segunda-feira, 17 de julho de 2017

“SEU ÔNIBUS NUNCA VAI CHEGAR!”



A frase do título foi ouvida por Stevam Gomes Cerqueira Filho, guarda-volumes em Curitiba , quando, sem ter onde morar, completava um ano dormindo em bancos da rodoviária da cidade, trocando diariamente de lugares para enganar a fiscalização.*
(A matéria está na edição mais recente de Carta Capital - https://www.cartacapital.com.br/revista/960/stevam-o-ex-morador-de-rua-que-acolhe-migrantes-em-curitiba)

No dia 12, o ocupante do Palácio do Planalto fez uma solenidade para comemorar (imagine o cinismo!) a sanção da reforma trabalhista, que estará valendo plenamente dentro de 120 dias. As mudanças, que praticamente jogam no chão as conquistas da CLT (que é de 1º de maio de 1943) e as que a aperfeiçoaram, como a lei do 13º Salário (julho de 1962), a inclusão dos direitos na Constituição de 1988 e a lei que, em 2015, estendeu aos domésticos os direitos dos demais trabalhadores.
Os golpistas puderam se abraçar no salão nobre do Palácio sem que isso chamasse muito a atenção dos prejudicados pela medida. A grande mídia teria as manchetes ocupadas pela condenação do ex-presidente Lula pelo juiz de primeira instância do Paraná. O relatório estava pronto desde junho. Por que a condenação não foi na segunda-feira? Por que não na semana seguinte? Ninguém consegue disfarçar que estava engatilhada para o dia em que os trabalhadores receberiam a terrível punhalada pelas costas. Uma tragédia ajudaria a esconder a outra.
A tal reforma trabalhista só vem completar o serviço da Lei de Terceirização, antes aprovada pelos golpistas, que possibilita a contratação indireta de praticamente qualquer tipo de serviço, assim descaracterizando inteiramente a relação entre trabalhadores e empregados.
Não bastasse, o governo que retirou a presidenta eleita Dilma Rousseff ainda trabalha para aprovar a reforma da Previdência, que deixaria os trabalhadores descobertos, sem esperança de atingirem o tempo para a aposentadoria antes da morte.  A proposta chegou ao Congresso com a exigência – entre muitas outras – da comprovação de 49 anos de exercício para o recebimento do chamado “salário integral”. Detalhe: não é igual ao recebido na vida ativa, mas equivalente àquele sobre o qual tenha contribuído. Para que haja alguma retribuição na aposentadoria, a exigência seria de 25 anos.
De tão drástica, o governo está fazendo algumas mudanças para tentar aprová-la. A exigência para o “salário integral”, por exemplo, baixa para 40 anos. Não resolve, pois esse tempo na carteira é quase inatingível com a nova legislação trabalhista. Mas essa reforma exige uma mudança na Constituição (contornada pela trabalhista), o que requer 3/5 dos votos de deputados e senadores.
FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO
A Lei das Terceirizações e a reforma trabalhista mostram que a mão do Poder Executivo não tem o mesmo peso para todos. Beneficiaram-se à larga os setores empresariais mais poderosos, que vêm na dilapidação ainda maior dos direitos dos trabalhadores a saída mais rápida para eventuais prejuízos causados pela crise econômica.
Antes, o governo golpista já vinha sendo escandalosamente generoso com os grandes veículos de comunicação e os grandes bancos. Com a reforma da Previdência, pretende justamente atender ao pleito do setor financeiro, criando um mercado adicional de vultosas proporções para os fundos de pensão. Com a fragilização do SUS, inclusive com o arrocho de investimentos públicos por 20 anos, abre maior espaço para os planos de saúde.
No mesmo momento em que enfia a reforma trabalhista goela abaixo da sociedade, o governo também atendia aos grandes fazendeiros. Muitos deles já em plena farra, com a possibilidade de ampliar o desmatamento.
Por outro lado, jorram os benefícios para o capital internacional. Para citar apenas alguns caos, a Petrobras e o setor petroleiro vão tendo cortados importantes nacos, busca-se a aprovação de legislação que libere o limite de propriedades rurais para estrangeiros, abre-se a Base de Alcântara e libera-se a operação na Amazônia para militares dos Estados Unidos.
Tudo isso se dá com notória compra de apoio no Congresso Nacional.
Enquanto aprova o que combinou ao anular o resultado das urnas de 2014, o governo de Michel Temer atua para se manter no poder, mesmo após evidenciar-se que um dos fatores do êxito do golpe foi a proteção dos políticos corruptos que se articularam para empreendê-lo. O tal “estancamento da sangria”, de que falou o senador Romero Jucá, então presidente do PMDB e hoje líder do governo no Senado. A manobra que, segundo ele mesmo, deixou impregnado nas fitas gravadas pelo ex-senador Sérgio Machado, se daria “com o Supremo e tudo”.
Se é verdade que os processos ainda não estão conclusos, o certo é que o Judiciário não tem demonstrado a menor antipatia pelo esquema de corrupção instalado em torno de Temer.
Vítima do Judiciário é o Partido dos Trabalhadores e quem lhe é próximo, além principalmente de Lula, de quem se sabe que pode ser o elemento desestabilizador de toda essa tramoia. Por ter amplas condições de se eleger em 2018 e pela capacidade de mobilizar os trabalhadores desde já.
O senador Aécio Neves, pilhado com fartura de provas, teve garantido o seu retorno ao mandato, ainda emoldurado por generosos elogios do ministro Marco Aurélio Mello, enquanto os familiares comprovadamente envolvidos em seus atos de corrupção tiveram a liberdade restituída.
Liberdade também foi o prêmio para os envolvidos mais íntimos de Michel Temer, ainda que estivessem praticamente sufocados por provas tão enfáticas quanto uma mal com R$ 500 mil fixadas em um vídeo. O deputado Rocha Loures é uma homem hoje tão livre quanto o ex-ministro Geddel Vieira Lima. De Loures, dizia-se que não conseguiria segurar a língua, estando em vias de estrepitosa delação, possivelmente abortada pelo relaxamento de sua prisão.
Para não se dizer que fica nisso a orgia, a Polícia Federal começa a ser duramente contingenciada, até atando as mãos de investigações que podem chegar na intimidade do governo. A grande mídia parece não se escandalizar, tanto que a prisão de qualquer traficante de esquina obtém maior repercussão midiática que a apreensão de aeronaves que vinculam diretamente a responsabilidade de senadores e ministros, um esquecido helicóptero e, nos últimos dias, um avião, o primeiro com 450 kg e o último com 662 kg de pasta básica de cocaína.  
Quanto a Lula, é de pasmar que sua condenação não surpreenda o Brasil, embora questionada por várias das mais importantes vozes do mundo jurídico.  Até os ratos que chafurdam os esgotos de Curitiba sabiam exatamente qual seria a sentença da ação do juiz Moro contra o ex-presidente Lula. Aliás, os ratos é que mais sabiam mesmo, à exceção de algum rato analfabeto que vagueia pelas ruas da capital paranaense.
O senador Roberto Requião diz que condenação do Lula é como “prender alguém por assassinato de uma pessoa que está viva!”
Voltando ao mundo da caridade mais imunda, a que é feita com o nosso chapéu. Embora óbvio que entre os mais conhecidos pilares do governo Temer está o da corrupção, ele vem conseguindo se sustentar no ambiente do Parlamento. A provocação do procurador Rodrigo Janot, eivada de provas, e o parecer do relator, deputado Sergio Zveiter não foram suficientes para que o encaminhamento do seu caso fosse ao Supremo. Membros da Comissão de Constituição e Justiça foram substituídos e a distribuição de R$ 15,3 bilhões foi suficiente para Temer não ser derrotado nesse estágio.
Sequer adiantou que o próprio império das Organizações Globo tenha se colocado inesperadamente na sua oposição, talvez por entender que é preciso pôr em sua cadeira alguém capaz de crescer até as eleições de 2018, quando há o risco de Lula aparecer como candidato.
VOCÊ NÃO VALE NADA MESMO!
O maior risco de 2018 para os atuais vitoriosos é evidente: já não dá pra esconder da opinião pública a importância do voto para o Poder Legislativo.
O Executivo pode muito. Um exemplo significativo foi a aprovação, pelo mesmo Congresso de hoje, da legislação que beneficiou os trabalhadores domésticos, sancionados pela presidenta Dilma Rousseff em 2015.
Tanto pode muito que se deu a articulação para afastá-la da Presidência. Afinal, ela representava essa expressiva possibilidade de articulação de uma maioria no Legislativo (mesmo nunca demonstrando grande capacidade para isso ou o menor apetite para misturar-se com aquela gente). Tinha ainda o “poder de veto”, o de não sancionar o que viesse a ser eventualmente aprovado por um Congresso adversário.
Uma campanha sucessória fatalmente levará a essa discussão. Não adianta a maioria dos brasileiros expressar nas urnas apenas a intenção de ter um governo desenvolvimentista, comprometido com a inclusão social e solidário com os povos que, em outros países, também lutam para superar a condição de miséria. É indispensável que essa vontade se repita nos votos para deputados e senadores. Ou sua vontade será traída, como vem sendo atualmente. E traída a partir dos votos desses mesmos eleitores.
O ano de 2014 oferece uma notável oportunidade de virada história caso essa “lição de casa” seja aprendida.
Tudo é feito, especialmente no Judiciário e na grande mídia que lhe dá sustentação, para que não disponham do caminho mais curto os trabalhadores e os empresários que vivem de uma sociedade de economia crescente e descentralizada.
Mas é impossível assegurar a condenação de Lula, em segunda instância, sem que haja sequer uma prova para justificar isso.
Mais do que isso, como reconhece o poderoso Estadão (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,condenacao-e-denuncia-ampliam-duvida-eleitoral,70001892010), nem mesmo impedido de candidatar-se Lula pode ser considerado uma carta fora do baralho, tal a sua influência política. Além disso, como reconhece a matéria, a centro-direita ainda não tem um candidato com viabilidade suficiente para enfrentar Lula ou mesmo o nome que indicar.
Se a campanha for suficientemente pedagógica, estará ao lado de Lula uma lista de candidatos que possam lhe dar efetivamente sustentação no Congresso Nacional. Com um detalhe: cada estado oferecerá duas vagas de senador no ano que vem, a possibilidade de substituir 2/3 da Casa.
Isso significa que as péssimas condições vividas pelos brasileiros neste ano podem não se repetir nas eleições de 2018. Parte do esforço dos grupos poderosos pode dar em água.
Mas isso depende de você. Da capacidade de, atento ao que vive atualmente, definir com clareza qual deve ser o seu voto. Isso vai dizer se, ao contrário de hoje, você vale alguma coisa.
Se o seu ônibus vai ou não algum dia chegar.
Fernando Tolentino
*A ilustração é do próprio Stevam Gomes Cerqueira Filho

domingo, 9 de julho de 2017

JÁ SOLTOU FOGOS PARA COMEMORAR A DEFLAÇÃO?





O mês de junho colheu um índice negativo do IPCA: - 0,23%.
Isso mesmo, deflação! Redução do custo de vida, como não se via há 11 anos, ou seja, desde 2006.
Grande notícia, né?
Vamos devagar. É bom examinar com calma.
Os analistas contam que a baixa se deve a forte redução nas tarifas de energia elétrica, o que será brevemente anulada com a volta da bandeira amarela, e nos produtos hortícolas, uma característica do período de inverno. Outros apontam para contenção de preços administrados, como tarifas de água e preço de combustíveis. Já foi anunciado que o de combustíveis pode subir ou descer a cada variação no mercado internacional.
Mas a verdade é que o acumulado do semestre ficou em 1,18%, bem abaixo dos 4,42% do mesmo período do ano passado.
Até aí, morreu o Neves. O da expressão popular. Não o Aécio; ao contrário de morrer, este mata, segundo ele mesmo sussurrou recentemente ao telefone.
Voltemos à deflação.
O problema é outro.
Está vendo aquela porta baixa em pleno horário comercial? Era uma sapataria. Percebeu que aquela obra ali da esquina parou? Já até desmontaram o estande de vendas das salas e lojas. Viu as filas de emprego, com um monte de expressões desanimadas? Notou lojas fechadas, especialmente em centros comerciais populares, mas não só neles? Tem prestado atenção em um trânsito relativamente mais leve? Reparou a redução de passageiros em aeroportos? E na quantidade de gente desocupada? No crescimento do número de pedintes?
Há indicadores a serem analisados junto com a baixa de preços.
Ao menos em São Paulo, é significativa, por exemplo, a quantidade de crianças e jovens transferidos de escolas particulares para estabelecimentos públicos.
Em Brasília, o crescimento da frota de veículos é revelador. O ano de 2007 teve um pico de 9,2%. Sofreu uma redução para 8,3 a 8,7% entre os três anos seguintes e veio o efeito da crise econômica, derrubando o índice para 6,3 a 6,9% entre 2011 e 2013. No ano seguinte, aquele do enfrentamento entre Legislativo e Executivo, despencou para 4,8%. Já era quase metade do crescimento de sete anos antes. Mas o estarrecedor é constatar crescimento de 3,8% em 2015 e 2,6% no ano passado! Uma quebra superior a 70% com relação às vendas de dez anos atrás.
Já imaginaram o que isso significa para quem vive da venda de veículos, de seguros ou negócios conexos?
Nada é mais aterrador para um comerciante que ver escassear a frequência na sua loja ou clientes saírem com as mãos vazias. Quando as vendas caem, buscam formas de se adaptarem. Uma delas é a redução de preços. Até onde podem, claro. Para isso, ajustam os seus custos. Qual a forma mais óbvia de conseguir isso? Bingo! Redução de pessoal.
O governo oferece uma alternativa que até parece cínica: a precarização da mão de obra. Perda de direitos, pagamento somente pelas horas efetivamente trabalhadas, coisas do tipo.
A mim, chamou a atenção quando estive em Portugal e Espanha, no auge da crise, e vi lojas como Subway funcionando com um único empregado, preparando os sanduíches e operando o caixa.
O governo vem dando a sua não modesta contribuição para essa paralisia da economia. Cortes de orçamento em instituições públicas, especialmente nas áreas de educação e saúde, redução de beneficiários do programa de Bolsa Família e dos valores da Agricultura Familiar, paralisação de obras.
O resultado é um sucessivo abatimento na expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto. O mercado previa 0,5% (isso mesmo!) para este ano. Há um mês, reduziu ainda mais a sua avaliação: para 0,41%. Corrigiu para baixo também o que imaginava possível em 2018, de 2,4% para 2,3%. E assim nós vamos.
É claro que, diante desse pessimismo com relação à atividade econômica, a estimativa do mercado é de que a inflação anual fique em 3,71% e não os 3,9% da avaliação anterior. Entendeu a lógica? O índice de inflação se verga diante do marasmo da economia.
A repercussão é inescapável no índice de empregos e nos negócios.
Como essa não é apenas uma circunstância, mas uma proposta de governo, a tendência é de que a economia esteja cada vez mais paralisada. Nunca se esqueça de que está agora inscrito na Constituição Federal o compromisso de conter as despesas públicas nos níveis atuais durante nada menos que 20 anos. Não custa repetir: 20 anos!
Vai longe aquela época de Brasil como quinta economia do mundo e não é por acaso que também se passa a borracha naquela história de um país que saiu do mapa da fome. Isso foi há somente três anos, mas será apresentado às Nações Unidas nesta semana um relatório preparado por 40 entidades da sociedade civil responsáveis por monitorar o cumprimento de um plano de ação para atender a chamada Agenda 2030, firmada entre os estados-membros da ONU. Ali, aponta-se uma tendência exatamente inversa.
Portanto, essa é a notícia implícita na deflação deste mês.
Deixe a comemoração pra depois. 
Fernando Tolentino