terça-feira, 6 de junho de 2017

A PARÁBOLA DO PRODUTOR DE MILHO

FOI BOM ENQUANTO DUROU
“Após sucessivas vitórias em concursos das melhores espigas de milho dos Estados Unidos, o fazendeiro explicou o seu segredo:
- Eu compartilho as melhores sementes com os meus vizinhos.
Diante da incredulidade, por distribuir boas sementes justamente para os seus concorrentes, esclareceu:
- O vento espalha o pólen do milho. Então, ele traz sempre pólen de qualidade. E isso garante boas espigas para o milho que nós produzimos.”
A parábola me fez pensar no Brasil.
Lembrei quando o presidente Lula incutia confiança aos brasileiros mesmo com a crise do mercado imobiliário já saltando as fronteiras dos Estados Unidos e passando a contaminar o mundo.
Guardava consigo a convicção de que os programas sociais de seus governos seriam um suporte para a economia brasileira. Manteve o crescimento do Bolsa Família, iniciado em 2003 com 3 milhões de famílias. Em 2010, já no primeiro período de Dilma, alcançaria 12,8 milhões.
O programa causava horror da classe média alta para cima, o que era estimulado pelos partidos de oposição. Diziam que estimulava o ócio entre os mais humildes, o que os fatos não comprovavam. Os valores eram irrisórios (variando de R$ 22 a R$ 200 a depender da renda e do tamanho da família) e atingiam apenas famílias efetivamente pobres ou em situação de extrema pobreza: renda per capita de no máximo R$ 140.
Mas, ao mesmo tempo em que impunha obrigações (como a vacinação de crianças e manutenção delas na escola), conferia dignidade, pois os beneficiários sequer tinham que receber o valor das mãos de alguém. Com os seus próprios cartões, faziam a retirada diretamente nas agências bancárias. E podiam falar mais grosso, com a cabeça erguida, diante de pessoas que antes as mantinham absolutamente submissas.
Esse era um dos vários programas que representavam exatamente espalhar boas sementes entre os vizinhos.
A atividade econômica se dinamizou em milhares de pequenos municípios e o Nordeste, por exemplo, passou a ter crescimento do Produto Bruto sistematicamente superior à média nacional.
Em 2014, vi o depoimento de um padre explicando o seu voto em Dilma. Visitara um “cemitério de anjinhos” no interior do Ceará e, enquanto orava pelas almas daquelas crianças mortas antes de completarem um ano, percebeu que a data mais recente nas lápides era de 2003, ano da posse de Lula em seu primeiro governo.
Essa dinamização da economia no interior decorreu também de vários outros programas, como o Minha Casa Minha Vida, assim como da interiorização do ensino superior e de obras do governo federal.
Dados do Sebrae mostram a eficácia desse espalhar boas sementes.  
O número de pequenas empresas saltou de 5,0 milhões, em 2003, para 6,6 milhões dez anos depois, mesmo a crise já abalando o mundo desde 2008. Representou um crescimento de 32% e isso permitiu aumento considerável no número de empregos: geração de 10,6 milhões em 2003 e de 32,2 milhões em 2013 nas micro e pequenas empresas.
MAS SERIA PRECISO JOGAR O JOGO
Isso demonstra que, ideologicamente, os governos de Lula (proposta repetida por Dilma Rousseff) não pretenderam promover uma confrontação de classes ou pôr em questão os privilégios econômicos das classes mais abastadas. A ideia foi horizontalizar o acesso aos bens de consumo nas camadas inferiores, o que significava naturalmente a possibilidade de crescimento das empresas que satisfaziam essa nova demanda. Ou seja, o consumo dos mais humildes empurraria a renda dos empresários para cima.
Isso requeria, porém, investimento na produção e não no cômodo mercado financeiro que é a opção de boa parte das elites brasileiras. Enfim, implicava em que os muito ricos não tivessem uma postura preguiçosa diante da economia, justamente a que apontavam como estimulada pelos programas sociais para os muito pobres.
O comprometimento do orçamento da União para o pagamento de despesas financeiras, cujos estoques estão em poder de pessoas físicas ou jurídicas que investem em títulos da dívida pública, assim como no do sistema financeiro (os bancos), chegou a 27,8% no orçamento da União em 2015, segundo Grazielle David e Juliano Giassi Goularti (Brasil Debate).
Com relação aos muito ricos, a postura da União é de passividade na cobrança da Dívida Ativa (o montante superou a arrecadação em 2015: a arrecadação federal foi de R$ 1,2 trilhão e a dívida ativa, R$ 1,5 trilhão); negligência diante da sonegação fiscal (alcançou R$ 500 bilhões em 2014); permissividade com a elevação dos juros, que atingiram R$ 406,8 bilhões (6,61% do PIB) naquele ano; e generosidade nas desonerações tributárias, a chamada “Bolsa Empresário”, que alcançou R$ 260 bilhões em 2014.
Como comparação, o custo do Programa Bolsa Família foi de R$ 24,65 bilhões no mesmo ano.
E não se diga que os mais ricos bancam as receitas públicas.
Embora menos de 1% do total das propriedades existentes concentre mais da metade de todo o território rural, a contribuição dessas grandes propriedades com o Imposto Territorial Rural (ITR) é de apenas 0,04% da arrecadação federal.
A abertura de oportunidades para os setores proletários avançou em outras direções e isso também inquietou a alta classe média. Leia-se: entre outros programas, o oferecimento de condições de saúde, com o programa Mais Médicos chegando ao interior do País, e principalmente a relativa popularização do acesso ao nível superior, a partir da ampliação do número de instituições federais de ensino superior, da implantação do sistema de cotas e dos programas de financiamento estudantil, o Prouni e o FIES.
Tradução para os mais abastados: risco de perda, em médio prazo, de certa parcela de poder, com aprovações filhos de famílias humildes em concursos públicos e acesso a estamentos superiores das administrações pública e privada. Vendo que isso só poderia ser evitado se os seus filhos aceitassem concorrer em situações relativamente assemelhadas, o humor das elites explodiu.
TANTO AQUI COMO NO MUNDO
Foi mais ou menos o que se deu com a nova postura internacional do Brasil, iniciada com a chegada de Lula ao governo em 2003.
O comércio exterior do País mudou paulatinamente o seu perfil, deixando de ser quase exclusivamente caudatário dos Estados Unidos e da Europa Ocidental e encontrando novos parceiros: a América Latina, a África, o Oriente Médio, a Rússia e o Extremo Oriente. O processo começou efetivamente a se dar logo após o início do primeiro governo, quando o Brasil se afastou da ALCA, em que os Estados Unidos seriam o líder absoluto em toda a América, e prestigiou o Mercosul.
Tais relações se fortaleceram, a ponto de o Brasil se integrar em um esforço de construção de um novo polo de relações internacionais, articulando-se com China, Rússia, Índia e África do Sul, o BRICS.
Todo esse processo se deu com uma postura de cooperação internacional, em que o Brasil surgia como um parceiro solidário de países em situação econômica muito inferior. Em suma, o governo brasileiro entendia que era benéfico espalhar boas sementes pelo mundo e considerava que isso lhe traria espigas mais sadias. Foi assim que empreiteiras brasileiras encontraram novos mercados em diversos outros países e a própria Petrobras participou de exploração em outras partes do mundo.
Junto com o notável alargamento do mercado interno, a partir dos programas sociais, o novo relacionamento externo também contribuiu para que o Brasil suportasse razoavelmente as primeiras bordoadas da crise internacional, já que a economia de uma boa parte de seus parceiros, especialmente a China, ainda não se abalara com a crise internacional.
Os fatos demonstraram que a nova postura internacional não agradou os Estados Unidos, assim como a política interna levou à indignação dos que, no Brasil, acostumaram-se a ter o Estado, a produção, os serviços públicos e o orçamento voltados exclusivamente para si.
O golpe parlamentar-judiciário-midiático que arrancou Dilma Rousseff da Presidência da República foi um basta nessa atitude de se espalhar boas sementes. Fosse pelo mundo ou entre os brasileiros.
Fernando Tolentino

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