Vale sempre repetir que, em política, ou se faz pedagogia ou
demagogia. Se o objetivo não é promover o desenvolvimento político das pessoas,
a política é intrinsecamente alienante. Reproduz tabus, reforça preconceitos ou
análises condicionadas pelas estruturas dominantes.
Essa postura é uma tentação para os candidatos, a de
se aproveitar do baixo nível de consciência do eleitor e seduzi-lo com explicações
tão fáceis quanto falsas para os fenômenos políticos. É quase uma senha para
ganhar votos e, claro, vantagens de grupos ou de classe.
Ao contrário, a pedagogia nasce do compromisso de aprofundar
as questões, ir às causas dos fenômenos e buscar a destruição de mitos. Os
resultados são duradouros, pois confere um método racional para a interpretação
da política, mas é um processo lento, não revertendo em vantagens imediatas
para os candidatos. Se é compromisso e não automaticamente eficaz, a pedagogia
não é comum no processo eleitoral, quando partidos e seus membros querem mesmo
é rápida arregimentação de apoios e votos.
Como ninguém desconhece que o julgamento da Ação Penal 470
foi um ato secundariamente jurídico e eminentemente político, aquela máxima
pode servir perfeitamente no seu figurino. E a escolha, com certeza, não foi a
pedagogia.
Dos dois ângulos possíveis para a denúncia, o procurador
Gurgel escolheu o mais fácil, já adotado e repisado pela grande mídia
brasileira. O proposto por Roberto Jefferson nas denúncias originais, ao desviar
o foco do esquema de arrecadação montado na máquina estatal para algo editorialmente
mais apetitoso: o governo Lula manteria um sistema de compra de apoio
parlamentar a partir de um grande caixa que remuneraria mensalmente deputados
de partidos da base aliada. Seria tão grande que ele apelidou de “mensalão”.
A garantia de apoio
político com o pagamento de mesadas é lamentavelmente comum em nossa política.
Meses antes, fora identificada em Rondônia, onde o governo as distribuía e sabe-se
que grandes empresas mantêm assim a fidelidade de bancadas.
Parlamentar polêmico, com quase nenhuma expressão política e
menor credibilidade, Jefferson levara o PTB para o palanque de Lula em 2002. Mas a avidez por
cargos (e benefícios resultantes) tumultuava a sua relação com o chamado núcleo
duro do governo, dirigido
pelo então ministro José Dirceu , da Casa Civil. O petebista se vingou do que
considerava maus-tratos. Dirceu seria o chefe do “mensalão”.
Provas, pra quê, se até admitia que seu próprio partido se
beneficiava do esquema? E mostrava que havia um canal de drenagem de recursos
administrados pelo publicitário mineiro Marcos Valério e, mais, passando por escalões
da direção nacional do PT.
O PT era o partido que mais crescia no Brasil, elegera para
a Presidência um político extremamente carismático e identificado com o povo
simples além de ameaçar um novo grande salto nas próximas eleições municipais. Partido
visto como pautado pela ética, a denúncia prometia uma implosão. A repercussão foi
avassaladora, revoltando milhares de militantes. Os que não saíram ou foram
tomados pelo desânimo viriam a enfrentar enorme dificuldade no embate eleitoral
seguinte.
Mesmo com algum crescimento do PT no pleito municipal, os conservadores
animavam-se com a possível paralisação política do governo Lula e decerto a
inviabilização de sua reeleição. A oposição chegou a se assanhar com a ideia de
impeachment, só frustrada diante da promessa do próprio Lula de ir às
ruas.
A paralisia não ocorreu, veio a reeleição de Lula e uma nova
trajetória de crescimento do PT. Contra os prognósticos de marqueteiros e
analistas políticos, Lula concluiu o segundo mandato com popularidade nunca
vista no Brasil. A ponto de eleger Dilma Rousseff na sua sucessão, embora ela
jamais tivesse disputado uma eleição. Para agravar o quadro do lado conservador,
a nova presidenta alcançou também enorme popularidade, inclusive entre eleitores
não tradicionalmente petistas e todos os seus nomes disponíveis como alternativas
presidenciais se mostram frágeis.
O rumo escolhido
Foi nesse quadro que o procurador Gurgel, mesmo sem elementos
de efetiva convicção, fez sua opção pela tese da compra de apoio parlamentar. Entre
os réus, havia vários petistas, que não precisariam evidentemente de propinas
para favorecer o governo de Lula. Ainda mais que a maioria dos petistas nada
recebeu. Alguém acredita que os demais achariam normal cederem graciosamente seus
votos ao governo e só alguns serem gratificados por isso? Não se conseguiu também
traçar o menor paralelo entre as liberações de valores e os votos deles e de
outros beneficiados em matérias de interesse governamental.
Nada disso importou. Fosse outro o viés, seria demolida a
tese que justificaria uma ação penal contra escalões superiores do PT e o
ex-ministro José Dirceu como uma quadrilha de corruptores (a eles se juntando
empresários que teriam alimentado o esquema) e, de outro lado, por corrupção
passiva, vários deputados e funcionários de partidos.
No processo, pontuaram-se várias manobras no mínimo
estranhas. A primeira, eloquente, foi a de preterir processos mais antigos,
como o do chamado “mensalão mineiro”. Envolvendo políticos do PSDB, esse teria
sido o embrião do “mensalão do PT”, tendo ocorrido quatro anos antes e tido o mesmo
personagem como operador.
Além de entrar em pauta antes, foram enfáticos os esforços
para que o julgamento do processo do PT não só coincidisse com a campanha
municipal deste ano, mas forçando a condenação nas vésperas da eleição.
Outros aspectos do julgamento chamaram ainda a atenção, como
juntar-se dezenas de réus, inviabilizando-se o duplo grau de jurisdição e o
ineditismo do julgamento fatiado, tudo para permitir que o ministro Cesar
Peluso desse o seu voto (que já se sabia pela condenação) antes de sua aposentadoria
compulsória. Como explicar que um voto pessoal tivesse valor tão avultado? Se
isso é realmente significativo, como ficam os demais processos de corrupção política, sem sua presença na Corte, se
é que vão chegar a julgamento?
Como também entender que teria havia apropriação de dinheiro
público, o que é negado pelo Banco do Brasil, que não aporta recursos ao Fundo
Visanet, o fato tenha sido descaracterizado por auditoria interna e pelo
Tribunal de Contas da União?
Por fim, a surpreendente e inédita adoção da teoria do
“domínio do fato”, para permitir que Dirceu fosse condenado, não por haver evidências
de que participara do esquema, mas por não se crer razoável que, estando na
Chefia da Casa Civil, não soubesse do que se passava e, por consequência,
chefiasse “a quadrilha”.
Meses antes do julgamento, o ministro Ricardo Lewandowiski
tentou dar um grito de independência do Supremo, advertindo de que a Corte não
julgaria "com a faca no pescoço". Não fazia a menor ideia de como erraria na sua
aposta.
Tudo isso aponta para a hipótese da perseguição de um
resultado previamente definido, afastando-se o ângulo politicamente inconveniente
para poderosos grupos interessados no desfecho da AP 470. Embora pudesse
caracterizar crime eleitoral, não teria o condão de levar os envolvidos para a
cadeia. E o que essa gente queria era cadeia, a imagem forte das algemas. Um
misto de vingança pelo insucesso reiterado nas urnas e de esperança. A de que,
diante dessa imagem assustadora, parte substancial do eleitorado mude o rumo e,
na falta de perspectiva, caia em seus braços.
A raiz do prejuízo
E por que dizer que o STF fez demagogia (e não pedagogia) ao
enveredar pelo viés da explicação de Roberto Jefferson – um sistema de mesadas
para comprar apoios de deputados – e desdenhar da hipótese de Caixa 2?
Qualquer pessoa minimamente envolvida em política sabe que o
viés omitido é justamente o que explica o sucedido. Foi justamente o que
ocorreu: crime eleitoral.
A lógica do sistema eleitoral brasileiro passa pelo
financiamento privado de campanhas. Seja na Prefeitura do pequeno município ou
nas grandes refregas de âmbito nacional. E, desde o minúsculo município, o que
anima o financiador é a proximidade do poder. Ali, pequenos empresários têm o
candidato do peito (geralmente, o de vitória mais provável) e nele aposta as
suas fichas. Mas deixa uma parte de seu orçamento de financiamento para
candidatos menos viáveis.
Vai que dá uma zebra! A empresa vai ficar longe do poder? Ao
alcance da fiscalização e longe das compras da Prefeitura? O pequeno empresário
quer ser lembrado com gratidão por qualquer que seja o ganhador, mas se apavora
diante do risco de ser visto como infiel. “Separei essa ajuda pra sua campanha,
mas não ponha o meu nome na prestação de contas por favor”, sussurra o
financiador ao candidato.
Pronto, surgiu o tão falado Caixa 2, duramente combatido
inclusive por que o financiador só pode alimentá-lo se fez arrecadações não
declaradas e, portanto, sem recolhimento de impostos. Por isso ganha cada vez
mais espaço o financiamento advindo de atividades ilegais, como os jogos e o
tráfico, entre outras.
Mesmo derrotado em três eleições, Lula não podia ser definido
como um azarão em 2002. Mas era visto como um possível derrotado. E candidato
fadado a perder não comove apoios político ou financiadores de campanha. O que lhe
transformou em uma aposta de segmentos conservadores desgarrados foi a
capacidade do adversário de afugentá-los. José Serra é aquele político que só consegue
companhia pela via da sujeição. Haja vista o episódio da família Sarney, que só
desembarcou na campanha de Lula (de cuja companhia não se afastou, mesmo no
governo de continuidade de Dilma Rousseff) para vingar-se do que identificou
como uma manobra de Serra para bombardear a frustrada candidatura de Roseana,
com a famosa fotografia do flagrante da montanha de dinheiro.
Qualquer reportagem da época do chamado Escândalo do
Mensalão fala das tratativas de PTB e PL junto ao PT para obter recursos para
as suas campanhas estaduais. Não surgindo durante a campanha, o compromisso
virou dívida. Para cumprir essa promessa, dirigentes do PT teriam recorrido a um
esquema já existente em Minas Gerais e que se mostrara eficiente, inclusive sem
questionamento pela Justiça Eleitoral, na campanha para a reeleição a
governador de Eduardo Azeredo, do PSDB. Foi esse esquema, operado pelo publicitário
Marcos Valério que drenou recursos para os dois partidos. É claro que
dirigentes de diretórios estaduais do PT também se aproveitariam para cobrir
dívidas de suas campanhas.
O sistema era inteligente, especialmente porque não implicava
em arrecadar junto a empresários geralmente ávidos por grandes compensações
para esse tipo de generosidade. Os recursos viriam principalmente do Fundo
Visanet e estariam cobertos por empréstimo bancário em nome do PT. Em suma,
Caixa 2. Nem mais, nem menos.
E onde entra a pedagogia em contraposição à demagogia?
Se é fato que ocorreu um mero episódio de Caixa 2, ainda que
de grandes proporções, o STF renegou a verdade e fez uma opção pela saída mais
fácil, a já fixada no imaginário de leitores de jornais e público de rádio
e TV.
Mais que isso, apontou para o nada. Ou alguém acha que sua
decisão leva ao saneamento da prática política no País? Para começar, fica pelo
menos a expectativa de que, findo o recesso do Judiciário, os preclaros
ministros se lancem avidamente no julgamento de episódios como o “mensalão
mineiro”, a “lista de Furnas”, a compra de votos para a aprovação da reeleição
de Fernando Henrique, as denúncias do livro “A Privataria Tucana”, entre tantos
outros. Seria o mínimo para alguém acreditar que, do ponto de vista judicial, a
corrupção tenha se tornado uma prática perigosa.
Se, porém, a Corte encarasse os fatos e tivesse identificasse o episódio como Caixa 2, poria em xeque a prática mais nefasta da política brasileira,
o financiamento privado de campanhas, que não ocorre sem a ligação umbilical
com a expectativa de compensações. E, claro, compensações irregulares, pois não
há hipótese aceitável de retribuição a favores empresariais com a drenagem de
recursos públicos.
Em um julgamento que não seria eivado de desconfianças, os
responsáveis por esse Caixa 2 estariam plenamente identificados e a caminho da
punição. Mas, principalmente, o caminho estaria aberto, irrecorrivelmente, para
a reforma política que o Congresso insiste em negar, onde o financiamento
público de campanhas é o ponto central, aí sim, do saneamento da atividade
política brasileira.
Fernando Tolentino
O tão falado MENSALÃO, nada mais é do que aquilo que ocorre até hoje sem nenhuma consequência, pois no último pleito para prefeitos e vereadores pelo Brasil afora, correu solto como se fosse coisa absolutamente normal! O ministros do STF, aqueles que tem o privilégio de serem os últimos a errar, rasgaram os mais elementares bases do Dirweito e agiram compelidos pela nefasta máfia da mídia marron e golpista onde a Veja, a FSP, Globo e o Estadão de SP.foram os mais visíveis!
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