Adianta muito o comandante do
Exército, general Eduardo Vilas Boas afirmar que foi superado o episódio
envolvendo as declarações do general Antonio Hamilton Mourão na Casa Maçônica
Grande Oriente? Ou o atoleimado Raul Jungmann (ministro da Defesa?) declarar
oficialmente que não há indisciplina no Exército?
Ou muito menos o general Mourão
dizer que foi mal interpretado, suas declarações foram colocadas fora de
contexto ou o episódio exagerado?
Até aí a discussão ficaria
limitada a questionar se seriam bravatas de um militar irresponsável, se ele
mentiu na palestra ou ao se considerar mal interpretado.
O que não faltou foi clareza ao
falar para os seus amigos maçons.
“É óbvio que, quando nós olhamos
com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘pô, por
que não vamos derrubar esse troço todo?’ Na minha visão – e aí minha visão
coincide com a dos companheiros do Alto Comando do Exército – nós estamos numa
situação daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmo, de
aproximações sucessivas, até chegar um momento em que ou as instituições
solucionam o problema político pela ação do Judiciário, retirando da vida
pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos
que impor isso.” Ou seja, se falava em nome pessoal (e não podia ser
diferente), dizia revelar o que seria um consenso do Alto Comando.
Seria o suficiente. Mas não ficou
nisso. Afirmou que já um planejamento e lançou o que pode ser visto como uma
ameaça ao Legislativo, ao Executivo (a quem o Exército deve subordinação) e ao
Judiciário: “os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, chegará
a hora em que nós teremos de impor uma solução.”
Mas o retorno da síndrome
autoritária ao menos de parte do oficialato superior já fora antecipado pelo general de Exército Maynard Marques de
Santa Rosa em artigo (“é hora da reação”) publicado na página oficial do Exército no início deste mês.
Na sequência do que
poderia no mínimo ser qualificado como um disparate do general Mourão, vieram
as reafirmações.
O coronel Sérgio Paulo Muniz Costa, do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
após uma menção indireta a Lula, diz que “as palavras do General Mourão expressam uma unanimidade do Alto Comando”.
Unanimidade é forte, né?
O general Paulo Chagas também reafirma as colocações de Mourão e deixa
perceber a contradição que orienta a linha de raciocínio dos militares. Afirmando
que o Exército “só agirá dentro da lei e com
legitimidade”, mas se referindo a que, “na hipótese extrema de desordem total de
perda do controle da situação pelas autoridades constituídas” – e faz
referência a que “seria este o objetivo claro da esquerda bolivariana” – “os
militares não poderiam ficar inertes, aguardando ordens” (e questiona “de quem?”),
como se isso não estivesse perfeitamente delineado na tal LEGALIDADE, ou seja,
a Constituição. Isto é, quando diz que “as FFAA, terão que tomar a iniciativa
de restabelecer o controle da situação e, principalmente, a legalidade e a
ordem”, essa iniciativa significa rasgar a Constituição, que não a autoriza, ao
deixar claro que as Forças Armadas só se mobilizam na estrita subordinação ao
presidente da República. Em outras palavras, fala em avançar do golpe
institucional para o GOLPE MILITAR.
Não é diferente o teor
da carta encaminhada pelo general de brigada Paulo Chagas ao senador Randolfe
Rodrigues (Rede).
Mas o mais grave,
observa a jornalista Mírian Leitão, na sua coluna em O Globo, é que o próprio
general Vilas Boas, comandante do Exército, tentou desanuviar a tensão em
entrevista em programa de Pedro Bial e, na verdade, reafirmou o que Mourão e os
demais subordinados têm asseverado.
HÁ MUITO COM O
QUE SE PREOCUPAR
De um lado, os
militares referem-se enfaticamente à questão da corrupção e não deixam de evidenciar
que isso se espalha pelo Executivo e pelo Legislativo. Não há novidade. Essa
linha de argumentação, que aproxima uma eventual intervenção do atendimento a
um clamor público, estava também na base do movimento militar de abril de 1964.
De outro, pelo menos duas manifestações citam o que seria a “esquerda bolivariana” e indiretamente o ex-presidente Lula.
Pois é significativo
que essas manifestações ocorrem em um momento particularmente rico do processo
político brasileiro.
As forças políticas
hegemônicas no Poder Legislativo e no Executivo desdenham da impopularidade do
projeto que os fez afastar a presidenta eleita Dilma Rousseff e investem
justamente contra os compromissos que ela levou à campanha de 2014, quando
Michel Temer se travestia de seu companheiro de chapa.
Não se trata somente de
que os entrevistados da recentíssima pesquisa CNT/MDA tenham atribuído uma
avaliação positiva de mirrados 3,4% para o governo Temer. Ou de que o vejam com
desesperança em todos os quesitos apurados: expectativa de melhora com relação
ao emprego
em magros 25,7%, à renda em 22,1%, à saúde
em 21,1%, à educação em
25,0% e à segurança pública em
16,6%.
Mais eloquente é a posição de 80%
contrários às reformas que são executadas pela coalização de Temer e a sua base
própria com as forças que apoiaram a candidatura derrotada de Aécio Neves em
2015, à frente o PSDB. Ou seja, a verdadeira definição do golpe, uma união
entre os derrotados eleitoralmente e o vice-presidente que traiu a presidenta
eleita a afastou.
Em outras palavras, mesmo parte
substancial dos que votaram em Aécio (a maioria deles) são hoje contrários ao
programa que o fez candidato. Mesmo assim, é este programa que o Executivo e a
nova maioria do Legislativo impõem ao País.
A ESCOLHA DO CAMINHO (QUE OS
GOLPISTAS TEMEM)
Não é por acaso que o nome de
Lula se mantém em franco crescimento como opção para presidente da República
(32% a 32,7%) e o maior forte nome do PSDB (João Dória) esbarra em 9,4%, em
quarto lugar, enquanto Aécio não passaria de 3,2%. Ou que cede progressivamente
a sua rejeição, mesmo a pesquisa CNT/MDA tendo sido aplicada justamente nos
três dias que se seguiram ao seu último depoimento ao juiz Moro. Embora alta, a
rejeição ponderada de Lula é hoje a menor entre todos os nomes citados, com
50,8%. A maior é justamente a de Aécio (72,5%) e a mais próxima é a de Jair
Bolsonaro, 52,2%.
Em cinco cenários de um hipotético
segundo turno, Lula aplicaria goleadas em todos os eventuais adversários, com
diferenças de 27% sobre Aécio, 17,3% com relação a Geraldo Alckmin, 16,4% para João
Dória, 14% para Marina Silva e 12% diante de Bolsonaro.
Em outras palavras, isso indica
que a sociedade começa a
escolher o caminho para dar um fim à balbúrdia. Para enfrentar a corrupção? Não
especificamente, mas o que mais lhe preocupa, a perda de direitos e de uma
dinâmica na economia que garanta crescimento e empregos. É isso que a população
vê em Lula, pois foi isso o que teve nos seus dois governos e boa parte do
primeiro mandato de Dilma, mesmo que a crise econômica internacional tenha
eclodido em 2008, metade do segundo mandato de Lula.
Há três principais
grupos entre os virtuais eleitores de Lula.
Os que simplesmente reagem
às acusações bombardeadas diariamente em jornais, rádio, TV e quantas outras
mídias sejam controladas pelo capital monopolista. Fazem a leitura (ideológica)
de que há uma tentativa para inviabilizar a sua candidatura judicialmente, com
a sua condenação (por meio de processos que até hoje não têm provas) ou
eleitoralmente, se não conseguirem a sua condenação em tempo. Avaliam que a
guerra midiática tem em vista também tentar prejudicar a condição de Lula como
o “grande eleitor”, aquele que, caso não concorra, terá condições de indicar o
vencedor.
O segundo grupo é o dos
que não acreditam nas acusações. De tão reiteradas pela grande mídia e sem que
qualquer prova seja exibida, chegam à conclusão de que ocorre tão somente uma
peleja, uma birra: de um lado, o juiz Moro e seu grupo; de outro, Lula. Ou
entre os órgãos de grande imprensa e Lula. O que mais ajuda nessa compreensão é
que, com a fartura e nitidez de provas contra outras personagens (Aécio, Cunha,
Loures, Temer, Geddel, as esposas de Cabral e Cunha, entre outros), seus nomes
saem rapidamente dos noticiários e não raro desaparecem também os sinais de que
as investigações prosseguem.
O terceiro grupo é o
que poderia estar preocupando quem tem posição de princípios contra a
corrupção, entre eles os militares, embora na condição de cidadãos. Tal é o afã
com que querem encontrar uma saída para a crise nacional que esse grupo sequer
vê como grave uma possível culpa de Lula em processos de corrupção. Inclusive
porque consideram as acusações desproporcionais com relação aos outros
personagens implicados nos processos.
É o conhecido “rouba,
mas faz”. Fui abordado por um simpatizante de Lula que me trouxe esse tipo de
raciocínio quando busquei atendimento em uma casa de saúde de Brasília há
poucos dias. Nem adiantou que eu tentasse questionar a culpa de Lula. O seu
argumento era de que “isso não importa, ele é quem pode resolver a situação do
País e trazer de novo emprego e crescimento”.
A gravidade disso é
porque deseduca o eleitor. Transforma a corrupção como algo que é inerente à
política e, se assim é, que se entregue o Brasil a quem pelo menos pode
oferecer resultados à sociedade. Mas fica, na raiz, uma visão descomprometida
com a realização de uma política sadia, voltada exclusivamente para os
interesses da sociedade.
O POVO NÃO QUER ABRIR MÃO DA
SAÍDA QUE VISLUMBRA
É verdade que – no
desaparecimento do PSDB e na desqualificação também do PMDB, seguidos pelos
partidos e políticos de prática política mais vinculada – cresce um eleitorado,
ainda que minoritário, descomprometido com a democracia, mas fortemente avesso
a Lula e ao PT ou mais genericamente à esquerda. É o grupo que vem nutrindo a
candidatura radicalmente conservadora de Bolsonaro. Hoje, é o único nome que
efetivamente cresce nas sondagens de opinião pública. Mas é notório que não
escape da rejeição que contamina os políticos no seu conjunto e aparentemente ainda
não tenha chegado ao limite do seu crescimento. Além do que dele não se
aproxime boa parte dos eleitores conservadores.
Mas o fato é que Lula é
o único a crescer diante do que talvez tenha sido a maior guerra midiática
contra o nome de um político em toda a História do Brasil e não duvidem de que
tenha sido o caso mais eloquente de linchamento pessoal do mundo.
É em face disso que
preocupa o surgimento de uma onda que ameace com a intervenção militar,
explorando claramente a insatisfação da sociedade com a questão da corrupção,
mas sintomaticamente omissa com relação à questão social e econômica e, ao mencionar
ou insinuar algum antagonismo político, demonstra que isso está na justamente
na esquerda e em Lula.
É preciso estar atento
ao conjunto do que revela a pesquisa CNT/MDA e, particularmente, uma novidade
na apreciação do momento político da sociedade. Somente 5,03% declararam ter
participado de manifestações pela saída de Dilma: 45,3% de 9% que estiveram em
alguma manifestação desde 2013. Mas 30,8% têm intenção de participar de alguma
manifestação pela saída do presidente Michel Temer.
Ninguém deixe de
considerar a combinação desse indicador com o crescimento de Lula, a redução da
sua rejeição e a avaliação programática do governo Temer, inclusive a condenação
das reformas que são introduzidas por PMDB, PSDB e partidos coligados.
O povo sabe o que não quer,
espera pela saída eleitoral e começa a identificar o caminho. Mas ninguém
imagine que abre mão da esperança.
Fernando
Tolentino
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