sábado, 5 de maio de 2018

TRÊS DIAS COM LULA EM CURITIBA



(DIÁRIO DE VIAGEM)
Foi como se já estivéssemos sendo aguardados ali.
Desembarcamos em Curitiba, fizemos uma troca de hotel, almoçamos e rumamos para o Acampamento Marisa Letícia. A ideia era conhecê-lo e, dali, sairmos para o local em que militantes de vários estados brasileiros se reúnem e gritam diariamente em coro um “bom dia” para Lula pela manhã e um “boa noite” ao final do dia. Imaginávamos a força dessa manifestação e entendíamos que, portanto, não poderíamos perdê-la.
Chegávamos no dia seguinte ao terrível incidente em que dois companheiros foram atingidos por balas de calibre 9mm, um deles com três tiros, ficando em estado grave. A segurança se intensificara, mas explicamos que estávamos em “uma visita” e fomos dispensados do cadastramento e da identificação.
A primeira visão foi de uma cozinha ampla sob uma lona, chão de terra, com duas mesas e um fogão industrial. Ao fundo, a área com mantimentos. Ali estava apenas a companheira Maria (São Paulo), de modo que seguiu-se a imediata oferta:
Mariana Rosa – Estão precisando de ajuda?
Não houve floreio na resposta: “Claro. Lavem as mãos ali e peguem as toucas ali.”
A responsabilidade pela cozinha era de Cruz (José Luzardo Cruz Brum), um gaúcho em que notei descendência indígena e com formação militar. Acolhia toda a ajuda, mas mantinha a autoridade. Até nos prestigiou com o que vimos como um elogio (“Vocês têm restaurante?  Vejo que têm a técnica.”), mas não se curvou aos dotes culinários de Mariana. Quando ela tentou tomar a iniciativa e colocar uma colher de pau numa imensa panela com cubos de abóbora, Cruz aproximou-se e jeitosamente advertiu: “O que vale é a intenção, mas não toque nessa abóbora”. E alegou que era uma receita francesa.
Não paramos mais, já com a ajuda de Maria e do jovem Elísio, que se uniu às tarefas. Cortando legumes para o jantar e, antecipadamente, para o almoço do dia seguinte. Enchendo enormes panelas com água, descascando e cortando beterraba, batatas, chuchu, cenoura. Cortando frango. Picando tempero verde e carne. Tudo em grandes quantidades. Entre as tarefas, a lavagem de utensílios de cozinha e das panelas, algumas exageradamente grandes para o tamanho da pia. O que não havia para se queixar era da organização do tempo, atentamente definido por Cruz, e do local, onde era possível encontrar todo o necessário. Não tardou para entendermos que não estaríamos na concentração do início da noite. Tudo precisava estar pronto quando o pessoal chegasse do local da vigília.
Quando saímos do acampamento, já se formava a longa fila para o jantar. Fomos ao lugar que os companheiros designaram como Praça Olga Benário, a companheira judia de Prestes entregue, grávida, aos nazistas durante a Segunda Guerra, posteriormente morrendo em um campo de concentração. É um cruzamento em uma área residencial, onde ficam montadas poucas barracas de apoio, conforme acordo firmado com autoridades municipais e judiciárias. A cerca de 100 metros da Polícia Federal, é possível se fazer ouvir por Lula quando as vozes se juntam em coro.
Na saída, Mariana perguntou a Cruz se havia alguma necessidade imediata a que pudéssemos atender na manhã seguinte. A Meteorologia previa chuva para as próximas 24 horas e ele nos explicou que os mantimentos estavam sob uma cobertura de plástico, insuficiente para garantir que não se estragassem. Era indispensável dispor de uma lona impermeável, medindo 10 x 10 metros. Falou também da importância de gás e água, itens de grande consumo.
Após a caminhada de pouco mais de um quilômetro, chegamos ao local da vigília em tempo apenas de absorver o que restava da energia da recente manifestação. Mas saímos dali com a sensação de termos participado intensamente da solidariedade ao companheiro Lula e à nossa gente. Mais: com a certeza de que ajudar na preparação do jantar teve tanta força quanto se chegássemos para o “boa noite”.
Começamos o dia na vigília diante da Polícia Federal. Imaginem a energia que exala aquele encontro, militantes das regiões mais distintas do País, gente envolvida com as mais diversas atividades, criadas nas mais diferentes culturas, todas conscientes de reagirem contra um processo absolutamente partidarizado, que tem como motivação retirar da disputa presidencial deste ano justamente o nome que representa a esperança da grande maioria da população. De gente que está sufocada por um golpe e suas mais perversas consequências, mas tem a certeza de que há uma saída para o Brasil, com desenvolvimento, empregos, conquistas sociais e preservação do interesse nacional. Tem clareza que essa saída atende pelo nome de Lula e, por isso mesmo, ele está trancafiado injustamente em uma cela. O cadeado é o ódio de classe de uma “elite” que até comemora perdas se elas forem mais pesadas para os que as sofriam há séculos e as tiveram aliviadas durante os cerca de 14 anos em que, com Lula e Dilma, o PT esteve à frente do governo federal.
O ato é simples: uma a uma, vozes diferenciadas se sucedem puxando “Bom dia, presidente Lula”. Um enorme coro repete cada “Bom dia, presidente Lula”, com vozes que nascem dos corações, os pulmões apenas dando a força para que se ergam e cheguem à minúscula cela do mais importante preso político da História do Brasil.
O tempo era curto. No início da tarde, participantes de vários grupos de Whatsapp já comunicavam depósitos em nossas contas de valores diferenciados, mostrando o entusiasmo diante do apelo disparado por Mariana no final da noite anterior. O montante já se aproximava do necessário e saímos em busca da lona, em boa parte do tempo acompanhados pelos companheiros também brasilienses Emanoel e Sandra.
Chegamos ao acampamento no exato momento em que era servido o jantar e entramos na cozinha para entregar a lona a Cruz. Difícil contar a nossa emoção, contaminados pela de Cruz, que sequer conseguiu conter as lágrimas. Tomou o microfone e pediu que fosse suspensa a entrega da refeição para que todos pudessem ouvir “uma importante informação”. Depois de contar o ocorrido e mostrar o pacote com a lona aos seus pés, o microfone foi entrega a Mariana, que destacou o caráter coletivo da doação, e a mim.
Ainda embalados na emoção daquele momento, chegamos à Praça Santos Andrade para assistir ao lançamento do documentário “O Processo”, de Maria Augusta Ramos.
Aproveitamos o ato unificado do 1º de maio para concentrar as atenções nas pessoas que se concentravam ali, cientes do significado histórico do que faziam. Fizemos alguns vídeos e pudemos nos surpreender com a quantidade de curitibanas ansiosos por falarem e afastarem a impressão de que a cidade é uma extensão da “justiça” politizada de Sérgio Moro e sua turma.
Não resistimos, após o ato, e voltamos à Praça Olga Benário, para repetir a experiência de mandar o cumprimento para o nosso querido sentenciado, agora com o “Boa noite, presidente Lula”.
Dia de volta para Brasília, voltamos ao Acampamento Marisa Letícia para retomar nossas tarefas na cozinha, agora com o reforço das companheiras brasilienses Marisa Borges, Rosilene Corrêa Lima e Luciana Custódio. As companheiras Darly Máximo, Marlene Bastos e Bete Ramos incorporaram-se ao trabalho de organização da cozinha. O grupo também passou todo o dia no Acampamento, contribuindo para preparar e servir o almoço e posteriormente o jantar. Todo tipo de ajuda: a certa altura, vi Mariana chegando com colheres de pau, que comprou em um mercado das proximidades, pois quebrou a que Cruz usava e só ficaram as muito pequenas. Uma doação pequena, mas indispensável.
É claro que o grupo estava exausto ao embarcar para Brasília no final da noite. Mas não faltou força para juntar-se a outros brasilienses que também retornavam da militância curitibana e aprontar uma manifestação em pleno voo, embora diante de forte estresse do comandante da Latam, que chegou a ameaçar com a convocação de força policial, mesmo que tivesse de interromper o voo em São Paulo ou retornar a Curitiba. Embora se fizesse silenciosa durante boa parte do trajeto, substituída por desfiles com a bandeira do PT e um “Olê, olá, Lulá, Lulá” murmurado em coro, a manifestação prosseguiu no aeroporto de Brasília, só se dissolvendo com o embarque de cada uma e cada um para as suas casas.
Fernando Tolentino

2 comentários:

  1. Parabéns por contribuir com essa linda militância,com certeza foi uma ótima experiência, pois além de conhecer pessoas com costumes e sotaques diferentes, pode sentir de perto s injustiça que fizeram com o nosso Presidente, queria poder contribuir da mesma forma, mas fico por aqui torcendo para que a verdadeira justiça seja feita, que é o Lula livre. Porque o Lula livre é Lula Presidente.

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  2. Tomado por muita emoção.
    Aqui estou eu. No isolamento social. Futricando a internet.
    Encontrei um diário.😥😥😥😥. Em outro momento prossigo. Abraço meus queridos. 55 996798508

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