sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

VITÓRIA E PERDA (SENTIMENTOS DE ONTEM)


Hoje, tive a oportunidade de viver dois sentimentos contraditórios, ambos à tarde.

Ainda por volta da hora do almoço, o primeiro. A notícia, esperada, mas, ainda assim, triste, capaz de trazer uma enorme nostalgia de momentos distantes, maravilhosos, perdidos. A perda de Tia Bitina, figura querida, bela, doce, envolvente, companheira e cúmplice do saudosíssimo Tio Herval.

No final da tarde, fui à UnB e testemunhei a defesa de dissertação de mestrado de Vinicius, meu caçula, agora Mestre em Matemática. Cheguei com um atraso de dois minutos e atribuo a isso o fato de não ter entendido praticamente nada. Ali mesmo tive o prazer de conhecer símbolos de que sequer suspeitava. Equações, então! Corolários, teoremas, lemas, uma infinidade de raciocínios, emoldurados pelos nomes de teóricos de que jamais ouvi falar. Mas é impressionante! Aquilo soou como música aos meus ouvidos orgulhosos de pai.

A explicação estava ali sentada, uma banca formada por três professores (dois da própria UnB), doutores, sabidos que só, mas quase imberbes, dois com caras quase que de moleques, um (o norteamericano) de bermudas e rabo de cavalo, apens um com os primeiros fios brancos na cabeça.

Essa situação intermediária, entre Vinicius (de um lado), eu (do outro), Tia Bitina (bem mais adiante), explica a vida.

Só coisas assim pra explicar como, no meio do caminho, posso chorar ao mesmo tempo lágrimas tão diferentes!

Fernando Tolentino

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

EM DEGRADÉ


Algumas preciosidades morrem baixinho, em dégradé. Como morrem as tardes. Como morrem as flores. Como morrem as ondas. Quando a gente percebe, já é noite e o céu, se está disposto a falar, diz estrelas. Quando a gente percebe, as pétalas já descansam o seu sorriso no colo do chão. Quando a gente percebe, o canto da onda já enterneceu a areia. Muitas dádivas que nos encontram, que nos encantam, têm seu tempo de viço, sua hora de recado, e seu momento de transformação em outro jeito de lindeza.
A noite também é bela do jeito dela. As pétalas caídas viram húmus para fertilizar o solo que dirá a vez de outras flores sorrirem. A areia molhada conta a canção da onda e da sua acolhida terna para a nossa vida descalça. Lutar contra a impermanência da cara das coisas é feito tentar prender o azul macio das tardes, segurar o viço risonho das flores, amordaçar as ondas. É inútil.
Costumamos esquecer que não podemos impedir a mudança: tudo dança a coreografia sábia e implacável da impermanência. Mas a música daquilo que verdadeiramente nos toca com amor, não importa o quanto tudo mude - e tudo muda -, não deixa nunca mais de tocar e viver, de algum jeito, no nosso coração.

Ana Jácomo
Cheiro de flor quando ri (textos de Ana Jácomo),
anajacomo.blogspot.com, 30 de janeiro de 2011.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

UM CONSELHO PARA AGNELO



"A democracia pressupõe controles sociais para que as ditaduras não se estabeleçam. Não há que se falar em censura ou ameaça à liberdade de expressão quando o que se quer é participação da sociedade na execução e monitoramento de políticas públicas"

Romário Schettino *

Não há dúvida que o movimento pela democratização dos meios de comunicação ganhou mais espaço na sociedade brasileira após a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro de 2009, em Brasília. Dela participaram governo, trabalhadores, movimentos sociais e uma parte dos empresários.

Hoje, é possível afirmar que a disputa entre conservadores e progressistas em torno desse tema é de conhecimento de quase todos. Essa divulgação não se deu por causa dos tradicionais meios controlados pelos grandes oligopólios, que boicotam ou distorcem o debate, mas, sobretudo, pela tomada de consciência da população, estimulada pelas chamadas mídias alternativas – blogs, sites e redes sociais na internet.

A resistência cega à idéia de conselho de comunicação por parte de certos empresários não corresponde à realidade que se impõe, especialmente com relação à mídia eletrônica, que é uma concessão pública. A democracia pressupõe controles sociais para que as ditaduras não se estabeleçam. Assim, não há que se falar em censura ou ameaça à liberdade de expressão quando o que se quer é participação da sociedade na execução e monitoramento de políticas públicas.

Dentre as mais de 600 proposições aprovadas na Confecom, uma, com certeza, mobiliza mais que as outras por se tratar da base motivadora do processo de mudanças conceituais e políticas. Ou seja, a proposta de criação de conselhos de comunicação social nos diferentes níveis da federação.

O modelo preconizado na Confecom não é diferente de outros conselhos existentes no Brasil. Ou seja, devem ser instâncias de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações; devem ser vinculados ao Poder Executivo e devem ser compostos por representantes do poder público, da sociedade civil e da classe empresarial.

Desde que a Constituição Federal instituiu o Conselho de Comunicação Social para assessorar o Congresso Nacional (art. 224), surgiram várias iniciativas de criação de conselhos semelhantes em municípios e estados. Em âmbito estadual, as constituições de Minas Gerais, Bahia, Alagoas, Paraíba, Pará, Amapá, Amazonas, Goiás e a Lei Orgânica do Distrito Federal determinam a sua criação. Existem também previsões legais no mesmo sentido no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A partir do capítulo da comunicação na Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica do DF, aprovada em 8 de junho de 1993, não foge à regra. O seu artigo 261 determina a instalação do Conselho de Comunicação Social. De acordo com suas atribuições legais, o Conselho do DF deve assessorar o Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de Comunicação Social e colaborar no monitoramento do cumprimento das leis que regem as concessões locais do serviço público de radiodifusão. As conferências livres, audiências e consultas públicas a serem convocadas por esse conselho permitirão ampla participação da sociedade em suas deliberações.

O tema da regulamentação do artigo 261 foi levantado em Brasília pelo Sindicato dos Jornalistas e discutido com os candidatos a governador na campanha de 1994. Todos eles se comprometeram a cumprir o mandamento da Lei Orgânica. No entanto, decorridos 18 anos, o artigo 261 continua desregulamentado.

Uma primeira tentativa foi feita pelo deputado distrital Wasny de Roure (PT) com o Projeto de Lei 1110/1993. Mas a iniciativa foi arquivada por falta de apoio político. O governador Cristovam Buarque (então no PT) chegou a nomear um Grupo de Trabalho para elaborar o projeto de lei. O GT concluiu o trabalho, a proposta foi enviada à Câmara Legislativa, e foi igualmente arquivada.

Agora, que temos um novo governo apoiado por forças democráticas e populares, e uma nova Câmara Legislativa, é chegada a hora de instalar o CCSDF. Esse é um instrumento público fundamental para a defesa da comunicação como um direito humano básico.

O recém-criado Movimento Pró-Conselho de Comunicação Social do DF (MPC) se organiza para apresentar ao governador Agnelo Queiroz, em breve, a sua proposta de conselho. Brasília seria, assim, o primeiro ente da federação a instalar um conselho para o bem da democracia e de seus cidadãos.

* Jornalista e ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do DF.
Congresso em Foco - 07/02/2011




















terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

SOBERANIA BRASILEIRA CONTRA FARSA POLÍTICA

O verdadeiro objetivo da carta
é desviar a atenção das manobras imorais do primeiro-ministro

Dalmo Dallari

Jornais italianos divulgaram trechos de uma carta que o presidente da Itália, Giorgio Napolitano, enviou à presidente brasileira Dilma Rousseff, propondo que esta modifique uma decisão rigorosamente legal do ex-presidente Lula, tomada com estrita observância das normas jurídicas nacionais e internacionais aplicáveis ao caso, alegando que tal decisão não foi do agrado dos italianos.

Imagine-se agora a presidenta brasileira escrevendo uma carta ao governo da Itália, propondo a mudança da decisão que manda tratar como criminosos os sem-teto por serem potencialmente perigosos, dizendo que tal decisão causou desilusão e amargura no Brasil, sobretudo entre os que lutam por justiça social e pelo respeito à dignidade de todos os seres humanos. Certamente haveria reações indignadas na Itália, por considerarem que tal proposta configurava uma interferência indevida na soberania italiana.

A verdadeira razão da carta do presidente italiano nada tem a ver com desilusão e amargura dos italianos, mas faz parte de uma tentativa de criar um fato político espetaculoso, que desvie a atenção do povo italiano das manobras imorais, ilegais e antidemocráticas que foram realizadas recentemente e continuam sendo elaboradas visando impedir que seja processado criminalmente o primeiro ministro, Sílvio Berlusconi, pela prática de crimes financeiros, corrupção de testemunhas, compra de meninas pobres para a promoção de bacanais, crimes que já são do conhecimento público e que ameaçam a perda da maioria do governo do Parlamento.

A Itália adota o parlamentarismo, e a perda da maioria acarretará a queda do governo, com a perda dos privilégios e da garantia de impunidade não só de Berlusconi mas de todos os políticos e corruptos de várias espécies que integram o sistema liderado por Berlusconi.

Ainda de acordo com os jornais italianos, a carta do presidente Napolitano é patética e evidentemente demagógica, dizendo que a entrega de Cesare Battisti à Itália vai aliviar o sofrimento causado por todo o derramamento de sangue dos anos 70.

Na realidade, aquela época é conhecida como “anos de chumbo”, período em que ocorreram confrontos extremamente violentos, havendo mortos de várias facções, de direita e de esquerda. E segundo o presidente italiano a punição severa de Battisti, tomado como símbolo, daria alívio a todo o povo. Pode-se bem imaginar a espetacular encenação que seria feita e toda a violência que seria usada contra Battisti, para mostrar que, afinal, os mortos estavam sendo vingados. E com isso a crise política ficaria em plano secundário.

Para que não haja qualquer dúvida quanto à farsa, basta assinalar que, como noticia a imprensa italiana, na lamentável carta o presidente diz que Battisti foi condenado à pena de prisão perpétua por ter assassinado quatro pessoas. E hoje qualquer pessoa razoavelmente informada sobre o caso sabe que esses quatro assassinatos, que deram base à condenação, incluem a morte de duas pessoas, no mesmo dia e praticamente na mesma hora, tendo ocorrido um na cidade de Milão e outro em Veneza Mestre, locais que estão separados por uma distância de mais de trezentos quilômetros. Seria praticamente impossível a mesma pessoa cometer aqueles crimes, e isso não foi levado em conta no simulacro de julgamento de Battisti. Só alguém com algum tipo de comprometimento ou sob alguma forte influência poderá tomar conhecimento desses fatos e fingir que eles são irrelevantes para o direito e a justiça.

Por tudo isso, a lamentável carta do presidente Giorgio Napolitano, se realmente chegou a ser enviada, deve ser simplesmente ignorada, para que o Brasil não seja usado numa farsa política e para que não se dê qualquer possibilidade de interferência antijurídica e antiética nas decisões soberanas das autoridades brasileiras.

Dalmo Dallari é professor e jurista.
Publicado no Jornal do Brasil, em 28 de janeiro de 2011