sábado, 19 de junho de 2010

Didi, uma grande mulher




Era 1942 e fervia a 2ª. Grande Guerra. O Brasil ainda não entrara no conflito, o que só ocorreria em agosto, após o torpedeamento de navios brasileiros, supostamente por submarinos alemães. O mar era considerado um espaço minado, de modo que, à noite, as luzes externamente visíveis dos navios eram apagadas para que eles não se tornassem alvos fáceis para aviões ou submarinhos das nações em guerra.
Foi assim que a jovem Didi (Edith Tolentino de Souza Vieira) deixou a sua cidade, Florianópolis, e se transferiu para o Rio de Janeiro, então capital do País. Ali estudaria Enfermagem na respeitada Escola Ana Nery, juntamente com a sua irmã mais nova, Lulu (Maria de Lourdes), que viajou de avião.
As enfermeiras eram profissionais indispensáveis aos países em guerra, tanto que o Brasil concederia patentes de oficiais às que participaram do apoio às tropas. A possibilidade não atemorizou as irmãs. Na conclusão do curso, assumiram destinos que, à época, poderiam ser tidos como tão inóspitos quanto uma batalha. Lulu foi iniciar-se na enfermagem em Manaus, no centro da floresta amazônica. Didi aceitou o convite para trabalhar com saúde pública em Porto Velho, capital do então Território do Guaporé (atual Rondônia).
Para quem deixara a família em Florianópolis, quase extremo sul do Brasil, em plena região temperada, viver em uma pequena cidade da Amazônia, com temperaturas em torno de 40 graus, onde a malária era endêmica e apenas se anunciavam os primeiros sinais de um incipiente progresso, era uma notável aventura. Muito maior considerando-se a época, inclusive ainda durante o transcorrer da Guerra (1944), e que mesmo viver sem a família já era decisão impensável para uma mulher.
Quem chegou à Escola Ana Nery, procurando jovens recém-diplomadas para ali iniciar um programa de saúde pública, foi o diretor de Educação e Cultura do Território, o baiano Oldegar Franco Vieira. Dois anos depois, os dois se casariam, a família de Didi representada pelo cunhado, Francis, recém-casado com Lulu, que conhecera em Manaus.
Em 1946, veio a transferência para a Bahia e o primeiro filho, Paulo (que levara para nascer em Florianópolis). Didi chegou a Salvador como uma sulista desconhecida. Era tida apenas como a mulher com quem se casara Oldegar. Ele deixara a Bahia pouco depois de concluir o seu curso de Direito, para viver no Rio de Janeiro. Logo, Didi se tornou enfermeira do Hospital das Clínicas, no período em que o Reitor Edgar Santos organizava a Universidade Federal da Bahia.
Em 1948, vim eu, também devidamente levado para nascer em Florianópolis.
A rápida afirmação profissional de Didi junto ao excelente corpo clínico do Hospital, formado pelos professores do mais antigo curso de medicina do Brasil, não impediu que se inscrevesse para a primeira turma do curso de Nutrição. Concluído o curso, passou a integrar a corpo docente da Escola de Nutrição.
Adiante, daria mais uma mostra de ousadia, ao deixar Oldegar e os dois filhos adolescentes em Salvador, em plena efervescência de 1968, para fazer sua pós-graduação no México. Posteriormente, viria a ser a primeira nutricionista a dirigir uma Escola de Nutrição no Brasil.
Foi uma surpresa quando, em 1975, ainda diretora da Escola, resolveu aposentar-se e recolher-se ao lar, cuidar de Oldegar e fazer a alegria de netos e bisnetos. Foi nessa condição que acompanhou Oldegar durante os seus cinco anos de cegueira e, finalmente, a moléstia que lhe tirou a vida, também com 91 anos.
Didi faleceu nesta quinta-feira, 17 de junho, quase quatro anos depois de Oldegar, após sucessivas batalhas contra o câncer.
Fernando Tolentino de Sousa Vieira (jornalista, administrador público e filho de Edith)

16 comentários:

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  2. Esta grande mulher gerou dois grandes homens que, com certeza, abeçoaram a sua existência.

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  3. Não sei como didi fez a alegria de seus netos e bisnetos, mas sei como me acolheu como neta e aos meus filhos como bisnetos, fazendo-nos imensamente felizes. Tive a honra de cuidar-lhe até o fim e ouvir as suas últimas palavras. Ferando, obrigada por essa justa homenagem.

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  4. Minha vó.... guerreira e grnade mulher!! Dela eu herdei alguns princípios como trabalho, força, persistência e humildade!!!!! Ficarão as lembranças e a fé de que ela estará em uma missão ainda mais nobre em outra esfera!!!! Bjs pai!!!!!

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  5. Linda trajetória de vida a de D. Didi. Uma mulher assim - avançada em sua época - com o espiríto de humanidade, só poderia gerar filhos maravilhosos, íntegros e honestos. Conheço você e me orgulho disso. Uma das pessoas mas dígnas e sensíveis que vive neste mundo. Linda homenagem!

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  6. Segue a letra da música que compus para os 90 anos dela no ano (07/11/2008):

    Do Guaporé ao Tinguí
    Conhecem nossa Didi
    “Floripa” se Despediu,
    Pois foi desbravar o Brasil

    Não existe mãe mais protetora;
    Avó mais preocupada;
    Esposa “Bodas de Diamante”;
    Amiga mais solidária.

    “Óh meu Deus do céu” nos explique
    Como nutri nossa enfermeira
    Esta memória “formidável”
    Que lembra da vida inteira

    No seu dia-a-dia fazendo
    As belas palavras cruzadas
    Em “Folhas de chá” de erva doce
    É longa a sua jornada
    (Em “Folhas de chá” de erva doce
    É linda a sua jornada).

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  8. Bela homenagem. Que sua trajetória de vida com coragem, garra e determinaçao possa acompanhar todos que darão continuidade a sua existência.
    Agradecemos à essa grande mulher pelo privilégio em conhecer um dos seus frutos, o qual agrega valores e faz a diferença nesse planeta!
    Marlei

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  9. Belíssima homenagem!
    Que Deus continue abençoar você, fruto dessa tão bela e guerreira "árvore".
    E como diz o grande Antoine de Saint-Exupery em o Pequeno príncipe "Aqueles que passam por nós não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós..." e com certeza o amor de ambos continuará ecoar pela eternidade. abraços

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  10. Que bela mulher, a sua mãe, Tolentino!
    Bonitas as fotos e a história.
    Abração,
    Ana Maria (você é o primeiro baiano que conheço que nasceu em Floripa! Coisas fantásticas assim só acontecem no nosso Brazilzão)

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  11. Não conheci D. Didi pessoalmente, porém, por Tolentino soube muito sobre ela. Nas nossas conversas sobre "famílias" ela estava sempre presente. Sempre me pareceu uma mulher de personalidade forte. Agora, pelo post pude ratificar o meu pensamento.
    Pessoas como D. Didi não morrem. Pessoas como D. Didi deixam lições de vida à humanidade!

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  12. Uma grande mulher a tia Didi. Ela e Lulu, minha mãe, estavam à frente de seu tempo, saindo de casa (Florianópolis) para estudar no Rio e depois alçar voos mais longos! Admiro muito as duas, que conseguiram cada qual realizar-se profissionalmente ao mesmo tempo em que criavam os filhos e netos. Tia Didi era minha madrinha de crisma e sempre tive muitos contatos com ela ao longo de sua vida. Saudades dessa grande mulher! ML

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    1. Isso que foi o significado das duas me fez sentir vocês um pouco como irmãs. Eram realmente duas mulheres lindas. Tinham a virtude de conciliar amor e desapego. Como quando você estudou longe de casa e quando Didi foi fazer pós-graduação no México, deixando-nos em Salvador em pleno 1968.

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  13. Parabéns, querido amigo! A sua querida Mãe foi e será para sempre um exemplo de determinação e luta. A morte não e o fim, ela se perpetua através do seu legado e através daqueles que ela gerou. Tenho orgulho de ser sua amiga. Obrigada e um grande abraço, Vanessa.

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  14. Sabe, é essa admiração e esse amor que pretendo deixar para meu filhos. Basta isso para ver que ela acertou também na sua educação.

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  15. Fernando Tolentino de Sousa Vieira, preciso urgente do seu contato para tratar de assunto da sua falecida mãe. Ela tem um processo no meu escritório. Contato: jcnogueirareis@hotmail.com ou jcnreis@gmail.com
    Como não tem mensagem privada, no email que me enviar eu repasso o meu telefone.
    Saudações.

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