segunda-feira, 7 de março de 2016

UMA CONVERSA QUE NÃO PODE TARDAR





As imagens não são de Lula chegando a Congonhas, mas de familiares de Getúlio levados a depor no Galeão

O Golpe de 64 tinha como adversários os trabalhistas, demais partidos de esquerda, políticos nacionalistas e movimentos sociais da base da sociedade. Os pretextos eram a conjectura de que o Governo Goulart abrisse espaço para uma república sindicalista com influência determinante dos comunistas e, o discurso de sempre, o combate à corrupção.
A articulação golpista na verdade era antiga. O primeiro grande movimento se frustrou com o suicídio de Getúlio, em 1954, que jogou as massas na rua e imobilizou os golpistas. Nova tentativa em 1956, com a Revolta de Jacareacanga, no primeiro mês do governo de Juscelino Kubitscheck, sufocada por Henrique Lott, Ministro da Guerra, imobilizando os militares inconformados com a sua eleição. Cinco anos depois, após tentar uma política externa independente – e até condecorar Che Guevara – Jânio Quadros não resistiu às pressões e renunciou. A posse do vice-presidente trabalhista João Goulart só se deu por conta da Cadeia da Legalidade, liderada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola, mesmo assim sendo suprimido de Jango o direito de governar, pois se impôs o regime parlamentarista, derrotado em plebiscito dois anos depois. O golpe definitivo viria em 1964, com a deposição de Goulart.
Após o suicídio de Getúlio, a revolta popular voltou-se contra a imprensa

Além das forças militares que fizeram o golpe, o movimento tinha forte articulação de lideranças religiosas, de importantes lideranças políticas e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que elegera uma bancada significativa no pleito de 1962 e financiava centenas de programas de rádio. O general reformado Hélio Ibiapina revelou à Folha de São Paulo em 1998 que o IBAD possuía ligações com a CIA, Central Inteligence Agency, dos Estados Unidos.
As principais lideranças civis eram os governadores do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que pretendiam disputar uma das vagas (UDN) na eleição presidencial prevista para o ano seguinte e que não se realizou.
A tibieza de Juscelino Kubitschek diante do Golpe não foi suficiente para assegurar o seu mandato, sendo o então senador por Goiás cassado no dia 8 de junho. Carlos Lacerda, tão entusiasmado com todas aquelas articulações golpistas, decepcionou-se em 1966. Juntou-se aos antigos adversários Goulart e Juscelino e articulou a Frente Ampla como movimento de resistência à ditadura. Foi cassado em dezembro de 1968 e levado preso para um Regimento de Cavalaria da Policia Militar do Rio de Janeiro. Adhemar de Barros, também simpático ao golpe e que ficara em terceiro lugar nas duas eleições anteriores para presidente, também teve cassado o seu mandato de governador de São Paulo.
REEDIÇÃO DO GOLPE EM 2016?
Tal qual os militares revoltosos de Jacaraeacanga de 1956, o PSDB e os seus aliados curvaram-se ao inconformismo do candidato derrotado, de 2014, Aécio Neves. Mal o resultado foi anunciado e veio o pedido de recontagem dos votos. Não deu em nada. Representou-se ao TSE, com a alegação de suposto abuso de poder econômico. Deu chabu. No primeiro discurso após a derrota, anunciou: “Faremos uma oposição incansável, inquebrantável e intransigente.” Esperava-se uma oposição ao governo, o que seria natural. Foi uma oposição ao mandato.
A imagem é de profundo desapontamento ou de quem já pensava na vingança?

A tentativa de impedir Dilma de governar deu-se em dois níveis e dois ambientes.
De um lado, a tentativa incessante de questionar o mandato seria traduzida em numerosos pedidos de “impeachment” e repetidos questionamentos judiciais, com a alegação de gastos indevidos na campanha.
Ao mesmo tempo, a oposição se valeu do fato de que a candidatura vitoriosa de Dilma não obteve sustentação parlamentar. Caso o conjunto dos brasileiros entendesse a lógica do sistema eleitoral, teria sido quase como se dissesse: “Queremos que Dilma ganhe, mas não queremos que governe”.
Afinal, o Brasil herdou da Constituinte de 1988 uma contradição evidente entre a opção presidencialista, manifestada pelo povo por meio de plebiscito de abril de 1993, e o modelo de Constituição com fortes nuanças parlamentaristas. É o chamado “presidencialismo de coalizão”, em que o presidente consegue efetivamente governar com forte apoio no Congresso.
Dilma teve que absorver enorme influência dessa composição nitidamente conservadora do Parlamento, negando boa parte do seu conteúdo progressista do palanque de 2014. A base parlamentar, no entanto, revelou-se extremamente instável. Ao mesmo tempo que mordia espaços significativos na composição de seu governo, mantinha-a acuada, negando a aprovação de medidas legislativas que ela considerava indispensáveis e impondo derrotas em outras tantas votações. A instabilidade chegou a um ponto nevrálgico quando o próprio vice-presidente resolveu se aproveitar da situação e anunciar o rompimento, na expectativa de que o poder lhe caísse nas mãos.
O quadro inevitável foi de insatisfação popular, que o apoio aberto da grande mídia à oposição trabalhou para transformar em um movimento social de caráter quase insurrecional, levando o questionamento de seu mandato às ruas.
O momento atual não aponta para a existência de razões concretas para o seu impedimento, o Poder Judiciário já deixou claro que não admitiria atropelos e manobras parlamentares nesse sentido, como pretendia claramente o presidente da Câmara, que passara o ano tentando indiretamente governar e ainda tentava se vingar da descoberta de esquemas de corrupção que montara especialmente para angariar o controle da Casa.
Outro caminho tentado pelos insatisfeitos com o resultado de 2014, o questionamento da vitória de Dilma e Temer na Justiça Eleitoral, também não oferece grande expectativa de êxito.
Mas qualquer instante de instabilidade política é aproveitado pelos inconformados tucanos para levantar a hipótese de anulação da sua derrota eleitoral.
Para isso, tem contribuído enormemente a operação Lava-Jato, em tudo viabilizada justamente por ações políticas, administrativas e legislativas construídas nos governos liderados pelo PT, como o fortalecimento e o respeito à autonomia da Polícia Federal, o acatamento da total liberdade de ação do Ministério Público e a legislação anticorrupção.
Tudo indica que se chegou ao momento crucial, com o anúncio, como verdade inconteste, do fato de que delação premiada do senador Delcídio Amaral apontariam para envolvimento direito ou indireto de Lula e Dilma nas questões sob investigação. Na sequência, a ação destrambelhada de conduzir irregularmente Lula para prestar depoimento na Polícia Federal.
Os dois eventos levaram a disputa inapelavelmente para as ruas. Grupos favoráveis e contrários à deposição de Dilma tendem a se conflagrar nas ruas no domingo que vem.
Afinal, tudo indica que o golpe vem a galope, oxigenado por um processo judicial no mínimo questionado no seu direcionamento, pela determinação dos mais influentes meios de comunicação do País e pelos políticos que teimam em não aceitar o resultado da última eleição presidencial.
Já até se ensaiam algumas vozes desaforadas nos meios religiosos, como o reincidente pastor Silas Malafaia e, de braços com ele, o Bispo-auxiliar da Arquidiocese de Aparecida, dom Darci José Nicioli. Olhando o horizonte, parece que 1964 está logo ali.
O surpreendente é que personagens de história democrática, e até de compromisso popular, parecem achar razoável e oportuno jogar gasolina na fogueira. Nos últimos dias, Marina Silva e Luciana Genro deram declarações que estimulam o crescimento da onda golpista. Dentro do PSOL, de Luciana, a postura não é consensual, ao menos Marcelo Freixo e Jean Wyllys demonstrando maior preocupação com o momento. Na Rede, de Marina Silva, ainda não houve manifestações que pareçam mais atentas aos riscos possíveis.
Certo é que não há muito tempo e nem espaço para dissensões ou vacilações com relação ao compromisso democrático. Não é um momento para afirmação pessoal ou partidária. Alguém precisa convocar uma conversa séria das lideranças que têm compromisso pessoal e histórico com a democracia. Todos sabem quem cabe nessa conversa, quem pode e deve participar.
Não é preciso discutir sobre as vocações ou propósitos de cada um e seus grupos políticos. Ali, cada um conhece as diferença dos demais, mas sabe o que os aproxima e o que os distancia dos que se lambuzam com as chances oferecidas pelo questionamento da legalidade.
É preciso que, olhos nos olhos, responsavelmente, avaliem a realidade e, ao cabo, saiam dali com a clareza de em que lado cada um estará. No de quem entende prudente lutar para assegurar a manutenção das conquistas democráticas ou se alguém acha que vale a pena fazer coro com a turma da instabilidade e correr o risco de um retrocesso que pode jogar a luta deles próprios e milhões de brasileiros pelo ralo da história.
Quem vai provocar essa conversa?
Fernando Tolentino

2 comentários:

  1. Nas configurações do blogger há a opção de estender a visualização para smartphones, tablets ou notebooks? Fica quase impossível a leitura através do pc. Obrigado

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    Respostas
    1. Preciso recorrer aos universitários!...
      Mas tenho tido um número razoável de acessos e não tinha ainda queixas relativas ao ambiente em que se abria.
      Vou verificar. Obrigado.

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