terça-feira, 21 de julho de 2015

O INFERNO DE CUNHA E A RELATIVA (E PROVISÓRIA?) PAZ INSTITUCIONAL




Ao menos por uns dias, o procurador Rodrigo Janot pode trabalhar à vontade, sem o risco de ser achincalhado pelo presidente da Câmara dos Deputados. Aliás, um momento em que precisa de fôlego adicional. Não só pelo estágio eletrizante da Operação Lava-Jato, mas porque se aproxima celeremente a data em que será eleita a lista tríplice com os nomes preferidos dos seus colegas para o cargo de Procurador-Geral da Republica. Janot precisará buscar respaldo eleitoral, o que pode exigir um périplo pelos estados. E lhe será exigido apoio político. Os governos dirigidos pelo PT (Lula e Dilma) criaram a tradição de colher o nome do indicado na lista elaborada pelos próprios procuradores, mas a escolha exigirá a ratificação do Senado, onde o ambiente não é particularmente favorável ao nome de Janot, dados os ressentimentos com o tratamento recente dispensado a senadores com nomes citados na Lava-Jato. O detalhe: a batalha pela recondução não pode significar o arrefecimento na luta contra a corrupção, o que desmoralizaria o seu alegado compromisso.
Não é possível avaliar até que ponto a ministra Rosa Weber se sentiu ameaçada ao julgar liminar de seis partidos contra a votação pela Câmara do financiamento empresarial de campanhas, tomando previamente conhecimento de que o deputado Eduardo Cunha prometeu retaliar uma decisão diferente (“vai ter troco”). Ao julgar, especificou: "não antecipa, não indica, não emite nem favorece qualquer juízo de valor". Em outras palavras, não trata do mérito, constante de ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema que tramita no STF. O que, em si, não significa absolutamente nada, pois essa ação teve voto favorável de seis dos 11 membros do STF e apenas um contra, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vistas e, quase um ano e meio depois, ainda não fez a tal vista! Se, todavia, o Judiciário vier a concluir a votação nos próximos dias (algo é mais improvável?), certamente não terá o “troco” de Cunha entre as suas principais preocupações.
Outra figura de proa a ver o dedo em riste de Eduardo Cunha, o senador Renan Calheiros, também deve estar respirando com mais tranquilidade. Ao anunciar que o projeto de lei da terceirização teria tramitação normal no Senado, soube que o presidente da Câmara impôs condições. Se o exame da matéria fosse demorado, os projetos originários do Senado poderiam sofrer protelação na Câmara.
Nas primeiras destilações de furor desde que depoimentos de delatores da Lava-Jato deram conta de sua exigência de pronta liberação de R$ 5 milhões para si, além de outros tantos para aliados, sobrou para o conjunto dos procuradores da República, os policiais federais encarregados do processo e até o juiz Moro. Estariam todos mancomunados com o PT e Dilma Rousseff para desqualificar o Legislativo e o seu presidente!
Ninguém se engane, o próprio Michel Temer, correligionário de Cunha, mas responsável pela articulação política do governo, deve andar aliviado.
Se todos estão respirando, imagine-se Dilma. Não bastasse tudo que sofria na relação com o Legislativo, de forma mais escrachada, a Câmara, ainda foi obrigada a ouvir que, se reconduzisse Janot à PGR, iria enfrentar o inferno no reduto de Cunha. Tida como irascível, a verdade é que a presidenta mostrou a frieza de um cirurgião cardiológico neste semestre, vendo as investigações da Lava-Jato encharcarem as suas bases, pressionada por suas bases para peitar a Polícia Federal e mantendo neutralidade às vezes inimaginável, como se simplesmente repousando sobre a segurança de que não seria jamais atingida e de que, mais cedo ou mais tarde, as acusações mais fortes atingiriam seus adversários mais enfurecidos.
A TRÉGUA INDESEJADA
A verdade é que, nesses dias, entraram em franco ponto morto as manobras de Eduardo Cunha como comandante em chefe do batalhão que prometia investir contra os mandatos obtidos nas urnas por Dilma e seu vice-presidente, o pemedebista Temer.
O momento do Congresso Nacional é de recesso (não autorizado regimentalmente, já que a Lei de Diretrizes Orçamentárias não foi apreciada) e os parlamentares só voltarão a se reunir no início de agosto.
Esse é o tempo de que precisam os atores políticos para operar uma saída para a crise política atual. Há uma semana, ninguém era capaz de prever o momento em que Eduardo Cunha sairia disparando os seus trabucos e pondo em risco as instituições democráticas.
De onde vem o seu poder? Partidário do parlamentarismo, ele tem muita clareza do que isso significa.
A Constituinte de 1988 tinha uma Comissão de Sistematização, responsável pelo texto final, que seria submetido ao Plenário. O presidente dessa poderosíssima Comissão era o senador José Richa (PSDB), pai do atual governador Beto Richa, do Paraná. Saiu um texto marcadamente parlamentarista. Mas o plenário estava fortemente dividido com relação a essa questão. A simpatia pelo parlamentarismo permeava várias tendências de esquerda, também atrando partidos e políticos conservadores. Mas a resistência era também imensa em setores da esquerda, especialmente no PDT, de Brizola, e na maior parte do PT. Paradoxalmente, lideranças conservadoras expressivas também se uniam à corrente presidencialista. Casos como o de Marco Maciel e de Antonio Carlos Magalhães, por exemplo.
A solução foi adiar a decisão. Foi marcado um plebiscito para 21 de abril de 1993, onde o povo acabou se decidindo pelo sistema presidencialista. Ocorre que o texto da Constituição, de viés nitidamente parlamentarista, não foi alterado. O Brasil passou a ter um sistema presidencialista com uma Constituição eivada de aspectos parlamentaristas, em que ressalta um Legislativo extremamente forte. Por isso, qualquer presidente do Brasil é obrigado a fazer um governo de um conjunto de partidos, a partir do esforço para buscar uma base parlamentar que lhe dê sustentação. É comum, portanto, que se perca o conteúdo ideológico levado à campanha.
Um dado que não chega com nitidez à população. O correto hoje seria dizer: Dilma é do PT; mas a presidenta Dilma é da coalizão que sustenta o seu governo.
Esta é a essência da crise do governo de Dilma Rousseff. Não foi principalmente a diferença de votos entre ela e Aécio Neves no segundo turno que teria deixado o País dividido e impedido a virada da página eleitoral. Se a diferença pró-Dilma foi de cerca de 3,5%, a de Collor sobre Lula em 1989 ficou em torno de 6%. Isso também não pode ser atribuído à forte concentração de votos tucanos no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste, enquanto Dilma foi majoritária no resto do País, além de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. A verdade é que isso praticamente repetiu o desenho de 2010, quando 13 estados lhe deram a supremacia.
Não se ponha também a culpa na larga abstenção do último pleito, que chegou a 27%, retirando da candidata vitoriosa a condição de majoritária no conjunto da população. Fernando Henrique foi reeleito em 1998 com uma abstenção de 36%. A abstenção foi de 26% na primeira eleição de Lula (2002) e de 25% em 2006.
“EU TENHO A FORÇA”
Importante foi a divisão entre os poderes. Fechadas as urnas, já se tinha claro, como diz o próprio Eduardo Cunha, que nunca um presidente foi tão minoritário no Legislativo. O Departamento Intersindical de Apoio Parlamentar avaliou imediatamente que havia sido eleito o Congresso mais conservador das últimas décadas. E essa marca não está especificamente na comparação da bancadas partidárias, embora também aí esteja refletida. A verdade é que o Congresso se constitui principalmente de bancadas de interesses, em particular dos interesses econômicos que asseguram as vitórias parlamentares.
Dilma teve diante de si no primeiro semestre do seu governo uma composição dessas bancadas, construída principalmente em torno do chamado BBB, as bancadas da Bíblia, da Bala e do Boi. Em outras palavras, os representantes de igrejas evangélicas, a bancada ruralista e os parlamentares eleitos pela indústria de armas e corporações policiais e militares. A isso se somam um outro B (a bancada da Bola, políticos eleitos com o apoio da CBF) e os que representam fortes interesses de setores empresariais, como empreiteiras, capital financeiro, empresários de educação e da saúde, entre outros.
Foi esse arranjo de forças que assegurou a aprovação na Câmara do projeto de lei da terceirização e a redução da maioridade penal. E o mais estarrecedor: justamente quando o País se debruça sobre um escândalo inquestionavelmente ligado a como se drenou recursos desviados por grandes empreiteiras para bancar campanhas políticas, a Câmara aprovou o financiamento empresarial dessas campanhas.
Foi a clareza com relação ao território em que pisava (e do respaldo que lhe era oferecido) que levou ao reiterado atrevimento do presidente da Câmara, determinado a deixar claro, para que ninguém ignorasse, o sentido do “quem manda agora sou eu”.
É claro que não vai mudar a composição do Congresso Nacional a partir do início do segundo semestre, mas já é significativo que se fragilize o poder de Eduardo Cunha. Afinal, ninguém tem dúvidas que dificilmente algum político trataria o meio parlamentar com tal desfaçatez. Essa é uma característica sua, a de quem cavalga uma quase maioria absoluta, constituída de políticos de baixo clero, que pouco se importam com a imagem de atuação parlamentar que projetem, até por terem a reeleição assegurada pelos seus orçamentos de campanha. Valores que, já se tem como claro, teriam sido assegurados na última disputa a cerca de uma centena deles justamente por Eduardo Cunha.
Ainda assim, abre-se uma janela para quem sabe articular nesse ambiente. E ninguém dúvida que Michel Temer é um operador sagaz, sabendo exatamente como argumentar com essa base que vê o risco de ficar órfã. Afinal, está colocado o risco de Cunha perder o apoio de partidos conservadores que não querem colar a imagem na repugnante impressão que deixaram os depoimentos dos delatores da Lava-Jato e, pior, na reação tresloucada do próprio presidente da Câmara. Nunca é demais lembrar que perdeu o respaldo de um político tão insuspeito quanto Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), seu eleitor na disputa para a Presidência da Casa, a quem se junta o decano dos deputados, Miro Teixeira (PROS-RJ), ambos propondo abertamente a sua renúncia.
É um tempo em que o personagem Eduardo Cunha vai ter que cuidar muito mais de si do que de suas bases. Começou com o desastrado uso da cadeia de rádio e TV e com a metralhadora giratória do pós-denúncia. Na mesma linha de usar o cargo em seu próprio proveito, tenta articular uma blindagem no Judiciário, buscando desqualificar o foro da delação, como se isso viesse a desmentir o conteúdo do que disseram os delatores. O máximo que conseguiria seria adiar o exame de provas, transferindo-o para o Supremo.
Tudo indica, portanto, que o golpismo foi provisoriamente posto na prateleira. Pode nem voltar em curto prazo se os articuladores foram hábeis e ágeis. Mas ninguém se engane que a crise econômica joga areia no caminhão da crise política e o governo tem uma quase unanimidade da mídia a lhe combater em todas as páginas e canais.
Façam suas apostas.
Fernando Tolentino

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