terça-feira, 29 de junho de 2010

EM QUEM SE FIA SOFIA PRA FAZER ESSA TAL ESCOLHA?

Este é um texto que temos encaminhado aos militantes tucanos da internet. Ou quem – ingenuamente ou não – ajuda essa gente, reenviando os seus arquivos. Refere-se a um texto intitulado “A escolha de Sofia”, em que o autor declara o voto em José Serra, com a dissimulada alegação de que não é um voto nele, mas um voto anti-PT. Como Serra não agrada ninguém, tenha justificar seu voto como uma anti-escolha. Coisa de encomenda.
Há quem envie esse texto sem avaliar adequadamente o que está fazendo. Não entende o quanto está se expondo. Pensa que, para alguém, é uma atitude lógica essa história de “estou só reenviando; não quer dizer que concorde com o texto...” É até possível que alguém receba o texto assim, sem incorporar a quem encaminha o posicionamento do autor. Mas isso é rigorosamente uma exceção.
Ou você pode distribuir esse texto simplesmente porque encontrou um pretexto para votar em Serra. Se é assim, vote em Serra. Sem dó nem piedade. É um favor que lhe peço. Não vá perder seu tempo adotando outras opções, pois elas não refletem a sua forma de ver o mundo.
Mas não faça como o autor dessas linhas enviesadas. Diga que Serra é melhor, que é elegante, preparado, educado, culto, lindo...
Diga o que quiser, mas diga. Tenha a compostura de assumir que quer votar na direita e não precisa ficar atrás de desculpa pra isso. Esta é uma eleição plebiscitária. Vota-se para aprofundar as mudanças (com Dilma) ou para detê-las (com Serra). O meio termo é só um faz-de-conta.
Não faça de conta que enxerga os erros de Serra, porque, assim como o autor, você não os enxerga ou não os considera erros, mas rutilantes virtudes.
Pra começar, Serra já foi liderança estudantil, chegou a presidente da UNE (mas isso Marco Maciel, que frequenta os mesmos palanques, também foi), no tempo em que isso não significava necessariamente uma opção por uma sociedade igualitária. Antes do regime militar. Era de Ação Popular, antes de AP fazer a opção de luta pelas classes mais desfavorecidas, pelos explorados da sociedade.
Mas, é forçoso reconhecer que a organização em que Serra militou – Ação Popular – veio, depois, sim, a fazer o enfrentamento com a ditadura militar. Aliás, a AP é dada como responsável pelo Atentado de Guararapes (25 de julho de 1966), primeira ação armada contra a ditadura. Uma bomba explodiu no saguão do
Aeroporto Internacional do Recife quando ali deveria estar desembarcando o general Arthur da Costa e Silva, que viria a ser tornar presidente da República. Morreram o jornalista Edson Régis de Carvalho e o almirante Nelson Gomes Fernandes, ferindo-se outras 13 pessoas.
Ninguém vai querer insinuar que, entretanto, José Serra foi terrorista, como o insidioso texto sugere com relação a Dilma, por se atribuir à organização de que ela fez parte a responsabilidade por ações armadas. Ela não participou disso. Nem ela, nem Serra.
Por isso, engana-se quem diz que Serra saiu do Brasil para fugir do regime militar. Não fugiu de nada. Serra nunca foi perseguido. Ele apenas resolveu morar no exterior. O regime militar perseguiu muita gente elitista como ele quando recrudesceu a violência: Carlos Lacerda, Ademar de Barros, até Magalhães Pinto.
Depois, voltou. E, como na época era distinto dizer-se pelo menos social-democrata, subiu em vários palanques libertários. Só isso.
Hoje, é conhecido por colocar a polícia na rua com a missão determinada de espancar professores, infiltrando policiais no movimento deles, além de descumprir acordo firmado com o próprio presidente da República e sequer receber a presidente da entidade representativa da categoria.
É o candidato adequado para quem tem horror a movimentos de trabalhadores, gente protestando na rua, suada, gritando palavras de ordem.
Para quem prefere os que marcam audiências fechadas, longe de testemunhas, para defender seus interesses superiores, usando para isso assessorias, lobbies, etc. Nas audiências, com modos recatados, mas o dedo em riste, mostra que nada deve mudar. Quem devem continuar prevalecendo os interesses das "classes produtoras". Assim chamados os grandes fazendeiros (aqueles que nunca pagam impostos e conseguem jogar nos seguros bancários os empréstimos que não querem pagar), a classe exportadora, os industriais, os representantes de multinacionais, os banqueiros (essa gente “impoluta”), os grandes comerciantes e atravessadores. Sim, e a classe média alta, metida a rica, sempre que der.
Porque eleição é pra isso. Vota de um lado quem tem compromissos com a maioria da população. Se é um despossuído, vota por isso. Se não é, vota porque tem motivação para, mesmo perdendo um pouquinho, ajudar a promover o bem-estar de mais gente.
Vota do outro lado quem quer manter um enorme contingente de desempregados, pois, se não houver desempregados, os salários podem subir muito. Quem quer manter milhões de trabalhadores sem a carteira assinada, pois esses trabalhadores têm muito mais medo dos patrões e, assim, se tornam dóceis, submissos. Quem quer arrochar servidores públicos e, sempre que possível, reduzir o número deles, para aumentar o superávit, tão necessário para os que sempre estiveram pendurados no governo. Quem não quer políticas compensatórias, distribuição de bolsas para os que nada têm, pois sobraria dinheiro para abastecer as contas dos milionários do PROER, do seguro agrícola e outros mecanismos voltados para compensar riscos das classes abastadas. Quem não quer trabalhadores na política ou quaisquer outros cargos decisórios de quaisquer dos poderes. E os que não percebem nada disso e são manobrados pelos que não querem reforma política e gastam fortunas em eleições.
Se realmente é isso, não deixe também de mandar textos que ajudem a campanha de Serra, mesmo quando souber que obviamente (como quase sempre) saíram dos laboratórios da assessoria contratada para fazer a guerra da internet. Assessoria que vem executando fielmente a missão de inventar mentiras, falsificar documentos, espalhar intrigas. O que importa? O fim justifica os meios.
Como este. Parece incrível tentar-se identificar o autor como alguém não alinhado com a política tucana, mesmo revelando-se que se trata de um membro-fundador do Instituto Millenium. Seu curriculum, portanto, pode até ser extenso, mas, pelo menos para mim, nada tem de respeitável. No texto não deixa dúvidas, ao identificar limites éticos no PSDB e alegar que o PT aparelhou os três poderes da República. Não sei onde ele vivia quando da nomeação de Gilmar Mendes para o Supremo Tribunal Federal.
Esse tipo de arquivo pode ser mandado para quem prefere o Serra e sua gente. Para quem acredita nele. Ou não acredita, mas prefere fingir que sim. Pode manda-lo tamabém para os muito ingênuos. Ainda há por aí.
Poupe os demais, pelo menos para desperdiçar o seu próprio esforço ao espalhar invencionices que já não enganam ninguém.
Fernando Tolentino e Vanessa Ottoni de Brito (28 de junho de 2010)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

INDÚSTRIA NAVAL RENASCE DAS CINZAS

Luiz Inácio Lula da Silva*

A indústria naval brasileira chegou a ser a segunda maior do mundo, empregando, em 1979, 39 mil trabalhadores. Nas décadas seguintes, quando os navios e plataformas de exploração passaram a ser importados, o setor começou a definhar até quase virar pó, com o número de empregados caindo para 1,9 mil, no ano de 2000. Hoje, no entanto, a indústria naval está renascendo das cinzas. O setor já superou em muito o número de empregados da época áurea, empregando atualmente 46,5 mil trabalhadores.
Esta reviravolta fantástica está sendo proporcionada sobretudo pelo Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), um dos principais projetos do PAC. As encomendas do Promef somam 49 navios de grande porte. As premissas do Promef são de que os navios devem ser construídos no Brasil e com índice de nacionalização de 65% na primeira fase e de 70% na segunda, além da exigência de que sejam competitivos internacionalmente.
No mês passado, nós participamos do lançamento ao mar do primeiro navio concluído: o João Cândido, construído pelo Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, com 274 metros de comprimento, duas vezes e meia a distância de uma trave à outra do campo do Maracanã. Na última quinta-feira, o segundo navio, o Celso Furtado, foi lançado ao mar no Estaleiro Mauá, em Niterói, no Rio de Janeiro. Nós estamos resgatando uma tradição cara ao nosso país, uma vez que este estaleiro foi fundado em 1846 pelo Barão de Mauá, pioneiro da indústria naval e do desenvolvimento industrial do nosso país.
A grande maioria dos trabalhadores do Atlântico Sul ganhava a vida como pescador, cortador de cana ou doméstica. Todos eles receberam formação em três fases, até a qualificação final para as atividades de soldador, caldeireiro, mecânico, montador e pintor. Não há nada que pague ver a expressão de felicidade estampada no rosto dos trabalhadores, pessoas que jamais imaginaram que um dia seriam capazes de construir um verdadeiro monumento, como é o navio João Cândido.
A retomada da indústria naval é irreversível. Além das encomendas atuais, não é difícil imaginar quantas encomendas serão geradas com o início da exploração do pré-sal. Além da revitalização dos antigos estaleiros e da construção, por exemplo, do Atlântico Sul, o Estaleiro Aliança, de Niterói, vai construir uma nova unidade em São Gonçalo (RJ); o Estaleiro Rio Grande, em Rio Grande (RS), construirá oito cascos de navios-plataforma para a Petrobras, e o grupo Wilson Sons anunciou, na semana passada, a construção de outro estaleiro na mesma cidade. Outros quatro serão instalados no país, para atender à demanda crescente: Paraguaçu, na Bahia, Eisa, em Alagoas, Promar, no Ceará ou Pernambuco, e Corema, em Manaus. Os reflexos desta verdadeira explosão da indústria naval estão se espraiando por toda a economia e beneficiando, direta ou indiretamente, todos os brasileiros.
*Presidente da República Federativa do Brasil

domingo, 27 de junho de 2010

Democratizar o dinheiro, a terra, a palavra

O problema maior da transição da ditadura à democracia no Brasil é que a democracia se restringiu ao sistema político. Não foram democratizados pilares fundamentais do poder na sociedade: terra, bancos, meios de comunicação, entre outros.
O Brasil da democracia teve assim elementos fortes de continuidade com o da ditadura. A política de meios de comunicação, por exemplo, nas mãos de ACM, o ministro de Sarney, completou a distribuição clientelística de canais de radio e televisão e favoreceu a consolidação do monopólio da Globo – os próprios Sarney e ACM, proprietários de emissoras ligadas à rede da Globo.
Não se avançou na reforma agrária, nem foi tocado o sistema bancário. É como se a ditadura tivesse sido apenas uma deformação de caráter político aos ideais democráticos. Mas nem os agentes imediatos do golpe e sujeitos políticos do regime – as FFAA – foram punidos. Como se tivesse sido “um mal momento”, até mesmo “um mal necessário”, como diriam as elites políticas tradicionais, que seguem por ai.
No entanto o golpe e a ditadura foram extraordinariamente funcionais ao capitalismo brasileiro. O processo que se desenvolvia de democratização política, econômica e social do país não interessava nem aos capitais estrangeiros, nem aos grandes capitais brasileiros. Estes, concentrados em áreas monopólicas, não se interessavam no enorme mercado popular urbano que o aumento sistemático do poder aquisitivo dos salários propiciava, nem no mercado popular rural, a que a reforma agrária apontava.
O eixo da indústria automobilística no setor do grande capital industrial e outros setores que produziam para os setores da classe média, para a burguesia e para a exportação, se coligaram com os golpistas no plano político, para impor, mediante o golpe, um modelo que atacava duramente o poder aquisitivo dos salários.
O golpe os atendeu imediatamente, com intervenção em todos os sindicatos e com a política de arrocho salarial. Foi uma “lua-de-mel” para os empresários, uma super exploração do trabalho, mais de uma década sem aumento de salários, sem negociações salariais. Bastaria isso para entender o caráter de classe do golpe e do regime e militar.
A dura repressão aos sindicatos e a todas as formas de organização do movimento popular contaram com o beneplácito do silêncio dos órgãos de comunicação, que pregaram o golpe e apoiaram a instalação do regime de terror que comandou o país por mais de duas décadas.
A democracia reconheceu o que os trabalhadores – com os do ABC na linha de frente – haviam conquistado: a legalização da luta sindical, junto ao direito de existência de centrais sindicais, a legalização dos partidos, o direito de organização dos movimentos populares, entre outras conquistas.
Mas os pilares do poder consolidado pela ditadura ficaram intocados. Ao contrário, seu poder monopólico sobre a terra, o sistema bancário, os meios de comunicação, se fortaleceram.Esses temas ficam pendentes: quebrar o monopólio do dinheiro, da terra e da palavra – como algumas das grandes transformações estruturais que o Brasil precisa para construir uma sociedade econômica, social, política e culturalmente democrática.
Emir Sader - 17/06/2010

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Como não ficou bastante clara a versão eletrônica da Lembrança, estou postando os textos dos poemas (haicais) que a integram:

De Oldegar Franco Vieira *(escritos aos 25 anos):

INCÓGNITA
Onde estais, meu DEUS?
Creio que estais na umidade
dos meus olhos.
SAUDADE
Seu corpo enriquece
a terra. E a saudade
é a flor que floresce.
Meus (Escritos em 23 de junho de 2010)
À BEIRA DO LEITO
Que belos momentos
ver ao menos um sorriso
afstar sua dor.
GRATIDÃO
À mãe-enfermeira
um pouco os filhos deram
no último momento.

* Um dos introdutores, no Brasil (livro Folhas de Chá), dos haicais, gênero de poesia originário do Japão, composto de três versos (um pentassílabo, um heptassílabo e um pentassílabo).

Lembrança da Missa de Sétimo de Didi


domingo, 20 de junho de 2010

sábado, 19 de junho de 2010

Didi, uma grande mulher




Era 1942 e fervia a 2ª. Grande Guerra. O Brasil ainda não entrara no conflito, o que só ocorreria em agosto, após o torpedeamento de navios brasileiros, supostamente por submarinos alemães. O mar era considerado um espaço minado, de modo que, à noite, as luzes externamente visíveis dos navios eram apagadas para que eles não se tornassem alvos fáceis para aviões ou submarinhos das nações em guerra.
Foi assim que a jovem Didi (Edith Tolentino de Souza Vieira) deixou a sua cidade, Florianópolis, e se transferiu para o Rio de Janeiro, então capital do País. Ali estudaria Enfermagem na respeitada Escola Ana Nery, juntamente com a sua irmã mais nova, Lulu (Maria de Lourdes), que viajou de avião.
As enfermeiras eram profissionais indispensáveis aos países em guerra, tanto que o Brasil concederia patentes de oficiais às que participaram do apoio às tropas. A possibilidade não atemorizou as irmãs. Na conclusão do curso, assumiram destinos que, à época, poderiam ser tidos como tão inóspitos quanto uma batalha. Lulu foi iniciar-se na enfermagem em Manaus, no centro da floresta amazônica. Didi aceitou o convite para trabalhar com saúde pública em Porto Velho, capital do então Território do Guaporé (atual Rondônia).
Para quem deixara a família em Florianópolis, quase extremo sul do Brasil, em plena região temperada, viver em uma pequena cidade da Amazônia, com temperaturas em torno de 40 graus, onde a malária era endêmica e apenas se anunciavam os primeiros sinais de um incipiente progresso, era uma notável aventura. Muito maior considerando-se a época, inclusive ainda durante o transcorrer da Guerra (1944), e que mesmo viver sem a família já era decisão impensável para uma mulher.
Quem chegou à Escola Ana Nery, procurando jovens recém-diplomadas para ali iniciar um programa de saúde pública, foi o diretor de Educação e Cultura do Território, o baiano Oldegar Franco Vieira. Dois anos depois, os dois se casariam, a família de Didi representada pelo cunhado, Francis, recém-casado com Lulu, que conhecera em Manaus.
Em 1946, veio a transferência para a Bahia e o primeiro filho, Paulo (que levara para nascer em Florianópolis). Didi chegou a Salvador como uma sulista desconhecida. Era tida apenas como a mulher com quem se casara Oldegar. Ele deixara a Bahia pouco depois de concluir o seu curso de Direito, para viver no Rio de Janeiro. Logo, Didi se tornou enfermeira do Hospital das Clínicas, no período em que o Reitor Edgar Santos organizava a Universidade Federal da Bahia.
Em 1948, vim eu, também devidamente levado para nascer em Florianópolis.
A rápida afirmação profissional de Didi junto ao excelente corpo clínico do Hospital, formado pelos professores do mais antigo curso de medicina do Brasil, não impediu que se inscrevesse para a primeira turma do curso de Nutrição. Concluído o curso, passou a integrar a corpo docente da Escola de Nutrição.
Adiante, daria mais uma mostra de ousadia, ao deixar Oldegar e os dois filhos adolescentes em Salvador, em plena efervescência de 1968, para fazer sua pós-graduação no México. Posteriormente, viria a ser a primeira nutricionista a dirigir uma Escola de Nutrição no Brasil.
Foi uma surpresa quando, em 1975, ainda diretora da Escola, resolveu aposentar-se e recolher-se ao lar, cuidar de Oldegar e fazer a alegria de netos e bisnetos. Foi nessa condição que acompanhou Oldegar durante os seus cinco anos de cegueira e, finalmente, a moléstia que lhe tirou a vida, também com 91 anos.
Didi faleceu nesta quinta-feira, 17 de junho, quase quatro anos depois de Oldegar, após sucessivas batalhas contra o câncer.
Fernando Tolentino de Sousa Vieira (jornalista, administrador público e filho de Edith)

NO BRASIL, FUTEBOL É RELIGIÃO

Os meninos da Vila pisaram na bola. Mas prefiro sair em sua defesa. Eles não erraram sozinhos. Fizeram a cabeça deles. O mundo religioso é mestre em fazer a cabeça dos outros. Por isso, cada vez mais me convenço que o Cristianismo implica a superação da religião, e cada vez mais me dedico a pensar nas categorias da espiritualidade, em detrimento das categorias da religião.
A religião está baseada nos ritos, dogmas e credos, tabus e códigos morais de cada tradição de fé. A espiritualidade está fundamentada nos conteúdos universais de todas e cada uma das tradições de fé.
Quando você começa a discutir quem vai para céu e quem vai para o inferno; ou se Deus é a favor ou contra à prática do homossexualismo; ou mesmo se você tem que subir uma escada de joelhos ou dar o dízimo na igreja para alcançar o favor de Deus, você está discutindo religião. Quando você começa a discutir se o correto é a reencarnação ou a ressurreição, a teoria de Darwin ou a narrativa do Gênesis, e se o livro certo é a Bíblia ou o Corão, você está discutindo religião. Quando você fica perguntando se a instituição social é espírita kardecista, evangélica, ou católica, você está discutindo religião.
O problema é que toda vez que você discute religião você afasta as pessoas umas das outras, promove o sectarismo e a intolerância. A religião coloca de um lado os adoradores de Allá, de outro os adoradores de Yahweh, e de outro os adoradores de Jesus. Isso sem falar nos adoradores de Shiva, de Krishna e devotos do Buda, e por aí vai. E cada grupo de adoradores deseja a extinção dos outros, ou pela conversão à sua religião, o que faz com que os outros deixem de existir enquanto outros e se tornem iguais a nós, ou pelo extermínio através do assassinato em nome de Deus, ou melhor, em nome de um deus, com ‘d’ minúsculo, isto é, um ídolo que pretende se passar por Deus.
Mas, quando você concentra sua atenção e ação, sua práxis, em valores como reconciliação, perdão, misericórdia, compaixão, solidariedade, amor e caridade, você está no horizonte da espiritualidade, comum a todas as tradições religiosas. E quando você está com o coração cheio de espiritualidade, e não de religião, você promove a justiça e a paz. Os valores espirituais agregam pessoas, aproxima os diferentes, faz com que os discordantes no mundo das crenças se deem as mãos no mundo da busca de superação do sofrimento humano, que a todos nós humilha e iguala, independentemente de raça, gênero, e inclusive religião.
Em síntese, quando você vive no mundo da religião, você fica no ônibus. Quando você vive no mundo da espiritualidade que a sua religião ensina – ou pelo menos deveria ensinar, você desce do ônibus e dá um ovo de páscoa para uma criança que sofre a tragédia e miséria de uma paralisia mental.


Ed René Kivitz, cristão, pastor evangélico Igreja Batista de Água Branca (São Paulo), e santista desde pequenininho.”

terça-feira, 1 de junho de 2010

A DIREITA, ENFIM, ACHOU SEU CANDIDATO

EDITORIAL
Carta Maior

“A questão”, ponderou Alice, “é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem tantas coisas diferentes”.
“A questão”, replicou Humpty Dumpty, “é saber quem é que manda. É só isso”.
Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas (cap.6).
As declarações do ex-governador de São Paulo e pré-candidato do PSDB à presidência da República, José Serra, acusando o governo boliviano de ser “cúmplice de traficantes”, além de levianas e irresponsáveis, podem acabar se voltando contra o próprio autor. Pela lógica da argumentação de Serra, não seria possível a exportação de cocaína a partir da Bolívia sem a conivência e/ou participação das autoridades daquele país. Bem, se é assim, alguém poderia dizer também que Serra é cúmplice do PCC (Primeiro Comando da Capital), da violência e do tráfico de drogas em São Paulo. “Você acha que toda violência e tráfico de drogas em São Paulo seria possível se o governo de lá não fosse cúmplice?” – poderia perguntar alguém, parafraseando Serra.Neste mesmo contexto, cabe lembrar ainda as declarações do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadia, preso em 2007 no Brasil, que, em um depoimento à Justiça Federal em São Paulo, disse: “Para acabar com o tráfico de drogas em São Paulo, basta fechar o Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos)”. As denúncias de um traficante valem o que ele vale. Neste caso valeram, ao menos, o interesse da Justiça Federal em investigar a possibilidade de ligação entre o tráfico de drogas e a corrupção policial, possibilidade esta que parece não habitar o horizonte de Serra. O pré-candidato foi governador de São Paulo, mas afirma não ter nada a ver com isso. A culpa é da Bolívia.Há método na aparente loucura do pré-candidato do PSDB. O fato de ter repetido as acusações levianas contra o governo de um país vizinho – e amigo, sim – do Brasil mostra que Serra acredita que pode ganhar votos com elas. Trata-se de um comportamento que revela traços interessantes da personalidade do pré-candidato e da estratégia de sua candidatura. Em primeiro lugar, mostra uma curiosa seletividade geográfica: em sua diatribe contra governos latino-americanos, Serra esqueceu de acusar a Colômbia como “cúmplice do narcotráfico”. Esquecimento, na verdade, que expõe mais ainda o caráter leviano da estratégia. Trata-se, simplesmente, de atacar governos considerados “amigos” do governo brasileiro.Em segundo lugar, mostra uma postura irresponsável do pré-candidato, tomando a palavra aí em seu sentido literal, a saber, aquele que não responde por seus atos. Antes de apontar o dedo acusador para o governo de um país vizinho, Serra poderia visitar algumas ruas localizadas no centro velho de São Paulo que foram tomadas por traficantes e dependentes de drogas. Serra já ouviu falar da Cracolândia? Junto com a administração Kassab, um governo amigo como gosta de dizer, fez alguma coisa para resolver o problema? Imagine, Sr. Serra, 200 pessoas sob o efeito do crack gritando sob a sua janela, numa madrugada interminável ... Surreal? Na Cracolância é normal. E isso ocorre na sua cidade, não na Bolívia. Ocorre na capital do Estado onde o senhor foi eleito para governar e trabalhar para resolver, entre outros, esse tipo de problema. Mas é mais fácil, claro, acusar outro país pelo problema, ainda mais se esse outro país for governado por um índio. E aí aparece o terceiro e mais perverso traço da estratégia de Serra: um racismo mal dissimulado. Quem decide apostar na estratégia do vale-tudo para ganhar um voto não hesita em dialogar com toda sorte de preconceito existente em nossa sociedade. Acusar o governo de Evo Morales de ser cúmplice do tráfico, além de ignorar criminosamente os esforços feitos atualmente pelo governo boliviano para combater o tráfico, aposta na força do preconceito contra Evo Morales, que já se manifestou várias vezes na imprensa brasileira por ocasião das disputas envolvendo o gás boliviano. Apostando neste imaginário perverso, acusar um índio boliviano de ser cúmplice do tráfico de drogas parece ser “mais negócio” do que acusar um branco de classe média que sabe usar boas gravatas. Alguém com Álvaro Uribe, por exemplo...E, em quarto, mas não menos importante lugar, as declarações do pré-candidato tucano indicam um retrocesso de proporções gigantescas na política externa brasileira, caso fosse eleito presidente da República. Mais uma vez aqui, há método na loucura tucana. Não é por acaso que essas declarações surgem no exato momento em que o Brasil desponta como um ator de peso na política global, defendendo o caminho do diálogo e da negociação ao invés da via das armas, da destruição e da morte. Como assinala José Luís Fiori em artigo publicado nesta página:A mensagem foi clara: o Brasil quer ser uma potencia global e usará sua influência para ajudar a moldar o mundo, além de suas fronteiras. E o sucesso do Acordo já consagrou uma nova posição de autonomia do Brasil, com relação aos Estados Unidos, Inglaterra e França (...) O jornal O Globo foi quem acertou em cheio, ao prever - com perfeita lucidez - na véspera do Acordo, que o sucesso da mediação do presidente Lula com o Irã projetaria o Brasil, definitivamente, no cenário mundial. O que de fato aconteceu, estabelecendo uma descontinuidade definitiva com relação à política externa do governo FHC, que foi, ao mesmo tempo, provinciana e deslumbrada, e submissa aos juízos e decisões estratégicas das grandes potências.As últimas linhas do texto de Fiori resumem o que está por trás da estratégia de Serra de chamar o Mercosul de “farsa”, de acusar o governo da Bolívia de cumplicidade com o tráfico, de criticar a iniciativa do governo brasileiro em ajudar a evitar uma nova guerra no Oriente Médio. Curiosa e tristemente, essa estratégia, entre outros lamentáveis problemas, sofre de um atraso histórico dramático. Para azar de Serra e sorte do Brasil e do mundo, a doutrina Bush chegou ao fim. No dia 27 de maio, o governo dos EUA anunciou sua nova doutrina de segurança nacional que abandonou o conceito de “guerra preventiva” como elemento definidor da estratégia da política externa norte-americana. Algum assessor com um mínimo de lucidez e informação bem que poderia avisar ao pré-candidato tucano dasmudanças que estão em curso no mundo, especialmente do final da era Bush. Mas se ele decidiu abraçar por inteiro a agenda da direita no Brasil, na América Latina e nos Estados Unidos, faz sentido lutar pela restauração da velha ordem. Pode-se dizer, então, que, enfim, a direita achou um candidato à presidência do Brasil.
28/05/2010