As
imagens não são de Lula chegando a Congonhas, mas de familiares de Getúlio levados
a depor no Galeão
O Golpe de 64 tinha
como adversários os trabalhistas, demais partidos de esquerda, políticos
nacionalistas e movimentos sociais da base da sociedade. Os pretextos eram a conjectura
de que o Governo Goulart abrisse espaço para uma república sindicalista com influência
determinante dos comunistas e, o discurso de sempre, o combate à corrupção.
A articulação golpista
na verdade era antiga. O primeiro grande movimento se frustrou com o suicídio
de Getúlio, em 1954, que jogou as massas na rua e imobilizou os golpistas. Nova
tentativa em 1956, com a
Revolta de Jacareacanga,
no primeiro mês do governo de Juscelino Kubitscheck, sufocada por Henrique Lott,
Ministro da Guerra, imobilizando os militares inconformados com a sua eleição. Cinco anos depois, após tentar uma política externa independente – e até condecorar
Che Guevara – Jânio Quadros não resistiu às pressões e renunciou. A posse do
vice-presidente trabalhista João Goulart só se deu por conta da Cadeia da
Legalidade, liderada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola, mesmo assim sendo
suprimido de Jango o direito de governar, pois se impôs o regime parlamentarista,
derrotado em plebiscito dois anos depois. O golpe definitivo viria em 1964, com
a deposição de Goulart.
Após
o suicídio de Getúlio, a revolta popular voltou-se contra a imprensa
Além das forças
militares que fizeram o golpe, o movimento tinha forte articulação de
lideranças religiosas, de importantes lideranças políticas e do Instituto
Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que elegera uma bancada significativa no
pleito de 1962 e financiava centenas de programas de rádio. O general reformado
Hélio Ibiapina revelou à Folha de São Paulo em 1998 que o IBAD possuía
ligações com a CIA, Central Inteligence Agency, dos Estados Unidos.
As principais
lideranças civis eram os governadores do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, e de Minas
Gerais, Magalhães Pinto, que pretendiam disputar uma das vagas (UDN) na eleição
presidencial prevista para o ano seguinte e que não se realizou.
A tibieza de Juscelino
Kubitschek diante do Golpe não foi suficiente para assegurar o seu mandato, sendo o então
senador por Goiás cassado no dia 8 de junho. Carlos Lacerda, tão entusiasmado
com todas aquelas articulações golpistas, decepcionou-se em 1966. Juntou-se aos
antigos adversários Goulart e Juscelino e articulou a Frente Ampla como
movimento de resistência à ditadura. Foi cassado em dezembro de 1968 e levado
preso para um Regimento de Cavalaria da Policia Militar do Rio de Janeiro. Adhemar
de Barros, também simpático ao golpe e que ficara em terceiro lugar nas duas eleições anteriores para
presidente, também teve cassado o seu mandato de governador de São Paulo.
REEDIÇÃO DO GOLPE EM
2016?
Tal qual os militares revoltosos
de Jacaraeacanga de 1956, o PSDB e os seus aliados curvaram-se ao inconformismo
do candidato derrotado, de 2014, Aécio Neves. Mal o resultado foi anunciado e
veio o pedido de recontagem dos votos. Não deu em nada. Representou-se ao TSE,
com a alegação de suposto abuso de poder econômico. Deu chabu. No primeiro
discurso após a derrota, anunciou: “Faremos uma oposição incansável, inquebrantável
e intransigente.” Esperava-se uma oposição ao governo, o que seria natural. Foi
uma oposição ao mandato.
A
imagem é de profundo desapontamento ou de quem já pensava na vingança?
A tentativa de impedir
Dilma de governar deu-se em dois níveis e dois ambientes.
De um lado, a tentativa
incessante de questionar o mandato seria traduzida em numerosos pedidos de “impeachment”
e repetidos questionamentos judiciais, com a alegação de gastos indevidos na
campanha.
Ao mesmo tempo, a
oposição se valeu do fato de que a candidatura vitoriosa de Dilma não obteve
sustentação parlamentar. Caso o conjunto dos brasileiros entendesse a lógica do
sistema eleitoral, teria sido quase como se dissesse: “Queremos que Dilma
ganhe, mas não queremos que governe”.
Afinal, o Brasil herdou
da Constituinte de 1988 uma contradição evidente entre a opção
presidencialista, manifestada pelo povo por meio de plebiscito de abril de 1993,
e o modelo de Constituição com fortes nuanças parlamentaristas. É o chamado “presidencialismo
de coalizão”, em que o presidente só consegue efetivamente governar com forte
apoio no Congresso.
Dilma teve que absorver
enorme influência dessa composição nitidamente conservadora do Parlamento,
negando boa parte do seu conteúdo progressista do palanque de 2014. A base
parlamentar, no entanto, revelou-se extremamente instável. Ao mesmo tempo que
mordia espaços significativos na composição de seu governo, mantinha-a acuada,
negando a aprovação de medidas legislativas que ela considerava indispensáveis
e impondo derrotas em outras tantas votações. A instabilidade chegou a um ponto
nevrálgico quando o próprio vice-presidente resolveu se aproveitar da situação
e anunciar o rompimento, na expectativa de que o poder lhe caísse nas mãos.
O quadro inevitável foi
de insatisfação popular, que o apoio aberto da grande mídia à oposição trabalhou para
transformar em um movimento social de caráter quase insurrecional, levando o
questionamento de seu mandato às ruas.
O momento atual não
aponta para a existência de razões concretas para o seu impedimento, o Poder
Judiciário já deixou claro que não admitiria atropelos e manobras parlamentares
nesse sentido, como pretendia claramente o presidente da Câmara, que passara o
ano tentando indiretamente governar e ainda tentava se vingar da descoberta de
esquemas de corrupção que montara especialmente para angariar o controle da Casa.
Outro caminho tentado
pelos insatisfeitos com o resultado de 2014, o questionamento da vitória de
Dilma e Temer na Justiça Eleitoral, também não oferece grande expectativa de
êxito.
Mas qualquer instante
de instabilidade política é aproveitado pelos inconformados tucanos para levantar
a hipótese de anulação da sua derrota eleitoral.
Para isso, tem
contribuído enormemente a operação Lava-Jato, em tudo viabilizada justamente
por ações políticas, administrativas e legislativas construídas nos governos liderados
pelo PT, como o fortalecimento e o respeito à autonomia da Polícia Federal, o acatamento
da total liberdade de ação do Ministério Público e a legislação anticorrupção.
Tudo indica que se
chegou ao momento crucial, com o anúncio, como verdade inconteste, do fato de
que delação premiada do senador Delcídio Amaral apontariam para envolvimento
direito ou indireto de Lula e Dilma nas questões sob investigação. Na
sequência, a ação destrambelhada de conduzir irregularmente Lula para prestar
depoimento na Polícia Federal.
Os dois eventos levaram
a disputa inapelavelmente para as ruas. Grupos favoráveis e contrários à
deposição de Dilma tendem a se conflagrar nas ruas no domingo que vem.
Afinal, tudo indica que
o golpe vem a galope, oxigenado por um processo judicial no mínimo questionado
no seu direcionamento, pela determinação dos mais influentes meios de
comunicação do País e pelos políticos que teimam em não aceitar o resultado da
última eleição presidencial.
Já até se ensaiam
algumas vozes desaforadas nos meios religiosos, como o reincidente pastor Silas
Malafaia e, de braços com ele, o Bispo-auxiliar da Arquidiocese de Aparecida,
dom Darci José Nicioli. Olhando o horizonte, parece que 1964 está logo ali.
O surpreendente é que
personagens de história democrática, e até de compromisso popular, parecem achar
razoável e oportuno jogar gasolina na fogueira. Nos últimos dias, Marina Silva
e Luciana Genro deram declarações que estimulam o crescimento da onda golpista.
Dentro do PSOL, de Luciana, a postura não é consensual, ao menos Marcelo Freixo
e Jean Wyllys demonstrando maior preocupação com o momento. Na Rede, de Marina
Silva, ainda não houve manifestações que pareçam mais atentas aos riscos possíveis.
Certo é que não há
muito tempo e nem espaço para dissensões ou vacilações com relação ao compromisso
democrático. Não é um momento para afirmação pessoal ou partidária. Alguém
precisa convocar uma conversa séria das lideranças que têm compromisso pessoal
e histórico com a democracia. Todos sabem quem cabe nessa conversa, quem pode
e deve participar.
Não é preciso discutir
sobre as vocações ou propósitos de cada um e seus grupos políticos. Ali, cada
um conhece as diferença dos demais, mas sabe o que os aproxima e o que os
distancia dos que se lambuzam com as chances oferecidas pelo questionamento da
legalidade.
É preciso que, olhos
nos olhos, responsavelmente, avaliem a realidade e, ao cabo, saiam dali com a
clareza de em que lado cada um estará. No de quem entende prudente lutar para
assegurar a manutenção das conquistas democráticas ou se alguém acha que vale a
pena fazer coro com a turma da instabilidade e correr o risco de um retrocesso
que pode jogar a luta deles próprios e milhões de brasileiros pelo ralo da história.
Quem vai provocar essa
conversa?
Fernando Tolentino
Nas configurações do blogger há a opção de estender a visualização para smartphones, tablets ou notebooks? Fica quase impossível a leitura através do pc. Obrigado
ResponderExcluirPreciso recorrer aos universitários!...
ExcluirMas tenho tido um número razoável de acessos e não tinha ainda queixas relativas ao ambiente em que se abria.
Vou verificar. Obrigado.