domingo, 12 de julho de 2015

ECOS LATINO-AMERICANOS DO PAPA FRANCISCO



Daniel Seidel
Retornando a terras brasileiras, antes que se completasse 24 horas do encontro vivido entre lutadores sociais dos movimentos populares da América Latina e Caribe com o querido irmão Papa Francisco, escrevo para ainda compartilhar o hálito fresco das palavras de esperança que nosso pai na fé nos transmitiu naquele momento.
Após a apresentação das conclusões do 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares por Terra, Teto e Trabalho, realizado de 7 a 9 de julho de 2015 na cidade de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia; tivemos uma longa partilha do modo de gestão pública do presidente indígena Evo Morales e em seguida os ensinamentos de nosso Papa-pastor.
Assim começou Francisco “Não se apequenem: a solução para os grandes problemas do mundo vem dos mais pobres e excluídos do sistema, quando se organizam e encontram formas criativas de transformar o que não tem valor (o que é descartável para o sistema dominante) em riqueza, vejam os catadores... “
Fez em seguida uma série de afirmações acerca da difícil situação mundial, convidando as pessoas de boa vontade a o acompanharem, da seguinte forma: “Se estamos de acordo que o Planeta não tem como manter sua existência com a atual forma de explorarmos os bens naturais, e que está gerando morte e danos irreversíveis, então temos que buscar um câmbio profundo (uma profunda mudança)” E ao final novamente perguntava: “Estamos de acordo com essa premissa?”. E assim, de forma dialogada, desnudava e denunciava amorosamente o caos da situação mundial que não consegue sonhar com a inclusão e acesso de todas as pessoas do planeta aos bens e serviços conquistados.
E ele seguiu “tenho ouvido ultimamente e, principalmente aqui em Bolívia, falar de ‘processo de mudança ...’ prefiro esta expressão à apenas a palavra ‘mudança’ (‘câmbio’, em castelhano). Isto porque ‘processo de mudança’ implica em preparar a terra, semear, regar, capinar e colher... significa ‘cuidado com a Casa Comum’. “
“São das periferias esquecidas do Planeta (como Bolívia, ele não disse, mas diria eu...) é que vão se construir as alternativas humanas para os problemas do mundo inteiro, tarde ou cedo...”
“Sejam criativos... se dediquem ao que está mais próximo de vocês: construam a partir das necessidades concretas das pessoas e das comunidades. Façam resistência ativa ao Sistema, em lutas concretas! Trabalhem no que está próximo, mas com perspectiva ampla, global.”
“Peço a vocês que promovam a Cultura do Encontro. Ninguém ama ideias... amamos pessoas concretas. Se pode amar e se sensibilizar com pessoas com rostos específicos. Somos todos interdependentes, mas não se pode utilizar essa dependência mútua para subordinar ou submeter pessoas e povos.”
“Vocês dos movimentos populares são poetas sociais: criam condições de vida (recriando a terra e a vida); são criadores de novas formas de trabalho. São criadores de novas moradias.”
“Onde há governos comprometidos e em diálogo com os movimentos populares; estes podem (e devem!) respeitando o princípio da subsidiariedade melhorar os processos de trabalho criados, garantindo os direitos sociais aos setores da economia solidária. A isso chamo de colaboração respeitosa com os movimentos populares. Assim, os governos podem apoiar iniciativas solidárias, tais como empresas recuperadas pela autogestão dos trabalhadores; cooperativa de catadores e experiências concretas de economia solidária.”
“Nesta missão não se esqueçam de Maria, tão amada pelos povos latino-americanos e caribenhos, que também soube transformar seu ambiente difícil em coisas novas: um curral num lugar acolhedor para seu Filho; o motivo de apedrejamento em serviço à sua prima Isabel; a dor do parto na alegria da vida nova do menino-Deus: Jesus Cristo.”
Na última parte ele apresentou para os líderes dos movimentos populares e, principalmente, para as Comissões Justiça e Paz (ele citou literalmente por duas vezes, dando responsabilidades e missões na perspectiva que segue), três grandes tarefas.
Introdutoriamente pediu que essas tarefas fossem realizadas “em combinação e como aliados” (usou em castelhano a palavra “mancomunados”) entre movimentos populares, governos e demais forças sociais. Afirmou que construir um projeto em conjunto, definindo seu conteúdo, de forma participativa, não era tarefa fácil, mas possível. “Que nem o Papa, nem a Igreja tem receita pronta... A história é construída pela ação dos povos, com erros e acertos.”
Primeira tarefacolocar a economia a serviço do povo e não do dinheiro (servir ao dinheiro e ao lucro mata a vida das pessoas e do Planeta!). Não à acumulação, sim à administração da ‘Casa Comum’, que é o nosso país, que é o nosso Planeta!”
“Alguns princípios oferecidos por São João XXIII podem servir a essa construção: respeito à dignidade da pessoa humana; direito à prosperidade dos povos, sem danos à natureza. O projeto de sociedade deve contemplar diferentes dimensões da convivência humana: aspectos sociais, econômicos, políticos, educação, saúde, direito a inovações, acesso aos bens culturais, comunicação, esporte e recreação (lazer). É o que os povos originários chamaram de Bem-viver: além de nenhuma família sem teto; nenhum trabalhador sem direitos; nenhum camponês sem terra; acrescentou: infância com carinho; jovens com oportunidades; e nenhum idoso sem aposentadoria digna. A distribuição da riqueza é um dever moral: é devolver aos pobres, o que lhes pertence.”
Segunda tarefa: unir nossos povos no caminho da paz e da justiça. Paz significa interdependência, estamos todos conectados. Não há solução para um só país, isoladamente. Para tal é preciso respeitar suas culturas, seus idiomas. Isso é o que significa soberania. Reconheço que os governos da região latino-americana e caribenha fizeram esforços pela soberania da Pátria-Grande.”
“A todo intento de divisão, sustentem a unidade e resistam ativamente às novas formas de colonialismo: por meio de grandes corporações multinacionais; os ditos “Tratados de Livre-Comércio”, que de ‘livres’ nada têm para os países pobres; imposições de austeridade somente para diminuir direitos dos trabalhadores; (conforme já disseram os Bispos na Conferência de Aparecida); muitas formas de dominação se justificam sob pretexto de luta contra a corrupção nos países periféricos, ou contra o terrorismo, ou contra o narcotráfico. Outra forma de novo colonialismo ideológico são os monopólios dos Meios de Comunicação que existem em nossos países, vinculados a um pensamento único: o consumismo.”
“Aqui quero pedir perdão, como fez São João Paulo II, pelo mal que fez a Igreja Católica no tempo da colonização das Américas contra os povos originários, justificando até mesmo a escravidão! Foram todos pecados cometidos em nome de Deus! Também quero fazer memória às vozes que naquele tempo se levantaram contrárias: eram missionários, sacerdotes, leigos, religiosos e gente da sociedade sem nenhuma ligação com a Igreja. Particularmente quero reconhecer as religiosas (as “freirinhas”) que anonimamente e esquecidas foram e são presença da Igreja junto aos mais pobres...”
“Nossa fé cristã é revolucionária! Vamos fazer cessar a terceira Guerra Mundial que já está acontecendo em quotas... em conflitos armados que assassinam a milhares de pessoas nos vários lugares do mundo.”
Como terceira tarefa, peço defendam a irmã “Mãe-Terra”, o cuidado com a Casa Comum. Peço aos povos indígenas: preservem sua identidade, sua diversidade e sua pluralidade. É isso que faz a terra viver. Para isso escrevi a encíclica ‘Laudato Si’’, que vocês receberão ao final desse encontro. Em meu discurso que será publicado fiz uma síntese em duas páginas do principal. Aqui denuncio os efeitos nocivos às mudanças climáticas que a falta de decisão dos países nas Cúpulas sobre o Clima está gerando. É preciso que os países assumam compromissos! Leiam e estudem a Encíclica e ponham em prática.”
“Se preocupem mais em gerar processos de mudança do que ocupar cargos de poder. Se recordem: o futuro da humanidade está nas mãos dos pobres do mundo, não dos poderosos. Não se apequenem vocês dos movimentos populares podem muito. Recebam a minha bênção em suas vidas e em seus trabalhos; e a força da esperança, pois como ensina São Paulo: ‘a esperança não decepciona’.”
Este é meu testemunho que tive a sorte de viver nestes dias em terras bolivianas, eis que volto renovado!
              
Daniel Seidel é Psicodramatista, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB, professor da Universidade Católica de Brasília, mestre em Ciência Política pela UnB. Também é membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília. Ex-secretário de Estado de Assistência Social e Segurança Alimentar do DF. Integra a Coordenação Nacional Movimento Fé e Política.


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