segunda-feira, 16 de maio de 2016

INCERTEZAS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO GOVERNO GOLPISTA





Marcelo Pires Mendonça
Os recentes acontecimentos na política brasileira, que consolidaram um golpe contra o estado democrático de direito depois de um período histórico curto - apenas 31 anos - de democracia contínua, nos confrontam com um retrocesso sem precedentes considerando os avanços e conquistas na seara dos direitos sociais e humanos, da garantia da estabilidade institucional, dentre outros. Diante de um cenário em que a direita brasileira assume que desistiu das regras estabelecidas para o “jogo” da nossa frágil democracia materializada no processo eleitoral e no resultado das urnas, a legítima reação das ruas ao golpe a partir da mobilização das esquerdas é a resposta possível. E foi esta lição das ruas, da força da luta, da pertinência dos movimentos sociais que permitiram o fortalecimento da participação social como método de governo e como política pública efetiva nos últimos 13 anos. A participação social, sobretudo em suas instâncias mais maduras que são os conselhos, conferências e ouvidorias, tem sido um assunto ainda pouco debatido neste cenário de terra arrasada que a direita vem nos impondo. Entretanto, já observamos os primeiros ataques com o caso acintoso da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) que é supervisionada por um Conselho Curador, composto majoritariamente de representantes da sociedade civil, e que segue ameaçada de sofrer intervenção em sua diretoria.
O caso da EBC – empresa de comunicação isenta que tem feito o contraponto à parcialidade flagrante da mídia hegemônica – é um importante indicativo do que se pode esperar do atual governo interino para as políticas de participação social, conselhos, conferências, ouvidorias e demais instâncias. Considerando, por exemplo, que os Conselhos Nacionais possuem uma estrutura análoga à do Conselho Curador da EBC e que o atual governo não demonstra qualquer apreço à legalidade constitucional, depreende-se assim que não há garantias para a continuidade destas instâncias com autonomia nos seus atos e respeito às suas prerrogativas. Um exemplo pertinente é a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, emblemático do atual cenário de indefinição institucional, pois somente este órgão contava com oito relevantes Conselhos Nacionais integrando sua estrutura: o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o Conselho Nacional da Juventude, o Conselho Nacional de Políticas de Igualdade Racial, o Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. O destino destas, como todas as outras instâncias de participação social e das políticas públicas atinentes segue ameaçado.
Atualmente a participação social se materializa nos 42 Colegiados de Políticas Públicas, sendo 35 Conselhos Nacionais, seis Comissões Nacionais e um Fórum Nacional que procuram atuar nos marcos da Política Nacional de Participação Social (PNPS), principalmente no que se refere à sua composição, por apresentarem uma significativa participação da sociedade civil. Cabe ressaltar que de 1941 a 2016 foram realizadas 156 Conferências Nacionais, das quais 115 ocorreram entre 2003 e maio de 2016, ou seja, mais de 73% do total de Conferências Nacionais ocorreram nos últimos treze anos, abrangendo 45 áreas setoriais em níveis municipal, regional, estadual e nacional e mobilizando mais de dez milhões de pessoas no debate de propostas para as políticas públicas. Tais números evidenciam a relevância dada pelos governos Lula e Dilma à participação social e popular na construção das políticas públicas. Somente entre os anos de 2015 e 2016 foram convocadas 13 Conferências Nacionais, das quais seis ocorreram em 2015 e outras sete estavam previstas para 2016, sendo que destas seis já foram realizadas entre os meses de março e abril.
Estes dados revelam a consolidação da participação social enquanto método de governo, com a ampliação e qualificação dos espaços institucionais de atuação efetiva da sociedade civil organizada ou não, dos movimentos sociais, entidades, etc. Revelam, ainda, o fortalecimento das pautas históricas relacionadas às ações afirmativas e demandas dos movimentos sociais do país. Em que pesem as críticas e a necessidade de aperfeiçoamento de tais mecanismos, há que se reconhecer que nestes 13 anos foi possível iniciar o processo de transição da perspectiva quantitativa para a qualitativa destas ações. É nesta fase de transição que vivenciamos a ameaça dos retrocessos posta pelo golpe em curso. Sendo as Conferências Nacionais um espaço democrático de participação social e pedagógico de formação humana, também se constituem em esfera de conquistas. Foi no âmbito das Conferências Nacionais, organizadas pelos respectivos conselhos temáticos e setoriais que avanços como o SUS, o SUAS, o PNDH-3, os estatutos da Igualdade Racial, Juventude e do Idoso, dentre outros, foram propostos, debatidos, aprovados e aperfeiçoados.
Tais conquistas são mérito do engajamento da sociedade civil na luta social e de sua atuação propositiva nos espaços institucionais de participação social. Quando avaliamos os documentos norteadores do atual governo interino – a “Ponte para o Futuro” e a “Travessia Social” – fazemos constatações preocupantes: no primeiro, encontramos a palavra “participação” uma única vez ao longo de suas 19 páginas, sendo esta utilizada para reforçar a importância do “setor privado” para a agenda econômica do país. Já o documento “Travessia Social”, cuja ênfase são os temas da educação, saúde, Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, sequer contém a palavra “participação”, mas faz referência à “colaboração” do setor privado. As conferências e conselhos nacionais, ouvidorias e demais instâncias de participação social sequer são mencionados, antecipando a medida do descompromisso deste governo ilegítimo com a democracia participativa – ou com a democracia sequer... Por isso, conclamamos os conselhos e conselheiras/os nacionais, delegadas e delegados das conferências nacionais e demais instâncias de participação social a se manifestarem contra todo e qualquer retrocesso e em defesa da democracia. E não nos esqueçamos das lições de Marx: “A arma da crítica não pode substituir, sem dúvida, a crítica das armas”. Para além de um posicionamento firme contra as atuais ameaças, é urgente nos mantermos em estado permanente de mobilização como enfatizou a Presidenta Dilma Roussef em seu último discurso oficial e ocupar as ruas resistindo contra toda e qualquer medida que signifique a usurpação de direitos duramente conquistados, pois só a luta muda a vida e seguiremos lutando.
Referências:
Guimarães, Fundação Ulysses. A Travessia Social. Uma ponte para o futuro. Disponível em:.
______. Uma Ponte para o Futuro. Disponível em:< http://pmdb.org.br/wp content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf>. Marx, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2002.

Marcelo Pires Mendonça é graduado em História e Geografia, pós-graduado em filosofia marxista-leninista pelo Instituto de Ciências Sociais de Moscou/Rússia. É professor da Rede Pública de Ensino do DF e Ex-Coordenador-Geral de Instâncias e Mecanismos de Participação da Secretaria de Governo da Presidência da República. Publicado originalmente no Jornal GGN.

Nenhum comentário:

Postar um comentário