quarta-feira, 27 de setembro de 2017

QUEM AINDA ACREDITA NA JUSTIÇA?


Vou lançar um desafio. Pergunte a qualquer pessoa para que serve a Justiça.
Nem imagino as respostas que obterá. Mas duvido que alguma a dignifique, demonstre credibilidade, propicie acatamento.
Já tinha a justiça brasileira no pior conceito até uns três ou quatro anos atrás, especialmente em face de minha experiência pessoal, sempre invariavelmente frustrante.
Hoje, está praticamente disseminada a concepção de que manter o sistema judicial é, no mínimo, jogar dinheiro fora. Muito dinheiro!
E não se diga que a opinião pública (desculpem o trocadilho) está sendo injusta.
Creio que a juízes sérios, honestos, interessados em harmonizar conflitos e fazê-lo tendo como primado a lei. Não pensem que é ironia, piada, deboche. Acredito nisso mesmo. E tenho pena deles, por supor que têm clareza de como são prejudicados pela generalização da percepção da sociedade.
É mais ou menos como o ambiente da política, em que se torna cada vez mais difícil crer na presença de gente voltada para o interesse público.
E vamos reconhecer que, em um caso e outro, a culpa é deles, os políticos e os juízes. Se os que desqualificam os dois grupos não são a esmagadora maioria, ao menos é possível dizer que é absolutamente massacrante a repercussão da atividade de uns e de outros.
Pare e pense nos exemplos de decisões que não favorecem o acatamento ao sistema judicial.
Vou ajudar e citar alguns casos pelo menos amplamente questionados, sem a preocupação de respeitar a cronologia dos fatos.
- Repetindo um gesto que tivera nada menos de 17 antecedentes, Diego Ferreira de Novais (27 anos) foi preso, em flagrante, após se masturbar e ejacular em uma passageira dentro de um ônibus. O juiz José Eugenio do Amaral Souza Neto, do Foro Central Criminal da Barra Funda, decidiu simplesmente libertar o rapaz. Talvez nem fosse necessário dizer que, passados dois dias, ele foi novamente flagrado e preso em idêntica atitude.
- Dias antes, a desembargadora Tânia Garcia Freitas Borges mostrou que, na sua compreensão, o seu cargo lhe dá a prerrogativa de proteger os filhos. Como já fizera com um deles, pressionou a autoridade judicial até que conseguir tirar da cadeia o filho Breno Fernando Solon Borges (37 anos), preso com maconha, munições de fuzil e uma pistola 9 milímetros, armamento de uso restrito das Forças Armadas. Justificou-se que o rapaz sofre da “Síndrome de Borderline” e precisaria ficar sob cuidados psiquiátricos.
- Após as manifestações de 2013, só uma pessoa foi mantida na cadeia. O morador de rua Rafael Braga foi preso portando um vidro de Pinho Sol. Com a alegação de que teria consigo 0,6g de maconha, 9,3g de cocaína e um rojão, o que ele nega, foi condenado a 11 anos e três meses de prisão, além do pagamento de R$ 1.687, pelo juiz Ricardo Coronha Pinheiro. Rafael contraiu tuberculose na prisão, tendo o regime alterado em razão disso há poucos dias para prisão domiciliar.
- Uma decisão liminar da juíza Gabriela Jardon Guimarães de Faria, da 6a. Vara de Justiça Civil do Distrito Federal, proibiu o Diário do Centro do Mundo de utilizar a palavra “helicoca”, pela qual ficou conhecido o helicóptero da família do senador Zezé Perrella, apreendido com 445 quilos de pasta base de cocaína.
- A Décima Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, seguindo o entendimento do desembargador Cleber Ghelfenstein, condenou o jornalista Luís Nassif por dano moral por ter maculado a imagem do ex-deputado Eduardo Cunha.
- A atriz Monica Iozzi foi condenada pelo juiz Giordano Resende Costa, da 4ª Vara Cível de Brasília, a indenizar o ministro Gilmar Mendes, que reclamou de uma foto dele publicada no Instagram dela com o questionamento “cúmplice?”. Monica Iozzi referia-se à concessão, por Mendes, de Habeas Corpus para Roger Abdelmassih, que fora condenado a 278 anos de prisão por ter cometido estupros contra 37 mulheres.
- Já que falei no ministro Gilmar Mendes, ele é frequentemente citado por rumorosas concessões de Habeas Corpus não apenas para Abdelmassih, mas também em favor de Daniel  Dantas (dois em 48 horas), depois que o empresário foi preso pela Polícia Federal por presumivelmente haver se apropriado de US$1 bilhão de 12 fundos de pensão estatais na aquisição da Brasil Telecom para o Citibank; para o também empresário Érik Batista, defendido por escritório em que trabalhava a esposa do ministro; Cristina Maris Meinick Ribeiro, que fora condenada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro por dar “sumiço” em processos da Receita Federal contra a Globopar, controladora das Organizações Globo; e o também empresário Jacob Barata Filho, sendo que coincidentemente o ministro foi padrinho de casamento de sua filha.   
- Em passado recente, milhões de usuários do sistema Whatsapp em todo o Brasil tiveram o serviço suspenso por decisões liminares de diversos juízes, sempre em virtude de processos de interesse restrito a suas comarcas. Foi o caso do juiz Luis Moura Correia, de Teresina (PI); do juiz Marcel Montalvão, de Lagarto (SE); da juíza Sandra Marques, de São Bernardo (SP); e da juíza Daniela Barbosa de Souza, de Duque de Caxias (RJ).
- Um dos casos mais contestados se deu neste mês, quando o juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal, Doutor Waldemar Cláudio de Carvalho, concedeu liminar para que psicólogos possam aplicar tratamento terapêutico de reversão ou reorientação sexual, popularmente conhecido como “cura gay”.
- Processos que atingem pessoas ligadas ao mundo político parecem ter tratamento extremamente diferenciado, como são os casos do rigor aplicado no caso de José Dirceu, que acaba de ter sua pena ampliada para 30 anos pelo TRF 4 quando apreciada em grau de recurso, mesmo que inexista provas que o incriminem; enquanto isso, com todos os dados disponíveis, o deputado Paulo Maluf é condenado a 9 anos, em processo que teve 8 anos na fase de instrução, o que pode levar a que ele sequer venha a cumprir o regime fechado.
- José Dirceu (assim como Delúbio Soares e os então deputados José Genoíno e João Paulo, entre outros) já teve tratamento distinto no julgamento da AP 470, apelidada pela grande mídia como “mensalão”, que tramitou com grande agilidade e exposição pública; embora os fatos tenham se dado há mais de 20 anos, portanto muito antes daquele processo, o chamado “mensalão do PSDB” não levou ninguém à prisão, mesmo o presidente do partido, ex-governador Eduardo Azeredo, tendo sido condenado a 20 anos de reclusão.
- Causa também alarde a decisão relativa ao senador Aécio Neves, que escapa da prisão, mas é afastado do mandato mais uma vez, deverá permanecer em casa à noite, tem que entregar o passaporte e fica impedido de se comunicar com os demais indiciados no processo, inclusive a irmã.
- Por último, já é impossível esconder o tratamento questionável do juiz Sérgio Moro com relação ao ex-presidente Lula. Inegavelmente, a atitude é de quem julga Lula e não presumíveis crimes que ele poderia ter cometido e, mais que isso, há um notório ânimo de enfrentamento, que leva à indisposição até com relação ao encarregado da defesa, que afinal de contas é apenas o profissionalmente cumpre esse papel.
Em muitos desses casos (ou todos eles), a avaliação disseminada na população é de que juízes julgam com o poder que têm, podendo não raro ultrapassar os limites da lei.
E enraizando-se a convicção de que há pessoas sistematicamente beneficiadas por decisões de juízes e outras que terão quase infalivelmente prejudicados os seus direitos: os pobres e os pretos.
Abro exceções em que percebo confiabilidade no seio da opinião pública. Nos processos da Justiça do Trabalho e, em boa parte das vezes, quando se trata do respeito à mulher no Direito da Família.
Sugiro que reflitam sobre e cheguem às suas conclusões.
Fernando Tolentino

Nenhum comentário:

Postar um comentário