sexta-feira, 30 de setembro de 2011

DIÁRIOS OFICIAIS: ENTRE O IMPRESSO E O ELETRÔNICO


Os diários oficiais, como os jornais de notícias, vivem um momento de importante definição: o dilema entre manter a versão impressa (com ou sem publicação eletrônica simultaneamente) ou extingui-la, passando-se a adotar exclusivamente a internet. É um questionamento originário da visão, já corriqueira, de que é possível eliminar o suporte de papel em todas as atividades.

No jornalismo em geral, especialmente em veículos comerciais, a migração tem sido lenta, com a conquista de poucas publicações de peso, como o tradicional Jornal do Brasil. É tentadora, por permitir chegar aos leitores com a velocidade do rádio, além de propiciar a redução de custo da produção gráfica e da distribuição.

Na resistência à internet vem perdendo peso o argumento de que só uma parte pequena da sociedade (cerca de um quarto) está digitalmente incluída. A inclusão vem se dando aos saltos e será mais evidente a partir dos programas de universalização da banda larga.

Remanescem dois problemas principais. O desconforto da leitura continuada no computador, que faz o usuário se restringir às manchetes e poucas matérias, na contramão do hábito do manuseio de quase todas as páginas de cada edição. E a dificuldade de faturamento publicitário equivalente nas publicações meramente eletrônicas.

No caso dos diários oficiais, a agilidade é um argumento importantíssimo, pois contribui para a cidadania, missão dessas publicações. Quanto mais rápido a sociedade estiver ciente dos atos oficias, com mais celeridade poderá adequar-se às suas disposições, assim como questioná-las.

Por outro lado, não se aplicam aos diários oficiais as críticas de que a leitura no computador é desconfortável e de que é difícil a versão eletrônica proporcionar faturamento. Um, porque quase ninguém lê diários oficiais na totalidade. Os sistemas de buscas disponíveis levam à leitura do que interessa em cada edição. Por outro lado, eles não são publicações de interesse empresarial, impondo-se ao Estado assegurar os custos para dar amplo conhecimento dos atos que edita.

A linha de raciocínio fortalece a concepção tecnicista, que embriagou, por exemplo, o Poder Judiciário. Extinto o Diário da Justiça, a publicação dos seus atos deixou de ter valor em si mesma, para tornar-se mero evento do processo judicial.

Não se pode dizer que se exauriu o questionamento à publicação dos diários oficiais em meio exclusivamente eletrônico. Países como Portugal e Espanha já validam seus atos oficiais apenas na internet. Mas é significativo que a onda não tenha ganho espaço em outros, como França e Reino Unido. A própria publicação portuguesa ganhou redundância em papel após a extinção formal da versão impressa.

Entre os responsáveis pelas publicações oficiais brasileiras, um argumento puxa a opção por diários oficiais exclusivamente eletrônicos: a queda vertiginosa do número de assinantes das suas versões impressas. Um fenômeno natural já que, além de geralmente gratuito, o diário eletrônico é mais cômodo e ágil.

Posso afirmar, porém, que essa queda aproxima-se de um ponto de inelasticidade no Diário Oficial da União. Foi abrupta desde que o jornal atingiu todos os requisitos disponíveis de modernidade. A publicação tem padrão máximo de acessibilidade (AAA), disponibilidade no portal da Imprensa Nacional de todas as edições desde 1991, estabilidade comparável à dos sítios mais importantes do mundo, acesso gratuito, capacidade de 10 mil acessos simultâneos, certificação digital no produto disponível e em todas as fases de produção. Além disso, as ferramentas de busca são extremamente eficientes. Hoje, o usuário pode se cadastrar e receber mensagens diárias informando se foi ou não publicado algum ato referente ao interesse expresso no cadastramento. Finalmente, a pesquisa pode ser fonética, ou seja, não importa a ortografia usada na consulta ou na publicação do ato, se a consulta contém erro de redação ou, nos casos de nomes próprios, qual a sua grafia.

Tão moderno, porque a Imprensa Nacional mantém a versão impressa do Diário Oficial da União? Ainda mais que, sendo nacional, tem distribuição mais demorada em todo o País. O problema é que ele é importante demais para ser objeto de decisões exageradamente ousadas, das quais se possa, posteriormente, ter que recuar se os fatos comprovaram que faltou a indispensável prudência.

É possível dizer que os produtos impressos mais importantes do Governo Federal são o papel-moeda e o Diário Oficial da União. E não há certeza de que qualquer um deles pode ser substituído por versões exclusivamente virtuais.

Talvez por isso, a perda de assinantes do jornal impresso já não é tão acentuada, tendendo a clientela a se estabilizar. Certamente são cidadãos e instituições que não sacralizam o meio virtual, intrigados com as constantes evidências de instabilidade no meio virtual, de sua fragilidade diante de invasões e agressões. Ou mesmo expressam a incerteza diante da perenidade das informações assim acumuladas. Há, claro, também os que fazem uma leitura mais ampla de cada edição, daí, preferirem o papel à telinha do computador.

Mas o elemento determinante da permanência da versão impressa, ao lado da eletrônica, é mesmo a segurança. Os bancos estão entre os líderes nos investimentos em segurança da informação, mas o certo é que não conseguem impedir invasões de contas bancárias. Se isso é gravíssimo, imagine a adulteração de uma página de um diário oficial. No caso do papel-moeda, a falsificação prejudica quem é colhido pelo golpe, mas também a credibilidade do meio circulante. Na de um diário oficial, além da credibilidade do veículo, prejudicaria uma multidão.

Felizmente, não há notícia do sucesso de ″hackers″ de diários oficiais impressos.

A conclusão, portanto, é que a publicação eletrônica concorre para a universalização da informação oficial, mas o meio impresso ainda tem mais credibilidade no quesito da segurança. Daí, é indispensável avançar para a modernidade, mantendo diários oficiais eletrônicos, dotando-se de todos os requisitos de modernidade e perseguindo tenazmente sua maior segurança.

Mas, impõe-se a manutenção da publicação impressa até que não haja dúvida de que a eletrônica é tão segura quanto ela. Afinal de contas, também nesse campo, ″não se mexe em time que está ganhando″.

Fernando Tolentino (diretor-geral da Imprensa Nacional e presidente da Associação Brasileira de Imprensas Oficiais.
Publicado em 29 de setembro de 2011 na coluna ENFOQUE HOJE, do jornal A UNIÃO, de João Pessoa (PB).