O mês de junho colheu
um índice negativo do IPCA: - 0,23%.
Isso mesmo, deflação!
Redução do custo de vida, como não se via há 11 anos, ou seja, desde 2006.
Grande notícia, né?
Vamos devagar. É bom
examinar com calma.
Os analistas contam que
a baixa se deve a forte redução nas tarifas de energia elétrica, o que será
brevemente anulada com a volta da bandeira amarela, e nos produtos hortícolas,
uma característica do período de inverno. Outros apontam para contenção de
preços administrados, como tarifas de água e preço de combustíveis. Já foi
anunciado que o de combustíveis pode subir ou descer a cada variação no mercado
internacional.
Mas a verdade é que o
acumulado do semestre ficou em 1,18%, bem abaixo dos 4,42% do mesmo período do
ano passado.
Até aí, morreu o Neves.
O da expressão popular. Não o Aécio; ao contrário de morrer, este mata, segundo
ele mesmo sussurrou recentemente ao telefone.
Voltemos à deflação.
O problema é outro.
Está vendo aquela porta
baixa em pleno horário comercial? Era uma sapataria. Percebeu que aquela obra
ali da esquina parou? Já até desmontaram o estande de vendas das salas e lojas.
Viu as filas de emprego, com um monte de expressões desanimadas? Notou lojas
fechadas, especialmente em centros comerciais populares, mas não só neles? Tem
prestado atenção em um trânsito relativamente mais leve? Reparou a redução de
passageiros em aeroportos? E na quantidade de gente desocupada? No crescimento
do número de pedintes?
Há indicadores a serem
analisados junto com a baixa de preços.
Ao menos em São Paulo,
é significativa, por exemplo, a quantidade de crianças e jovens transferidos de
escolas particulares para estabelecimentos públicos.
Em Brasília, o
crescimento da frota de veículos é revelador. O ano de 2007 teve um pico de 9,2%.
Sofreu uma redução para 8,3 a 8,7% entre os três anos seguintes e veio o efeito
da crise econômica, derrubando o índice para 6,3 a 6,9% entre 2011 e 2013. No
ano seguinte, aquele do enfrentamento entre Legislativo e Executivo, despencou
para 4,8%. Já era quase metade do crescimento de sete anos antes. Mas o
estarrecedor é constatar crescimento de 3,8% em 2015 e 2,6% no ano passado! Uma
quebra superior a 70% com relação às vendas de dez anos atrás.
Já imaginaram o que
isso significa para quem vive da venda de veículos, de seguros ou negócios
conexos?
Nada é mais aterrador
para um comerciante que ver escassear a frequência na sua loja ou clientes
saírem com as mãos vazias. Quando as vendas caem, buscam formas de se adaptarem.
Uma delas é a redução de preços. Até onde podem, claro. Para isso, ajustam os
seus custos. Qual a forma mais óbvia de conseguir isso? Bingo! Redução de
pessoal.
O governo oferece uma
alternativa que até parece cínica: a precarização da mão de obra. Perda de
direitos, pagamento somente pelas horas efetivamente trabalhadas, coisas do
tipo.
A mim, chamou a atenção
quando estive em Portugal e Espanha, no auge da crise, e vi lojas como Subway
funcionando com um único empregado, preparando os sanduíches e operando o
caixa.
O governo vem dando a
sua não modesta contribuição para essa paralisia da economia. Cortes de
orçamento em instituições públicas, especialmente nas áreas de educação e saúde,
redução de beneficiários do programa de Bolsa Família e dos valores da
Agricultura Familiar, paralisação de obras.
O resultado é um
sucessivo abatimento na expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto. O mercado
previa 0,5% (isso mesmo!) para este ano. Há um mês, reduziu ainda mais a sua
avaliação: para 0,41%. Corrigiu para baixo também o que imaginava possível em
2018, de 2,4% para 2,3%. E assim nós vamos.
É claro que, diante
desse pessimismo com relação à atividade econômica, a estimativa do mercado é
de que a inflação anual fique em 3,71% e não os 3,9% da avaliação anterior. Entendeu
a lógica? O índice de inflação se verga diante do marasmo da economia.
A repercussão é
inescapável no índice de empregos e nos negócios.
Como essa não é apenas
uma circunstância, mas uma proposta de governo, a tendência é de que a economia
esteja cada vez mais paralisada. Nunca se esqueça de que está agora inscrito na
Constituição Federal o compromisso de conter as despesas públicas nos níveis
atuais durante nada menos que 20 anos. Não custa repetir: 20 anos!
Vai longe aquela época
de Brasil como quinta economia do mundo e não é por acaso que também se passa a
borracha naquela história de um país que saiu do mapa da fome. Isso foi há
somente três anos, mas será apresentado às Nações Unidas nesta semana um
relatório preparado por 40 entidades da sociedade civil responsáveis por monitorar
o cumprimento de um plano de ação para atender a chamada Agenda 2030, firmada
entre os estados-membros da ONU. Ali, aponta-se uma tendência exatamente
inversa.
Portanto, essa é a
notícia implícita na deflação deste mês.
Deixe a comemoração pra
depois.
Fernando Tolentino
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