quarta-feira, 23 de agosto de 2017

LULA PELO BRASIL. TRADUÇÃO: ESPERANÇA



De uma coisa se pode ter certeza, o brasileiro sabe muito bem ler a palavra ESPERANÇA.
Este é o real sentido das caravanas LULA PELO BRASIL, que tem o seu primeiro trecho na marcha da Bahia ao Maranhão, atravessando todo o Nordeste.
Começou como uma boa ideia, inspirada nas caravanas de pré-lançamento da campanha de Lula à Presidência em 2002.
Quando realmente se iniciou, a partir de Salvador, mostrou um potencial arrebatador que nem os seus próprios organizadores poderiam prever. A ponto de virar alvo de oportunistas na passagem por Feira de Santana, quando prefeitos do PMDB e do DEM – partidos que não apoiam sequer o governo liderado pelo petista Rui Costa – enfiaram-se na fila dos inúmeros colegas que aguardavam uma foto junto a Lula. O faro político deixou claro para eles, como chegaram a confidenciar, que essas fotos serão peças indispensáveis para quem quiser pedir voto no momento de renovarem os seus mandatos, em 2020.
Qual o momento mais tocante na trajetória de Lula na Bahia e em Sergipe? O reencontro com o jovem Éverton, personagem de flagrante que virou a foto simbólica de sua campanha em 2002? A devolução a Lula do cartão do Bolsa Família pela jovem Iva Mayara em Aracaju? O agradecimento do agora estudante de Medicina sergipano Magno Prado (foto), ex-guardador de carros no Iate Clube de Aracaju? O momento em que não resistiu e foi às lágrimas ao lembrar as perdas de Marcelo Déda, José Eduardo Dutra e sua esposa Marisa Letícia?  
O mais representativo foi ver o “trancaço” na estrada, impedindo que a caravana prosseguisse sem que antes Lula descesse do ônibus para falar ao povo. Foi significativo por se tratar de uma movimentação não previamente programada pelos organizadores. Mais ainda por mostrar que não adianta a grande mídia tentar transformá-la em uma “caravana secreta”. Por mais incrível que possa parecer, a movimentação de Lula pelo Nordeste só atrai a atenção da imprensa internacional, chegando a ocupar página inteira no jornal francês Le Monde, ao mesmo tempo em que é praticamente desconhecido por órgãos de imprensa brasileiros.
Esse episódio desmente a apatia que vinha caracterizando atos convocados para protestar contra a perda de direitos conquistados há décadas pelos trabalhadores do País.
A verdade é que os brasileiros querem ter esperança. E leram isso quando Lula resolveu procurá-los diretamente, falar para eles e mostrar que existe uma chance de virar o jogo.
O PRIMEIRO CHOQUE DA ESQUERDA
A caravana passa. Dá até pra dizer que enquanto os cães ladram, como reza o ditado popular. Ao tempo em que junta multidões e Lula leva jovens e idosos às lágrimas com a emoção de encontrá-lo, o prefeito de São Paulo abandona suas obrigações na capital paulista à cata de holofotes em reuniões com grupos de empresários e políticos do Nordeste.
Mas as andanças de Lula acabariam por arrepiar a esquerda na sua chegada a Alagoas. Ali, encontraria a lhe esperar ninguém menos que o senador Renan Calheiros, do PMDB. Não bastante, era também aguardado pela senadora Kátia Abreu, a quem Lula recepcionou com a promessa de apoio à sua candidatura ao governo de Tocantins.  
Alguém chamou Renan ou Kátia de esquerda?!
Renan é um político de trajetória oscilante, originando-se nas margens da esquerda, apoiando declaradamente o também alagoano Fernando Collor desde a sua candidatura até o mandato e integrando o ministério de Fernando Henrique Cardoso. O senador apoiou Lula na maior parte de seus dois governos, o que voltou a ocorrer com Dilma Rousseff. No episódio do “impeachment”, não se pode dizer que tenha sido um golpista eufórico, até por seu conhecido antagonismo com o então presidente da Câmara Eduardo Cunha. Nada disso torna Calheiros um político menos polêmico, acusado de corrupção em diversos processos. Tão questionado que o silêncio da grande imprensa do Sudeste sobre a caravana de Lula foi momentaneamente rompido para noticiar o encontro.
Kátia Abreu é uma política de notório distanciamento ideológico com relação ao PT. Liderança ruralista, chegou a presidir a poderosa Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Teve os seus primeiros mandatos pelo PFL e DEM e foi forte crítica dos dois governos de Lula e da candidatura de Dilma em 2010, quando chegou a ser cotada para integrar a chapa de José Serra. Posteriormente, aderiu ao governo de Dilma, tornou-se sua ministra da Agricultura e, já filiada ao PMDB, mostrou-se sua ferrenha defensora no episódio do afastamento da presidenta. Adiante, faria persistente oposição a Michel Temer e viria inclusive a votar contra os suas reformas. Uma atuação tão nítida de proximidade com as bancadas oposicionistas que foi pedida a sua expulsão do PMDB, juntamente com a do senador paranaense Roberto Requião.
Se não se quer aceitar a parceria de Renan ou Kátia (ou Renan e Kátia) como indicativos de afinidades ou coerência, que seja como reveladores da força política de Lula como o maior cabo eleitoral da atualidade. E não só no Nordeste, pois a base de Kátia Abreu está em Tocantins, estado em que o PT não tem nenhum deputado federal.
FINALMENTE A EXPECTATIVA DE REAÇÃO
Certo é que o movimento LULA PELO BRASIL não deve ser visto apenas como uma manobra eleitoral.
Desde que arrefeceram as manifestações pelo FORA TEMER, por DIRETAS JÁ e por NENHUM DIREITO A MENOS, o movimento popular não tem tido grandes razões para superar a sua quase depressão, diante da constatação de que a indignação da opinião pública não supera a atitude de perplexidade com o poderio do presidente que se impôs.
Manipulando uma política de distribuição de cargos públicos e verbas parlamentares, combinada como generosas concessões de benefícios e privilégios para grupos econômicos que dirigem as bancadas no Congresso, Temer tem nadado de braçadas, a ponto de frustrar o assanhamento do deputado Rodrigo Maia com o sonho de alçar-se à Presidência com a deposição dele e demonstrar que o grupo Globo de comunicação pode muito, mas não pode tudo, tendo que sujeitar-se à sua permanência. Tudo isso desdenhando uma rejeição inédita na opinião pública. Só não conseguiu ainda a certeza de aprovar a chamada reforma da Previdência, mesmo assim por requerer o quórum privilegiado de mudança na Constituição.
Ao lado disso, o judiciário se mostra inteiramente alinhado com o governo de Temer, preferindo omitir-se diante de qualquer questionamento de legalidade ou até chancelar as suas decisões.
E o que se tem diante de tal hegemonia? Quais as armas para esgrimir com quem demonstra tamanho poderio?
Quem primeiro soube ler foram os detentores tradicionais dos poderes econômico e político.
As sondagens de opinião pública permitiam observar um rumor difuso, mas aparentemente consistente: “Não adianta, Lula vem aí.”
Essa é a primeira leitura da reação popular diante da caravana do LULA PELO BRASIL. A rejeição ao governo Temer está nas ruas. E é uma reação ao que se dá hoje: desemprego crescente, perda de valor dos salários, retirada de direitos mínimos dos trabalhadores, perspectiva concreta de perda de direitos previdenciários, falta de recursos para a prestação de serviços públicos indispensáveis, risco de negação ainda maior de assistência pública de saúde e educação, para não falar de entrega e desnacionalização do patrimônio nacional. Além disso, a escandalosa concessão de privilégios aos detentores de grandes capitais e propriedades: os ruralistas, o setor financeiro e os grandes empresários.
O governo golpista se propôs desde o início a tática do “fogo de saturação”, como a usada por forças militares, intensificando de tal forma o ataque que não dá espaço para os inimigos se reorganizarem ou tomarem fôlego para reagir. Daí porque o Congresso nunca funcionou tanto, os parlamentares abrindo mão de períodos em que habitualmente não permanecem em Brasília e aprovando medidas em grande profusão e tempo recorde.
Com isso, os diferentes grupos populares atingidos pelas medidas não conseguiram se reagrupar e opor resistência.
O primeiro momento de efetiva reação popular crescente e manifesta vem com o circuito de Lula pelo Nordeste. É natural o surgimento da convergência de políticos, que têm faro inigualável para a movimentação da opinião pública, especialmente quando ocorrem em suas bases.
O fundamental, em cada caso, é ter claro quem busca apenas aproveitar-se, como muitos dos prefeitos interessados em “selfies” com Lula, quem vai efetivamente caminhar junto, até onde vai e em que circunstâncias.
Afinal, isso pode representar um relativo fortalecimento, ainda que eventualmente por meros interesses eleitoreiros, da reação às medidas antipopulares do governo golpista. Renan e Kátia podem ser uma sinalização disso. Estamos em condições de rejeitar essas companhias?
É preciso atentar para o que a História ensina. De qualquer dos lados, nos anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra, teriam os norte-americanos ou os britânicos ficado indignados por terem vistos as tropas de seus países lutando contra os adversários da União Soviética? Os comunistas afrontaram Stálin por ter o Exército Vermelho combatido os inimigos da Inglaterra e dos Estados Unidos?
Quantos incriminaram o revolucionário Luís Carlos Prestes, após 1945, ao vê-lo no mesmo campo de Getúlio Vargas, esquecendo o destino de sua própria companheira Olga, grávida, entregue aos nazistas?
Ao ver políticos conservadores aproximarem-se de Lula, o indispensável não parece ser a rejeição da companhia, mas ver se afastam-se da política de destruição de direitos do governo golpista, das tentativas de entrega do patrimônio nacional. Ou, principalmente, se há compromissos sendo preteridos por Lula ou pelo PT.
NENHUMA MANOBRA
À identificação de que crescia a preferência pelo nome de Lula e caía a sua rejeição, as forças de direita entenderam que era preciso reagir e fazê-lo com celeridade.
São oferecidas alternativas eleitorais que pretendem ocupar o espaço da ausência do nome de Lula na disputa ou que experimentem crescimento suficiente para enfrentá-lo caso não seja possível impedir que concorra.
A tática mais segura para esses grupos ora hegemônicos é não permitir que Lula seja candidato. Não bastaria o juiz de Curitiba oferecer a perspectiva de desgaste da figura pública de Lula, pois ocorria justamente o contrário. Seu nome crescia ao ser agredido. Era como se parte considerável da população percebesse que não era pessoalmente a Lula que se queria atingir, mas à sua perspectiva de enfrentar os seus inimigos.
Daí, entende-se como indispensável impedir que Lula seja candidato. Veio a sua condenação em primeira instância e a promessa de avançar nessa direção em instâncias mais acima.
Alternativas são maquinadas pelos alquimistas da direita. Como a implantação do parlamentarismo, que impediria Lula de governar caso viesse a ser eleito. Como uma reforma político que garanta uma maioria parlamentar semelhante à atual composição do Congresso, comprometida com os grupos econômicos hegemônicos. Ou até como o adiamento de eleições.
Para qualquer dos casos, a reação popular tem demonstrado ser uma arma poderosa. Ainda há seis estados para a caravana percorrer, considerado apenas o trecho nordestino. Mas já está claro que não é simplesmente uma manifestação de simpatia ou de gratidão. É a declaração manifesta de que o brasileiro precisa de esperança, identificou um caminho e quer deixar claro definitivamente que ELEIÇÃO SEM LULA É FRAUDE.
Fernando Tolentino