terça-feira, 24 de maio de 2016

DEUS É MESMO BRASILEIRO!



A expectativa de um articulista é só escrever quando tem informações e a articulação entre elas. Enfim, certezas ou, pelo menos, convicções. Pois eu escrevo hoje apesar de fazê-lo para disseminar mais dúvidas, questionamentos, desconfianças.
A velocidade dos fatos políticos está nos obrigando a isso.
Fui a Belo Horizonte para participar do 5º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais e voltei com a definição de qual seria a minha próxima postagem no blog. Uma provocação importante e (até ontem) extremamente oportuna, boa parte dela fundada no pronunciamento do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) na sessão de encerramento, o que também fora dito pelo jornalista Paulo Moreira Leite (247) em um dos painéis: o golpe não está consumado.
A certeza de ambos não está ancorada simplesmente falta a análise do mérito pelo Senado, depois da defesa da presidenta Dilma Rousseff. Isso já daria uma boa margem de dúvida para a irreversibilidade do processo. Afinal, alguns senadores disseram que autorizavam o processo, mas não tinham certeza de votar contra Dilma no mérito e somente dois votos ultrapassavam os dois terços necessários para o afastamento definitivo. O que animava a análise de Pimenta e Moreira Leite são as contradições do processo político, não o de apreciação pura e simples do “impeachment”.
Já houve certa reversão de expectativa de alguns senadores após a abertura do processo, talvez por não verem os seus pleitos contemplados pelo governo provisório, mas também e principalmente porque os sinais começaram rapidamente a se inverter na opinião pública.
GOVERNO NOVO OU SUBSTITUIÇÃO?
Eu mesmo imaginava que Temer gastaria esse período com os olhos voltados para as eleições municipais de outubro, deixando as maldades para o final do ano. Não levei na devida conta a voracidade dos grupos econômicos que efetivamente fizeram a sua “eleição indireta”. Temer chegou ao posto anunciando as medidas que constavam da sua Ponte para o Futuro, assegurando a retaguarda do grande capital brasileiro.
Uma semana bastou para que jogasse na cara da opinião pública as suas reais intenções: alongar o tempo de trabalho exigido para a aposentadoria; desvinculação dos reajustes entre aposentadorias e salário mínimo; a deste co am inflação (mais o crescimento do PIB), como instituído desde Lula; subordinação dos direitos trabalhistas aos acordos coletivos; intensificação da terceirização; amputação violenta no programa Minha Casa, Minha Vida; retirada da Bolsa Família de milhões de famílias; redução do programa Mais Médicos  a cerca de um terço; revisão (extinção?) do SUS; liberação de controle sobre planos de saúde privados; redução substancial de recursos para saúde e educação; cobrança de anuidades em instituições públicas de ensino superior; redução dos recursos do FIES; extinção da Farmácia Popular e do SAMU; entrega de estatais à iniciativa (anunciadas a da ECT, do Instituto de Resseguros e da Casa da Moeda, aventando-se a de venda de parte da Caixa Econômica e do Banco do Brasil; revisão do marco estratégico do Pré-Sal.
Ufa! É pouco? Foram extintos vários ministérios da área social (direitos humanos, mulheres, negros, trabalhadores rurais sem terra), além do da Cultura, de que Temer recuou diante do clamor popular e dos profissionais da área. Pra não deixar dúvidas do caráter excludente do governo, compôs uma equipe de primeiro escalão exclusivamente com brancos do sexo masculino e nenhum trabalhador.
Espere aí! Temer não se julga no direito de substituir (temporariamente) Dilma porque, eleito junto com ela, seria potencialmente herdeiro dos mesmos 54 milhões de votos? Como entender suas alianças, excluindo o partido dela e coligando-se com as bases do candidato então derrotado? Mais, assumindo o programa rejeitado pelo povo.
Cada uma dessas decisões corrói uma parte do apoio ao golpe, os que pediram o afastamento de Dilma. Por isso, as lideranças golpistas quiseram e fizeram um processo com celeridade impressionante, tornando-se a única pauta da Câmara dos Deputados no primeiro semestre.
Além disso, muita gente se juntou às hordas golpistas acreditando que aquilo era uma luta contra a corrupção, dada pela mídia como uma exclusividade do grupo do poder, notadamente os petistas. Problema é que os fatos desmentiam isso, tanto que, na única manifestação numericamente relevante deste ano, os populares vestidos de amarelo expulsaram da Avenida Paulista as principais lideranças do movimento, como o próprio ex-candidato Aécio Neves.
Pois isso ficou mais claro na formação do time da “temeridade”, com nada menos de sete integrantes envolvidos na Lava Jato e praticamente todos com alguma acusação criminal, um deles por homicídio. O ministro da Justiça teve que se contorcer para negar que era advogado do PCC. O próprio Temer é denunciado na Lava Jato e foi condenado por crime eleitoral às vésperas de assumir, tornando-se ficha suja.
Para não falar de Eduardo Cunha, com peso suficiente para nomear as principais autoridades da área jurídica do governo.
Não há popularidade que resista!
Para Paulo Pimenta, só faltava o que chamou de “centelha”, o detonador da insatisfação contra o governo interino. Ele defendeu em Belo Horizonte que isso se daria com a decisão da Câmara de livrar Eduardo Cunha da cassação, o que deve se dar nos próximos dias.
A capa da Folha de São Paulo desta segunda-feira sobrepôs-se a tudo isso.
Não se qualificava como fantasioso o discurso da base de Dilma, usando-se o desmentido até de alguns doutos ministros do STF? Pois ficou provado que foi golpe! Sem meias palavras: GOLPE.
Claro que a tenebrosa palavra não foi proferida. Mas todo o desenho da ardilosa conspirata para derrubar Dilma estava nitidamente demonstrado por ninguém menos que o senador Romero Jucá, um dos seus principais artífices, presidente do PMDB e ministro do Planejamento da equipe de Temer. Um diálogo assaz esclarecedor com o ex-senador Sérgio Machado, até pouco tempo presidente da Transpetro por indicação do PMDB.
Trata-se de gravação de conversa entre ambos, que repousa na Procuradoria Geral da República desde março, semanas antes de a Câmara dos Deputados apreciar o pedido de afastamento de Dilma. Os dois combinam como deter a Lava Jato e concordam que a alternativa é afastar Dilma Rousseff, substituindo por Michel Temer. Diz Jucá: “Michel, vem cá, é isso e isso, isso, vai ser assim, as reformas são essas”.
Antecipação de tática por Jucá: "Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem". 
Ele define o senador Renan Calheiros como a única resistência, por sua animosidade com Cunha. O argumento para Renan: ele será o próximo! "Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele [Renan]. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor para ele. Ele não compreendeu isso não", diz Machado.
Romero Jucá informa que já caiu a ficha do pessoal do PSDB e cita Aloysio Nunes Ferreira, José Serra, Tasso Jereissati e Aécio Neves. Todos estariam “na bandeja” das investigações. E Aécio seria “o primeiro a ser comido”.
Machado lembra como se viabilizou a eleição de Aécio Neves para presidente da Câmara dos Deputados em 2001: "O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele [Aécio] ser presidente da Câmara?"
“Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria”, avalia Jucá. Machado complementa: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.” E Jucá conclui: “Com o Supremo, com tudo.” Mas não é apenas especulação. Ele informa ao amigo que já conversou com ministros do Supremo que o teriam orientado (abaixa a voz): “ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca”.
Conta que foi além nas articulações golpistas, tendo conversado com generais, comandantes militares. “Os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.”
E Jucá orienta Machado a procurar Renan e Sarney. Já se sabe que Machado teria gravado essas duas conversas, hoje também à disposição da PGR. Teriam informações tão estarrecedoras quanto as reveladas pela FSP. Ou mais.
Já se sabe das movimentações dos partidos que se opõem ao golpe. O PSOL pede a prisão de Romero Jucá, mostrando a semelhança com a situação de Delcídio Amaral, preso por obstrução das investigações. O senador Telmário Mota e o seu Partido, o PDT, estão iniciando pedido de cassação de Romero Jucá por obstrução de justiça. O PT quer que Jucá abra a boca e conte o que sabe.
De fato, qualquer que seja o meio, é preciso que Jucá seja mais preciso. Quais foram os ministros da mais alta Corte que lhe recomendaram articular um golpe como saída para a paralisação das investigações da Lava Jato? Ele só livrou a cara de Teori Zavascki, a quem disse não ter acesso. Quais os nomes dos comandantes militares que, segundo ele, estariam envolvidos na conspiração? Que outros detalhes envolviam esse “pacto”, capaz de unificar personagens dos três poderes e até os militares, vistos como um exemplo de disciplina durante todo esse processo.
Depois da experiência dessa primeira semana de interinidade e, muito mais claramente a partir da matéria de hoje, os principais atores do processo de golpe contra Dilma têm duas alternativas: rever a sua postura, preferencialmente fazendo um mea culpa ou desmoralizar-se completamente. Isso inclui a própria Folha de São Paulo, para quem cabe dar o crédito pela coragem de publicar a história da gravação.
Não há dúvida, a divulgação da conversa tem potencial para anular todo o processo de “impeachment”. Isso se o STF se munisse de brios e resolvesse mostrar que não está comprometido com o golpe.
Não anulado, o processo de afastamento de Dilma perderá substância. Até aqui, a realidade vem confirmando o que está na conversa. Seguiria um “script” assustador, diante do testemunho do País, de outros governos e da unanimidade da mídia internacional, que tem visto com suspeita o que sucede no Brasil.
Ao menos durante essa segunda-feira, a maior parte da mídia preferiu insistir no respaldo ao mandato (provisório) de Temer, avaliando como suficiente o afastamento de Jucá. Escutei o advogado Wálter Maierovitch, comentarista da CBN, chegar ao ponto de considerar que, embora vendo a conversa como eticamente reprovável, não apresentasse qualquer ilegalidade. Como se obstruir a Justiça fosse uma prática legítima. Delcídio que o diga, depois de cassado e, antes, curtir alguns dias de “cana”. Para não falar na tentativa de se enquadrar a própria Dilma por ter nomeado Lula para a Casa Civil, embora ele nem sequer fosse acusado.
Além dos questionamentos já levantados (participação de ministros do Supremo e comandantes militares na conspiração), vou listar outras perguntas para incomodá-lo nas próximas horas.
- Jucá vai continuar dando as cartas no Ministério do Planejamento, onde ficará um “interino da interinidade”, ele se constituindo numa espécie de “ministro clandestino”?
- De volta ao exercício do mandato, como será tratado Romero Jucá pelos senadores da base parlamentar da temeridade?
- Jucá escapará de qualquer ação disciplinar no Senado?
- Como se comportará o STF, puxado para dentro do golpe por Jucá, lembrando que os ministros ficarão especialmente melindrados quando Lula comentou em uma conversa telefônica que o Poder, assim como o Senado, estaria “acovardado”? A versão de Jucá vai léguas adiante de uma simples covardia.
- Ele continuará na Presidência do PMDB e liderando, assim, toda a estrutura partidária?
- Se essas gravações estavam com a PGR desde março, semanas antes de o “impeachment” entrar em uma fase decisiva na Câmara, porque Janot as preservou, permitindo que se depusesse uma presidenta constitucionalmente eleita, mesmo sabendo que isso se dava com o fim de livrar dezenas de políticos de investigações? Isso não coloca Janot como suspeito de estimular a conspiração?
- Como se deu agora esse vazamento e o que se pretende com isso? Impedir que as investigações sejam paralisadas? Detonar a interinidade e forçar a convocação de eleições gerais?
- Serão investigados todos os citados por Jucá, inclusive a turma do PMDB, que “caiu a ficha”?
- O que o colunista Merval Pereira (O Globo) quis dizer quando alegou que “Temer não tem condições de demitir Jucá”? Seria algo parecido com o fato de não ter condições para evitar a invasão de indicados de Cunha em postos nevrálgicos de sua equipe, mesmo não quando ele está afastado do mandato? Algo semelhante à designação de um pastor para a área de Indústria que já chega avisando nada conhecer disso? Ou ao que levanta o deputado Paulo Pimenta, na designação de um deputado sem qualquer experiência em questões de legislação ou relações trabalhistas, um obscuro pastor que, tornando-se ministro, viabiliza que um irmão do ministro Augusto Nardes (aquele que ofereceu o parecer sobre as “pedaladas”) assuma o mandato de deputado em seu lugar?
- Alguém vai se lembrar de investigar como foi mesmo o processo que levou Aécio à Presidência da Câmara? Machado sugere que teria ocorrido o mesmo fenômeno de Cunha, ou seja, houve investimento na eleição de deputados comprometidos com a sua então futura candidatura. Lembre-se que passar pela Presidência da Câmara foi fundamental para que ele criasse as condições para vencer a eleição ao Governo de Minas Gerais, em 2002.
Certo é que o golpe sofreu um terrível revés. O Divino parece ter dado aquela piscada de olho e decidido ajudar. Com o povo na rua. não dá sequer pra apostar que se sustente. Até porque, pelo alto poder combustível das revelações, ninguém se espante ao ver juntos os gritos de manifestantes que defenderam o mandato de Dilma e dos que o questionavam supondo lutavam assim pelo fim da corrupção.
Fernando Tolentino

3 comentários:

  1. 👏👏👏👏👏👏 parabéns amigo, se superando mais uma vez.

    ResponderExcluir
  2. 👏👏👏👏👏👏 parabéns amigo, se superando mais uma vez.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato, minha amiga. Nossa reflexão é interativa. Isto é, aproveito o debate que faço constantemente com meus amigos e minhas amigas. Como você.

      Excluir