terça-feira, 26 de julho de 2016

ELITES ARRISCAM DESTRUIÇÃO DO PAÍS PARA RETOMAR TERRITÓRIO



Sob o título ESCRACHO, Eleonora de Lucena assina um artigo impecável na edição da Folha de São Paulo, em que analisa a terrível opção das elites econômicas, que buscam retomar o governo e parecem não perceber que dão um tiro no próprio pé. Segundo a jornalista, a atitude é recorrente na História do Brasil.
“Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo.”

Eleonora de Lucena
A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país.
Não é a primeira vez. No século 19, ficou atolada na escravidão, adiando avanços. No século 20, tentou uma contrarrevolução, em 1932, para deter Getúlio Vargas. Derrotada, percebeu mais tarde que havia ganho com as políticas nacionais que impulsionaram a industrialização.
Mesmo assim, articulou golpes. Embalada pela Guerra Fria, aliou-se a estrangeiros, parcelas de militares e a uma classe média mergulhada no obscurantismo. Curtiu o desenvolvimentismo dos militares. Depois, quando o modelo ruiu, entendeu que democracia e inclusão social geram lucros.
Em vários momentos, conseguiu vislumbrar as vantagens de atuar num país com dinamismo e mercado interno vigoroso. Roberto Simonsen foi o expoente de uma era em que a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) não se apequenava.
Os últimos anos de crescimento e ascensão social mostraram ser possível ganhar quando os pobres entram em cena e o país flerta com o desenvolvimento. Foram tempos de grande rentabilidade. A política de juros altos, excrescência mundial, manteve as benesses do rentismo.
Quando, em 2012, foi feito um ensaio tímido para mexer nisso, houve gritaria. O grupo dos beneficiários da bolsa juros partiu para o ataque. O Planalto recuou e se rendeu à lógica do mercado financeiro.
Foi a senha para os defensores do neoliberalismo, aqui e lá fora, reorganizarem forças para preparar a reocupação do território. Encontraram a esquerda dividida, acomodada e na defensiva por causa dos escândalos. Apesar disso, a direita perdeu de novo no voto.
Conseguiu, todavia, atrair o centro, catalisando o medo que a recessão espalhou pela sociedade. Quando a maré virou, pelos erros do governo e pela persistência de oito anos da crise capitalista, os empresários pularam do barco governista, que os acolhera com subsídios, incentivos, desonerações. Os que poderiam ficar foram alvos da sanha curitibana. Acuada, nenhuma voz burguesa defendeu o governo.
O impeachment trouxe a galope e sem filtro a velha pauta ultraconservadora e entreguista, perseguida nos anos FHC e derrotada nas últimas quatro eleições. Privatizações, cortes profundos em educação e saúde, desmanche de conquistas trabalhistas, ataque a direitos.
O objetivo é elevar a extração de mais valia, esmagar os pobres, derrubar empresas nacionais, extinguir ideias de independência. Em suma, transferir riqueza da sociedade para poucos, numa regressão fulminante. Previdência, Petrobras, SUS, tudo é implodido com a conversa de que não há dinheiro. Para os juros, contudo, sempre há.
Com instituições esfarrapadas, o Brasil está à beira do abismo. O empresariado parece não perceber que a destruição do país é prejudicial a ele mesmo. Sem líderes, deixa-se levar pela miragem da lógica mundial financista e imediatista, que detesta a democracia.
Amargando uma derrota histórica, a esquerda precisa se reinventar, superar divisões, construir um projeto nacional e encontrar liderança à altura do momento.
A novidade vem da energia das ruas, das ocupações, dos gritos de “Fora, Temer!”. Não vai ser um passeio a retirada de direitos e de perspectiva de futuro. Milhões saborearam um naco de vida melhor. Nem a “teologia da prosperidade” talvez segure o rojão. A velha luta de classes está escrachada nas esquinas.
*Eleonora de Lucena é repórter especial da Folha 
e foi  Editora-executiva do jornal de 2000 a 2010. 26.07.2016

sexta-feira, 22 de julho de 2016

DUAS PRESEPADAS QUE PRETENDERAM SER NOTÍCIAS





O Brasil ainda tem muitos jornalistas do tempo em que os jornais se firmavam por sua credibilidade. Um negócio como o de banco: ao se trincar a confiança do público, é claramente colocada a iminência de extinção da empresa. Afinal, para que comprar informação se ela pode não ser verdadeira? Pior do que isso só se a notícia falsa for fruto de uma decisão editorial. É uma realidade do tempo em que a atividade jornalística era concorrencial, cada veículo buscando ser mais fidedigno.
Hoje, vemos jornais expostos em uma banca e temos a impressão de que foram editados conjuntamente. As mesmas manchetes e com destaque equivalente. O que dizer quando são matérias mentirosas?
Foi o que se deu nesta semana. Não quer dizer que a verdade estivesse com grande prestígio antes. Mas, agora, chegou a ser hilário.
A Folha publicou no domingo o que seriam os dados de pesquisa realizada por instituto vinculado à mesma empresa, o Datafolha. As gargalhadas com a repercussão levaram o instituto e o jornal a baterem cabeça, o Datafolha desmentindo a principal manchete, que deu o presidente provisório como um caso único no mundo, capaz de inverter expectativas negativas e fortes decepções, erguendo-se à condição de um líder de primeira grandeza em alguns dias sem que nada demonstrasse justificá-lo.
Alguém é capaz de imaginar que os pesquisadores da Datafolha só haviam entrevistado frequentadores de bares, em plena madrugada, quando o nível etílico já retirava qualquer traço de lucidez e coerência nas respostas.
Maldade?!
Como explicar? Só 8% queriam Temer como presidente definitivo em 25 de abril (Ibope), enquanto 60% preferiam que ele renunciasse após o “impeachment” de Dilma Rousseff. Antes de se completarem três meses de exercício provisório, metade do Brasil se ergue para reivindicar que ele não saia mais do cargo! Esse foi o inacreditável teor da manchete. Assim, sem nem ficar com a face corada.
Seria preciso crer no entusiasmo dos brasileiros com o anúncio da equipe ministerial: nenhum negro, nenhuma mulher, nenhum trabalhador; uma grande quantidade de políticos envolvidos em processos judiciais e inquéritos policiais; foi preciso afastar quatro em alguns dias de governo provisório; vários nomes de pessoas extremamente próximas de Eduardo Cunha. Ou talvez a sociedade tenha ficado extasiada com a possibilidade de só poder se aposentar aos 75 anos, com a perspectiva de ver o salário mínimo perder a garantia de compensação no mínimo da inflação e, com ele, o piso das aposentadorias.
É possível que a felicidade tenha se disseminado entre todos diante de decisões como não se realizar mais concursos ou congelar salários de servidores. Ou a enorme alegria por ver que a Petrobras perde o direito à exploração do Pré-Sal. E também a perda de garantia em um piso de despesas orçamentárias com saúde e educação. Para citar apenas algumas perversidades.
Ou ainda seriam os saltos nos preços do feijão, da carne, do arroz?
Teriam sido simpáticas à população notícias como o reajuste com média acima de 40% para juízes e servidores do Judiciário? Você acha? Ou uma alavancada de R$ 50 bilhões no déficit da União. Por último, a expansão dos financiamentos da Caixa Econômica para imóveis com valor de até R$ 3 milhões. Mas há quem alegue uma queda razoável no valor do dólar, permitindo melhores hotéis nas viagens para a Orlando...
De fato, a única explicação para tão alarmante deslize é a mal disfarçada tentativa de influir no ânimo de senadores que, daqui a alguns dias, vão decidir se consolidam a rasteira de Michel Temer em Dilma ou o devolvem ao merecido ostracismo.
Muito significativo foi o fato de os grandes órgãos nacionais de comunicação, além de pelo menos os maiores títulos jornalísticos de pelo menos todas as capitais abrirem as suas edições com a comemoração do assombroso feito: a metade dos brasileiros havia repentinamente se convertido em fervorosos temeristas (ou temerários, sei lá!), querendo que se mantenha no poder para o qual não foi eleito até o final do mandato de Dilma.
Ficou muito feio. Jornalistas brasileiros e estrangeiros que não estão sob controle desses meios apontaram o absurdo, nem sequer evitando o uso da palavra fraude.
Quem primeiro acusou o golpe foi a própria Datafolha. Luciana Schong, do instituto, disse que "qualquer análise desses dados que alegue que 50% dos brasileiros querem Temer como presidente seriam imprecisos, sem a informação de que as opções de resposta estavam limitadas a apenas duas." E entregou a Folha como responsável pelas perguntas a serem feitas aos entrevistados.
Na quinta-feira, a própria Folha assumiu timidamente o erro, com a alegação de que noticiou o que considerou mais jornalístico. Como se não percebesse que incorria em notável manipulação da opinião pública.
Era imperioso abafar a “barriga”.
Nada como uma grande manchete para jogar areia em cima do mal feito.
Os terroristas segundo Zé Simão
Imaginem! Faltando só 15 dias para o início das Olimpíadas do Rio de Janeiro, a Polícia Federal “desbaratou” um grupo de terroristas ligados ao EI, que planejava realizar um atentado durante os jogos. Chegara a hora de os serviços de segurança do “governo Temer” mostrarem a sua superioridade diante do mundo.
Que se curve a França, incapaz de conter esse tipo de barbárie, como ficou claro no massacre do Charlie Hebdo em janeiro de 2015 ou em Nice, neste mês. Ou a Bélgica, em março passado. Ou os Estados Unidos, com todo o seu poderio, vítima de terrível episódio em uma casa noturna de Orlando há pouco mais de um mês.
Tive que rir, lembrando uma piada do tempo de regime militar, em que venceria o serviço de segurança que mais rapidamente capturasse um coelho em um matagal. Teria vencido a nossa PF. Em 10 minutos, o agente saiu do mato com um gato que repetia seguidamente: “Eu sou um coelho”...

O terrorismo acabou virando piada na internet


Foi chocante como a prisão dos “terroristas” ocupou todas as manchetes de meios de comunicação (e aí permaneceu), em que foi tratada como se seriedade tivesse. Mesmo que, detalhe por detalhe, fosse ficando claro que, se não era apenas mais uma trapalhada, mal escondia a tentativa de se ganhar notoriedade internacional com uma ação policial sobre o que talvez não fosse muito mais do que uma brincadeira de rapazes irresponsáveis, buscando notoriedade em redes sociais.
O próprio ministro da Defesa despiu a versão do colega da Justiça: são “amadores”. Adiante, viria a evidência de que os rapazes sequer se conheciam. Embora houvesse dois entre os dez com passado criminal (nada vinculado a terrorismo ou ação política de qualquer espécie), os demais não podiam ser identificados como perigosos. Entre eles, um mero criador de galinhas. No máximo, podem ser “acusados” de simpatizantes do Estado Islâmico. É digno de nota que, a duas semanas dos jogos contra os quais atentariam, ainda falavam em comprar armas no Paraguai e fazer cursos de artes marciais!
Aproveitando elementos de vários conceitos, terrorismo é a prática de violência física ou psicológica com a finalidade de impor a vontade política de um grupo (ou governo) sobre amplos setores da sociedade, exercido com o objetivo de apropriar-se do poder ou mantê-lo sob o seu controle.
Se o conceito é adequado, a acusação de terrorista cabe mais em outros atores desse episódio que propriamente sobre os dez brasileiros “suspeitos de simpatizarem com o EI”.
Fernando Tolentino