sábado, 20 de agosto de 2011

UM CINEMA COM A CARA DO BRASIL



Deve estrear em breve o filme "Jardim das Folhas Sagradas", do cineasta baiano Pola Ribeiro.Em sessão especial para a imprensa local, pude vê-lo e saí vivamente encantado por muitos aspectos que não encontro no cinema que se faz atualmente no país.

Para os olhares mais apressados, o "Jardim" pode parecer apenas um filme feito sobre o Candomblé, seus rituais, mistérios e até polaridades internas.Mas eu lhe peço, desde já, que se desarme de qualquer preconceito (se é outro o seu credo) e dirija ao filme o olhar humano e inteligente que merece toda grande obra de arte.Não há dúvida de que o povo negro da Bahia e sua cultura religiosa ocupam a centralidade da trama que, no entanto, traz outros temas que pontilham nosso debate contemporâneo e dizem respeito ao tipo de organização social que queremos e à sustentabilidade do planeta em que moramos: a intolerância religiosa, o racismo e a relação profunda entre religião e natureza permeiam a história, disfarçados de tramas secundárias, mas, apenas, "disfarçados".

O "Jardim das Folhas Sagradas" é filme para encher os olhos. Se Pola Ribeiro apenas fixasse a câmera na direção de todos os desdobramentos de um ritual de matriz africana, já teria "cinema transcendental" para oferecer ao nosso olhar. As danças, o colorido de pessoas e roupas,a beleza natural dos cenários e cenas, uma cultura viva no seu momento sagrado, por si sós já fariam a grandeza de um documentário imperdível. Mas Pola conta-nos muitas histórias, dentro de uma história maior, que informa e encanta.

Saí da sessão com a sensação de que, guardadas as proporções,O Jardim das Folhas Sagradas revela uma "coragem de autor" semelhante à "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Gláuber Rocha.Ambos desvelam um Brasil, se não desconhecido da maioria, com certeza olvidado pelos que se escusam a reconhecer e assumir sua profunda identidade cultural.

E em tempos de "Tea Party", "Frente Nacional Francesa", "Liga Norte", "Islamofobia", prática explícita de intolerância religiosa e racial no Brasil, nada melhor do que afirmarmos a pluralidade de nossas origens e, dentre elas, aquela que ficou escanteada por séculos, na tela da TV, na universidade, no cinema e na consciência nacional. A matriz-mãe de nossa diversidade.

O Jardim das Folhas Sagradas é narrativa que prende o olhar do primeiro ao último minuto; é cine-poesia da mais alta beleza e dignidade. Longe do superficialismo dos blockbusters estrangeiros e das comédias-Globo Filmes, comunica-nos um Brasil negro e profundo que, no final das contas, somos nós mesmos.

Jorge Portugal, educador, poeta e apresentador de TV. Idealizou e apresenta o programa "Tô Sabendo", da TV Brasil. Publicado em Terra Magazine (por Bob Fernandes), sexta-feira, 12 de agosto de 2011

2 comentários:

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  2. Bela matéria. Um filme que aborda conteúdos tão importantes, sem dúvidas, deve ser utilizado como recurso didático pelos professores em sala de aula. Ensino numa escola que fica perto do terreiro São jorge Filho da Goméia ( Lauro de Freitas). Esse terreiro por meio da organização cultural Bankoma, oferta aos jovens da comunidade vários cursos ( tecelagem,danço afro,informática, etc) que visam resgatar e valorizar a cultura religiosa do Camdomblé. Vários alunos meus fazem parte dessa associação e possivelmente esse filme terá um grande valor simbólico para eles. Mas como o próprio educador Portugal afirmou, esse filme será de suma importância não apenas para os adeptos do candomblé, mas também as pessoas que seguem outros credos, pois a questão ambiental, a tolerância religiosa e a sustentabilidade são temas de grande relevância social.

    Grande Abraço Toletino. Parabéns pelo Blog!!

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