierarquia do Banco do Brasil, era secundário; e os que tinham alguma influência sobre a gestão do fundo Visanet, que era dinheiro privado, eram outros servidores, não Pizzolato, conforme atesta o laudo 2828, pedido pelo próprio procurador e deferido por Joaquim Barbosa.
Quando encaminha o Laudo 2828 ao STF, já depois que a denúncia havia sido aceita, o procurador mente deslavadamente:
“Em que pese seu teor ser de leitura obrigatória…, alguns trechos do Laudo 2828/2006 merecem destaque, pois confirmam a imputação feita na denúncia de que Pizzolato e Gushiken beneficiaram a empresa de Marcos Valério.”
Mentira. O Laudo 2828 sequer menciona o nome de Pizzolato ou Gushiken.
Como se não bastasse, hoje sabemos que Barbosa, durante o julgamento, cometeu um erro crasso sobre a data da morte de um dos réus. Mais uma prova de sua incompetência e desonestidade. Em sua ânsia de impor a pena mais severa possível a José Dirceu, uma ansiedade indigna de um juiz, Barbosa informou ao plenário que José Martinez, então presidente do PTB, ainda estava vivo em dezembro de 2003;  ele havia falecido em setembro. A informação foi aceita e usada para que as penas impostas a Dirceu fossem mais pesadas, visto que, em dezembro de 2003, a legislação brasileira, por orientação de Lula, se tornara mais severa contra a corrupção.  E olha que o ministro Marco Aurélio Mello observou, enfaticamente, que a data era importante justamente por causa disso.
Curioso notar que nenhum meio de comunicação, apesar das centenas de repórteres e especialistas diuturnamente analisando e acompanhando o julgamento, que acontecia ao vivo na TV Justiça, identificou o vexame de Barbosa.
Agora, mais que nunca, cresce a convicção de que a população brasileira foi mais uma vez vítima. Promoveu-se, em canais de tv que são concessão pública e que recebem bilhões de reais de publicidade pública, uma mentira ao povo, de que o julgamento seria uma vitória “histórica” contra a corrupção. Foi o contrário. Testemunhamos o maior fiasco da história do STF, uma capitulação vergonhosa ao poder da mídia, ao conservadorismo e a todos os setores derrotados pelo sufrágio popular. O processo conhecido por mensalão foi a oportunidade para se obter uma revanche à vitória eleitoral de Lula em 2002, e para isso arrolaram-se todos os truques, todas as mentiras, todas as armas ainda à disposição do conservadorismo.
Derrotar essa mentira, ou este “mentirão”, conforme bem denominou a corajosa jornalista Hildegard Angel, é uma tarefa coletiva de todos os que lutam por justiça.
A corrupção tem de ser combatida duramente, e temos que aprimorar constantemente nossos hábitos políticos, mas jamais conseguiremos isso condenando inocentes e chancelando farsas.

Artigo de Miguel do Rosário. Publicado originalmente em Luís Nassif Online, em 7 de junho de 2013

terça-feira, 4 de junho de 2013

SOBRE A MIGRAÇÃO DE DIÁRIO OFICIAL IMPRESSO PARA ELETRÔNICO



Objetivos do Diário Oficial:

1. O principal é, dando cumprimento ao disposto no art. 37 da Constituição, dar publicidade aos atos oficiais, sejam os do Estado (por seus três poderes) ou os que tenham imposição legal de publicação, de empresas e outras instituições privadas.

2. A importância da publicidade é de tal monta que o Diário Oficial torna-se o instrumento que dá validade a esses atos. Ou seja, só são aplicáveis a partir do momento em que são publicados ou, em casos especificados nos próprios atos, em prazos que se contam a partir dessas publicações.

3. Há um objetivo derivado, mas não menos relevante que os anteriores, o da perenidade, que significa informar aos interessados acerca de atos oficiais já do conhecimento público. Explica-se: confirmar a publicação e comprovar como e quando ela se deu. Esse objetivo serve a ações administrativas e judiciais posteriores e à pesquisa, em particular a pesquisa histórica.

Características indispensáveis do Diário Oficial:

1. Acesso universal. É a sua mais relevante característica, pois representa o seu objetivo principal. Dando conhecimento dos atos oficiais e validando-os, o Diário Oficial é o instrumento para instituir, revogar e disciplinar direitos e obrigações de entes públicos e de pessoas físicas e jurídicas da iniciativa privada, além de dispor sobre a organização do Estado e dar notícia de atos em casos que a legislação o requeira.

2. Presunção legal de conhecimento. Está intrinsecamente ligado ao conceito de acessibilidade, no sentido de que não resta dúvida sobre a possibilidade de os entes da sociedade tomarem conhecimento do seu conteúdo que permite concluir que isso de fato tenha ocorrido.

3. As duas características anteriores não se dão, necessariamente pela universalização do acesso em si, mas pela universalização da possibilidade de acesso, o que significa que o Diário Oficial é tido, inquestionável e formalmente, como o instrumento em que se dá a publicação dos atos oficiais.

4. A característica acima leva a que o conteúdo do Diário Oficial chegue ao conhecimento universal de duas formas: a direta, pela leitura ou consulta ao seu conteúdo; e a indireta, pela repercussão das publicações em outros expedientes, especialmente os veículos de comunicação de massas.

5. Atemporalidade. Comprova que se trata de instrumento essencial, independente das características tecnológicas da comunicação no tempo em que se dá a publicação dos atos oficiais. Seja pela inscrição em pedras, tijolos, pergaminho, por meio da impressão litográfica, tipográfica, em offset ou digital.  Ou seja na mídia disponível. Isso significa que, caso se conclua como possível atingir os seus objetivos por outros meios, está assegurado o cumprimento da finalidade do Diário Oficial.

Diário Oficial impresso ou eletrônico:

A grande discussão formal, hoje, relativamente ao Diário Oficial é a polêmica entre a sua produção e disponibilização em meio impresso ou eletrônico.

Na verdade, não é uma discussão apenas sobre Diário Oficial, mas sobre todo e qualquer documento que requer confiança. Como resultado de exames médicos, provas de concursos, dossiês pessoais, dinheiro etc. É também uma discussão sobre universalização da informação.

Onde as duas exigências se somam e estão diretamente ligadas é justamente no Diário Oficial, que por definição deve ser universal, mas é a própria essência da credibilidade. Foi por causa do cruzamento dessas duas variáveis que jamais se cogitou publicar os atos oficiais, por exemplo, por meio de rádio, o veículo de comunicação com maior capacidade de universalizar a informação. No Brasil, criou-se para isso a Voz do Brasil sem jamais se pensar em que substituísse o Diário Oficial. Além de um meio inseguro e instável, o rádio não assegura perenidade.

No quesito da universalização, a discussão relativa ao Diário Oficial se aproxima da que ocorre com os demais meios impressos de comunicação. Jornais de todo o mundo fazem essa discussão, alguns até já migraram para o meio eletrônico. No caso dos jornais de notícias e entretenimento, o trânsito de uma para outra tecnologia esbarra em boa medida no fato de que o financiamento deles se dá atualmente muito mais pela veiculação de publicidade que por meio da venda de seus exemplares.

A publicação na internet não tem sido uma boa plataforma para a veiculação de publicidade, quesito em que o sistema impresso sempre foi muito eficaz. A leitura em jornal impresso praticamente induz ao leitor folhear a publicação, tendo acesso assim a anúncios que sequer estão nas páginas que procura, além do que a visualização é quase inevitável na página de interesse do leitor. Por fim, os anúncios impressos têm mais espaço e visibilidade.

Além disso, há o alto custo de armazenamento e os jornais consideram-se obrigados a isso, muito mais pela valorização do conteúdo jornalístico, de indubitável valor histórico, que pelo publicado como entretenimento.

O fato é que as empresas jornalísticas têm sido muito compassivas diante da iminência desse trânsito, do meio impresso para o eletrônico. Pela não conclusão cabal de como se financiar e pela evidência de que alguns veículos não tiveram sucesso nisso. Um exemplo foi o Jornal do Brasil, um dos mais importantes títulos da História do Brasil, que fez a passagem e, pouco depois, desapareceu.

Vários veículos têm tentado limitar o acesso ao conteúdo, obrigando o leitor a que pague para acessar boa parte das notícias. Ainda não há uma avaliação consistente do êxito dessa estratégia.

Essas considerações, relativas à questão do financiamento, não se aplicam – ao menos da mesma forma – aos diários oficiais, cuja essencialidade exige a busca de alternativas, além do que a origem do custeio, no Brasil, advém genericamente do responsável pelo ato a ser publicado. A obrigatoriedade da publicação leva esse responsável a arcar com os seus custos.

Mais indispensável é o questionamento no que se refere à universalização em si.

Aí, é fundamental avaliar a situação especifica do meio em que circula cada Diário Oficial, em que se devem apurar algumas questões, tais como:

- Qual o índice de inclusão digital da comunidade de referência, aquela a que é, prioritariamente, dirigido o Diário Oficial.

- Em quantas horas o Diário Oficial chega à comunidade de referência.

- Qual o índice de acesso ao Diário Oficial fora dos limites do Estado ou qual se pretende que venha a ser tal índice.

- Qual o custo de produção atual em meio impresso do Diário Oficial.

- Qual o custo de produção atual em meio eletrônico do Diário Oficial.

- Qual o investimento requerido para a implantação da produção eletrônica do Diário Oficial ou, se já há essa produção paralela ao impresso, para assegurar os requisitos de segurança indispensáveis.

Condições de segurança indispensáveis.

É preciso ter claro que o Diário Oficial é um instrumento de Estado (até mais que “de Governo”), essencial ao funcionamento do sistema republicano.

Isso significa que o recebimento de matérias seja ágil, incorruptível e seguro.

- Pressupõe, portanto, rotinas absolutamente confiáveis (inquestionáveis pelos demais setores da sociedade), sigilo indiscutível durante a produção e certificação digital na origem.

- Precisa ser garantido também um sistema de editoração e paginação que não dê espaço para rompimento do sigilo com relação às informações, manipulação por pessoas não confiáveis e submetidas à disciplina de Estado (a produção deve caber a servidores públicos estáveis, se administração direta ou autárquica, ou empregados públicos, nos demais casos) e produção de um veículo com integridade e acessibilidade.

- A disponibilização na internet deve ter requisitos de acessibilidade. É muito importante também que os usuários contem com ferramentas de pesquisa ágeis, seguras e de fácil manuseio.

- Um dos componentes fundamentais da acessibilidade é a gratuidade do acesso à informação, o que, por consequência, significa o compromisso de arcar diretamente com os custos de implantação e manutenção.

- É fundamental o cumprimento do requisito da permanência da informação, ou seja, que a base de dados tenha sua manutenção perenemente assegurada.

- O sistema eletrônico de processamento de informações, a disponibilização na internet e os sistemas de segurança (inclusive anti-vírus) têm desenvolvimento diário, com avançado ritmo de obsolescência, o que significa a certeza de que sempre haverá custos consideráveis de manutenção.

Edição de segurança

Mantidos todos esses requisitos de segurança, ainda assim é recomendável a produção de alguns exemplares impressos, como uma reserva de garantia.

Explica-se. Ainda não há absoluta certeza da segurança do meio eletrônico em todas as fases do processo: recebimento, editoração, disponibilização e armazenamento.

O meio eletrônico depende de variáveis que podem comprometer algumas dessas fases. As informações transitam por meio de rádio, fibra ótica ou cabos, todos eles sujeitos a intempéries e acidentes, e o fornecimento desse serviço é realizado com o recurso de contratação externa, às vezes de empresas que se contratam em cadeia.

Há ainda os riscos ligados à questão do próprio estágio do desenvolvimento tecnológico e da pirataria. No que concerne ao desenvolvimento, estão as questões de substituição periódica de mídias, que determinam a transferência de informações para as mais novas, e equipamentos de leitura.

Com relação à pirataria, é conhecida a ação de “hackers” que penetram em bancos de dados, desorganizam essas bases e “sujam” portais, além de provocar a paralisação deles. O mais comum é o chamado ataque de negação de serviço, aos quais é dificílimo resistir.

Uma das defesas a agressões às informações disponíveis é a certificação digital. Mas é sempre interessante lembrar que significa empreender uma luta interminável e permanente contra os agressores. As chaves atualmente têm 1024 caracteres (vêm se multiplicando desde um número de 56 caracteres), mas nada indica que não seja necessário aumentar isso, pois a luta para quebrá-las prossegue.

A edição impressa de segurança deve ser compreendida como de um instrumento de Estado, o que significa que, embora possa ser bastante limitada, não pode dispensar a disponibilidade de exemplares para instituições alheias ao Poder Executivo, única forma de garantir confiabilidade ao veículo.

Recomenda-se, no mínimo, que os exemplares estejam disponíveis para o Poder Legislativo, o Tribunal de Contas e o Arquivo Público. Mas é desejável que estejam igualmente em outros acervos acessíveis à população (bibliotecas públicas e de Universidades, por exemplo) para servir como contingências nos lapsos causados por situações imprevisíveis.



Fernando Tolentino

Artigo publicado também no portal da Associação Brasileira de Imprensas Oficiais - ABIO