terça-feira, 11 de junho de 2013

DOIS PERFIS DE QUEM DEVE DEFENDER A SOCIEDADE




‘’Estou há 2 horas tentando voltar mas tem um bando de bugios revoltados parando a avenida Faria Lima e a Marginal Pinheiros.
Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial.
Petista de merda. Filhos da puta. Vão fazer protesto na puta que os pariu...
Que saudades da época em que esse tipo de coisa era resolvida com borrachada nas costas dos medras ...” (sic)



Essa barbaridade foi publicada no seu perfil (no Facebook), sem o menor escrúpulo, por um tal Rogério Zagallo, que – acreditem – é promotor de Justiça em São Paulo, revoltado com os danos causados ao trânsito por uma manifestação de estudantes contra o aumento de preços de passagens de ônibus.
Tão desumano quanto a frieza de uma motorista após matar um bombeiro que acudia um acidentado na estrada que liga Brasília a Taguatinga. Pareceu que, para ela, apenas importava que aquele bombeiro, pai de cinco filhos que, ali, solidário, cumpria o seu dever, estava atrapalhando a sua volta para casa pouco depois de 4 horas da madrugada.
Voltando à terrível manifestação do promotor paulista, não pude deixar de lembrar de meu pai.
A sua quase inacreditável postagem está eivada de impropriedades, blasfêmias, falta de decoro, agressões ao Estado, à sociedade e à legislação, até a que rege suas obrigações profissionais.
Mas, inclusive por razões afetivas, quero comparar com a postura de meu saudoso pai, Oldegar Franco Vieira, procurador em Salvador lá pela longínqua segunda metade do século passado. Época em que ainda não existia Estatuto da Criança e do Adolescente e outros instrumentos de proteção aos menores.
Devo ressalvar, para não fugir da verdade, que meu pai, embora tenha conquistado, por sua solidariedade ativa, a gratidão de não poucos companheiros da resistência à ditadura nos períodos de repressão inclemente, era homem assumidamente de direita, o que nos valeu infindáveis discussões diárias à hora do almoço. Infindáveis, inflamadas e saudosas, como também o foram pra ele, depois que mudei pra Brasília. Pra desgosto de minha mãe, que nunca conseguiu entender que paz não se confunde com ausência de conflito e, principalmente, polêmica. Preciso salientar quão importantes foram essas refregas para a minha formação, especialmente para minha capacitação para a militância de esquerda.
Pois bem. Caiu na mão de meu pai um processo da Vara de Famílias e Sucessões, relativo a um adolescente, de Santo Amaro da Purificação, que saíra para pescar com um primo e voltara com o seu corpo, morto, na canoa, confessando que o primo morrera quando o seu remo acertou fortemente a cabeça dele. Dizia o rapaz que isso se dera em uma manobra na embarcação, mas restava a suspeita que poderia ter havido uma briga entre os dois.
Lembro de meu pai avisando que o rapaz iria morar conosco. Defendera – e obtivera a compreensão e decisão do juiz – que uma família fosse nomeada para acolher o jovem e concluir o seu processo educacional. Assim, ele estaria livre de internação em uma instituição correcional, o que à época já ocasionaria o risco de encaminhamento do interno para uma trajetória de criminalidade.
Essa família foi a nossa. Para alegria da gente, que ganhou um novo “irmão”. Tiago era mais velho do que nós e cheio de histórias e experiências diferentes. Terminou de crescer, tornou-se um negro bonito, forte, simpático, certamente mais preparado para enfrentar a vida. Tanto que saiu de nossa casa para tentar a vida em São Paulo. Visitou-nos anos depois, casado, feliz, realizado como torneiro-mecânico.
A pedido da sua família, abrigamos outro primo certo tempo depois. Veio Daniel, que passou um tempo conosco. Minha mãe, então enfermeira no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia, ajudou a abrir as portas para que ele se tratasse de uma doença de pele. Mas essa é outra história.
Aqui, o que realmente importa é entender que o promotor, como o procurador, é um defensor da sociedade e das leis, presumindo-se que representa os interesses da sociedade. Oldegar, meu pai, tinha uma ideia de como perseguir isso. Certamente não se pode exigir essa generosidade de todos eles e muito menos que esse tipo de gesto se repita em todos os casos.
Mas, sem nenhuma dúvida, o famigerado Rogério Zagallo não tem a menor condição de defender a lei ou a sociedade. A aplicação de penalidade, no seu caso, não é indispensável apenas como punição, mas como medida minimamente exigível do Ministério Público justamente para assegurar a defesa da sociedade contra esse tipo de bestialidade.


Fernando Tolentino

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