quarta-feira, 30 de maio de 2012

A FORÇA DA IMAGEM DO PT


Marcos Coimbra

Ao contrário do que se costuma pensar, o sistema partidário brasileiro tem um enraizamento social expressivo. Ao considerar nossas instituições políticas, pode-se até dizer que ele é muito significativo.
Em um país com democracia intermitente, baixo acesso à educação e onde a participação eleitoral é obrigatória, a proporção de cidadãos que se identificam com algum partido chega a ser surpreendente.
Se há, portanto, uma coisa que chama a atenção no Brasil não é a ausência, mas a presença de vínculos partidários no eleitorado.
Conforme mostram as pesquisas, metade dos eleitores tem algum vínculo.
Seria possível imaginar que essa taxa é conseqüência de termos um amplo e variado multipartidarismo, com 29 legendas registradas. Com um cardápio tão vasto, qualquer um poderia encontrar ao menos um partido com o qual concordar.
Mas não é o que acontece. Pois, se o sistema partidário é disperso, as identificações são concentradas. Na verdade, fortemente concentradas.
O Vox Populi fez recentemente uma pesquisa de âmbito nacional sobre o tema. Deu o esperado: 48% dos entrevistados disseram simpatizar com algum partido. Mas 80% desses se restringiram a apenas três: PT (com 28% das respostas), PMDB (com 6%) e PSDB (com 5%). Olhado desse modo, o sistema é, portanto, bem menos heterogêneo, pois os restantes 26 partidos dividem os 20% que sobram. Temos a rigor apenas três partidos de expressão.
Entre os três, um padrão semelhante. Sozinho, o PT representa quase 60% das identidades partidárias, o que faz que todos os demais, incluindo os grandes, se apequenem perante ele.
Em resumo, 50% dos eleitores brasileiros não têm partido, 30% são petistas e 20% simpatizam com algum outro - e a metade desses é peemedebista ou tucana. Do primeiro para o segundo, a relação é de quase cinco vezes.
A proeminência do PT é ainda mais acentuada quando se pede ao entrevistado que diga se "simpatiza", "antipatiza" ou se não tem um ou outro sentimento em relação ao partido. Entre "muita" e "alguma simpatia", temos 51%. Outros 37% se dizem indiferentes. Ficam 11%, que antipatizam "alguma" coisa ou "muito" com ele.
Essa simpatia está presente mesmo entre os que se identificam com os demais partidos. E simpática ao PT a metade dos que se sentem próximos do PM DB, um terço dos que gostam do PSDB e metade dos que simpatizam com os outros.
Se o partido é visto com bons olhos por proporções tão amplas, não espanta que seja avaliado positivamente pela maioria em diversos quesitos: 74% do total de entrevistados o consideram um partido "moderno" (ante 14% que o acham "ultrapassado"); 70% entendem que "tem compromisso com os pobres" (ante 14% que dizem que não); 66% afirmam que "busca atender ao interesse da maioria da população" (ante 15% que não acreditam nisso).
Até em uma dimensão particularmente complicada seu desempenho é positivo: 56% dos entrevistados acham que "cumpre o que promete" (enquanto 23% dizem que não). Níveis de confiança como esses não são comuns em nosso sistema político.
Ao comparar os resultados dessa pesquisa com outras, percebe-se que a imagem do PT apresenta uma leve tendência de melhora nos últimos anos. No mínimo, de estabilidade. Entre 2008 e 2012, por exemplo, a proporção dos que dizem que o partido tem atuação "positiva na política brasileira" foi de 57% a 66%.
A avaliação de sua contribuição para o crescimento do País também se mantém elevada: em 2008, 63% dos entrevistados estavam de acordo com a frase "O PT ajuda o Brasil a crescer", proporção que foi a 72% neste ano.
O sucesso de Lula e o bom começo de Dilma Rousseff são uma parte importante da explicação para esses números. Mas não seria correto interpretá-los como fruto exclusivo da atuação de ambos.
Nas suas três décadas de existência, o PT desenvolveu algo que inexistia em nossa cultura política e se diferenciou dos demais partidos da atualidade: formou laços sólidos com uma ampla parcela do eleitorado. O petismo tornou-se um fenômeno de massa.
Há, é certo, quem não goste dele - os 11% que antipatizam, entre os quais os 5% que desgostam muito. Mas não mudam o quadro.
Ao se considerar tudo que aconteceu ao partido e ao se levar em conta o tratamento sistematicamente negativo que recebe da chamada "grande imprensa" - demonstrado em pesquisas acadêmicas realizadas por instituições respeitadas - é um saldo muito bom.
E com essa imagem e a forte aprovação de suas principais lideranças que o PT se prepara para enfrentar os difíceis dias em que o coro da indústria de comunicação usará o julgamento do mensalão para desgastá-lo. Conseguirá?

Publicado originalmente na revista Carta Capital

sábado, 19 de maio de 2012

QUAL O VETO, DILMA?

Gilberto Sousa

A aprovação na Câmara dos Deputados da proposta de mudança do Código Florestal representa o maior retrocesso na legislação ambiental na história do País. Se o texto aprovado pelo Senado - embora contasse com avanços residuais - já significava anistia aos desmatamentos ilegais e incentivava novos desmatamentos, os deputados conseguiram o que parecia impossível: torná-lo ainda pior.O texto da Câmara dos Deputados, além de ferir os princípios constitucionais da isonomia, da função social da propriedade e da proibição de retrocessos em matéria de direitos fundamentais, feriu o interesse nacional. 
O resultado decorre da ação dos deputados vinculados aos ruralistas, que com eficiência e habilidade instrumentalizaram o discurso de defesa dos pequenos proprietários e da agricultura familiar, retirando as poucas melhorias que o Senado efetivou. 
O texto aprovado na Câmara, além de consolidar estragos ambientais já perpetrados, trará imensos ganhos patrimoniais aos detentores de domínios no Centro-Oeste e no Norte nos quais as áreas de preservação permanente (APP) foram derrubadas, queimadas e maquiadas com capim.
A vitória ruralista remete ao paradoxo de um país majoritariamente urbano em que a maior representação na Câmara dos Deputados é rural. Revela também o descolamento entre o legislativo e a maioria da sociedade brasileira que, mediante pesquisa de opinião, é contrária à anistia a quem desmatou e a redução das áreas de proteção permanente. 
A Câmara nesse episódio se manteve distante das expectativas da sociedade brasileira, deixando-se capturar por um grupo econômico e político poderoso em detrimento da necessária mediação dos interesses envolvidos. 
Essa disfunção gerou forte reação na sociedade expresso em editoriais de importantes jornais e revistas de grande circulação nacional sugerindo que a Presidenta Dilma corrigisse o acinte feito pelos deputados. 
Nesse contexto as redes sociais, muitos artistas e intelectuais formaram o coro “Veta, Dilma!”. É interessante notar que o movimento “Veta, Dilma!” seja anterior a aprovação do texto de reforma do Código Florestal na Câmara dos Deputados, denotando que os organizadores do movimento já percebiam como seria difícil vencer a cultura de produção a todo custo que está incrustada na mentalidade da bancada ruralista e de seus aliados. 
Dada às dificuldades, o caminho do movimento “Veta, Dilma!” foi de centrar energia no debate com a sociedade brasileira, espaço onde os ruralistas mostraram-se frágeis e sem capilaridade social. A estratégia mostrou-se acertada, pois em poucos dias uma discussão supostamente árida, técnica e que gera dúvidas até entre aqueles que já acompanham profundamente o assunto, ganhou audiência nas redes sociais por meio do “clic ativismo”. 
O movimento “Veta, Dilma!” se caracteriza por focar no apoio a presidenta Dilma para que ela saiba que terá o respaldo da sociedade para cumprir seu compromisso de campanha presidencial de impedir retrocessos no Código Florestal. 
O que se debate agora é o alcance e a profundidade do veto, pois há os que defendem que Dilma vete os “excessos” cometidos na Câmara e retorne ao texto acordado no Senado, visto como equilibrado e do consenso possível. E de outra parte, cresce a opinião de que as mudanças efetivadas na Câmara, ao anular os avanços feitos no Senado, torna inócua a tentativa do veto “cirúrgico” a pontos específicos. Desse modo, o mais adequado nessa ótica seria o veto integral ao texto do Código Florestal, sintetizada na insígnia “Veta tudo Dilma”. 
Independente do resultado e do alcance do veto, a sociedade brasileira sairá mais fortalecida, uma vez que em tempo algum se discutiu tanto a questão florestal e ambiental como agora e expressou sua insatisfação a grupos específicos que operam no legislativo. Quem sabe os “indignados” que povoam a Europa estejam chegando por aqui.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

REGUE E RECEBERÁ


Fernando Tolentino
Ninguém se arrependa de regar.
Se não colher a gratidão de deliciosos frutos,
o perfume e o sorriso alegre de formosas e delicadas flores,
a exuberância das folhas,
a robustez e segurança do tronco,
o abraço dos galhos,
a sombra, o frescor.
Terá colhido a lição da espera.
Se regou e não lhe foi dado esperar a beleza, o aroma, o sabor, o conforto,
não importa, terá oferecido amor.
12.05.2012

domingo, 6 de maio de 2012

ESCLARECIMENTO



Até hoje, venho postando textos assinados por mim e, também, de outros autores, sejam inéditos ou originalmente publicados em outros veículos. Ao fazê-lo, dava a referência de autoria sempre no rodapé.  
Vamos, a partir de hoje, dar a referência de autoria na abertura do texto, pois houve casos em que leitores desatentos me atribuíram textos de outros autores, o que é profundamente injusto para eles.

TEMA PROIBIDO (NA FOLHA DE SÃO PAULO)



A atitude é elogiável, pois inédita. Ao menos desde que a grande mídia brasileira encantou-se com o que resolveu chamar de jornalismo investigativo, assim chamado o de reportagens sobre denúncias políticas. 
O dedo – aliás os dedos, pois essas pautas são assumidas de forma uníssona, chegando a parecer que combinadas entre os diferentes editores – jamais fora voltado para a própria grande mídia. 
Daí a importância de elogiar o ombudsman da Folha de São Paulo. Antes, parlamentares que integram a CPMI que inicia a investigação sobre o rumoroso caso prometeram apurar as evidências de envolvimento do contraventor Carlinhos Cachoeira com repórteres, editores (e, chega-se a afirmar, dirigentes) de veículos de comunicação. Mas, agora, o ombudsman da Folha faz eco com a necessidade de que os órgãos de imprensa não desdenhem desses indícios. 
Ainda não se sabe como a advertência será vista pelos editores do jornal, mas a iniciativa é extremamente relevante. E, por isso, merece elogios. Mais: precisa de elogios, justamente para que não caia no conveniente esquecimento dos editores. Isso é indispensável para que os leitores tenham pelo menos clareza com relação ao produto que estão consumindo.  
Não é justo veículos de comunicação se escudarem na explicação de que “ter um corrupto como informante não nos corrompe”.  
É claro que não cabe, necessariamente, desprezar criminosos e contraventores enquanto fontes de notícias.  
A questão não essa e reduzir o debate a isso é esgueirar-se pra longe do que se põe em evidência.  
Inadmissível é ter corruptos, criminosos e contraventores como fontes preferenciais, creditar-lhes confiança irrestrita, tentar transformá-las em exemplares inquestionáveis de honradez.  
Inimaginável é aceitar que corruptos, criminosos e contraventores ganhem o status de pauteiros, sejam eles e não as redações dos veículos de comunicação a decidir o que deve (e o que não deve) ser publicado. 
Pior que tudo isso é se (Deus livre os leitores e telespectadores brasileiros disso!) veículos de comunicação chegam a ter negócios ou pelo menos aceitar vantagens de corruptos, criminosos e contraventores.

TEMA PROIBIDO

Suzana Singer


A imprensa deve revelar sua relação com o bicheiro para que o leitor decida o que é eticamente aceitável.
A imprensa tem-se mostrado ágil e eloquente na publicação de qualquer evidência de envolvimento com o superbicheiro de Goiás, Carlos Cachoeira. Já se levantaram suspeitas sobre governadores, senadores, deputados, policiais, empresários, mas reina um silêncio reverente no que tange à própria mídia.
O sujeito nem precisa ter sido pego em conversa direta com Cachoeira, uma citação ao seu nome é suficiente para virar notícia – na semana passada, por exemplo, a Folha destacou uma tentativa de lobby no Ministério da Educação.
Já menções à imprensa, na grande imprensa, têm sido quase ignoradas. A Folha, que tem ombudsman para publicar o que a Redação menospreza, aparece em dois grampos, nada comprometedores.
Num diálogo, Cachoeira comenta nota do Painel, de 7 de julho de 2011, em que o deputado federal Sandro Mabel, de Goiás, nega ser a fonte das denúncias que derrubaram o ministro dos Transportes. O bicheiro se diverte e diz que foi o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) quem espalhou isso em Brasília.
Em outra conversa, o contraventor e Claudio Abreu, na época diretor da Delta, tentam evitar a publicação de uma reportagem. Primeiro, Abreu diz que “nós tamos bem lá”, mas depois lamenta não ter contato no jornal. “Queria alguma relação com a Folha.”
A Secretaria de Redação não identificou o assunto que incomodou a empreiteira, mas diz que, após o tal telefonema, “a Folha publicou duas reportagens críticas à Delta: uma falando de sobrepreço em reforma no Maracanã e outra sobre paralisação de obra em Cumbica”.
A “Veja”, que aparece várias vezes nos grampos, publicou apenas um diálogo em que é citada e colocou, no on-line, uma defesa de seus princípios (“Ética jornalística: uma reflexão permanente”). O artigo, do diretor de Redação, afirma que “ter um corrupto como informante não nos corrompe” e lembra ao leitor que “maus cidadãos podem, em muitos casos, ser portadores de boas informações”. Cabe ao jornalista avaliar “se o interesse público maior supera mesmo o subproduto indesejável de satisfazer o interesse menor e subalterno da fonte”.
Trocando em miúdos: mesmo sendo uma pessoa inidônea, Cachoeira pode ter fornecido à revista dados valiosos, que levaram a importantes denúncias de corrupção.
Do que veio a público até o momento, não há nada de ilegal no relacionamento “Veja”-Cachoeira. O paralelo com o caso Murdoch, que a blogosfera de esquerda tenta emplacar, soa forçado, porque, no caso inglês, há provas de crimes, como escutas ilegais e a corrupção de policiais e autoridades.
Não ser ilegal é diferente, porém, de ser “eticamente aceitável”. Foram oferecidas vantagens à fonte? O jornalista sabia como as informações eram obtidas? Tinha conhecimento da relação próxima de Cachoeira com o senador Demóstenes? Há muitas perguntas que só podem ser respondidas se todas as cartas estiverem na mesa.
É preciso divulgar os diálogos relevantes que citem a imprensa. A Secretaria de Redação diz que tem “publicado reportagens a respeito, quando julga que há notícia”. “Na sexta, entrevista com o relator da CPI tratava do tema e estava na Primeira Página. Já em abril havia reportagem de Brasília e colunistas escreveram a respeito”, afirma.
É pouco. Grampos mostram que a mídia fazia parte do xadrez de Cachoeira. Que essa parte do escândalo seja tratada sem indulgência, com a mesma dureza com que os políticos têm sido cobrados. Permitir-se ser questionado, jogar luz sobre a delicada relação fonte-jornalista, faz parte do jogo democrático.

* Folha (ombudsman) - 06.05.2012