terça-feira, 21 de março de 2017

A MÍDIA NÃO NOTICIA SUICÍDIOS



Na semana passada, um homem cometeu suicídio lançando-se do 19º andar do Congresso Nacional. Recebi em um grupo de Whatsapp a informação e a imagem do corpo, no espelho d’água do prédio, além de um breve vídeo em que seguranças desciam ao local para a constatação do óbito. Mais tarde, seguiram-se protestos pelo silêncio da imprensa diante do fato.
Há muitos anos, repórter de cidades do Correio Braziliense, comuniquei ao meu chefe o suicídio do marido de uma amiga, que se jogara da janela de um hotel no centro do Brasília, e fui informado que jornais não noticiam suicídios. A razão? Esse tipo de notícia estimularia novas tentativas.
Voltei a pensar nisso ao ver comprometidos mercados de carne como a Coreia do Sul, a China, o Chile e a União Europeia, o que pode se ampliar por diversos outros países. Foi uma reação quase imediata diante da notícia de uma operação que a Polícia Federal  desencadeara há mais de dois anos.
O abalo não é pequeno.  O Brasil conquistou o primeiro lugar mundial na exportação de carne, fornecendo para mais de 150 países. É o maior exportador, depois de vencer grande desconfiança em muitos mercados e barreiras alfandegárias dificílimas. O fornecimento para os Estados Unidos se regularizou apenas a partir de julho do ano passado. Para se ter uma ideia da significação da presença da carne brasileira em alguns países, só a BRF abastece mais de 80% do mercado coreano. Enquanto isso, grandes títulos da mídia dos Estados Unidos, como a CNN, WSJ e o New York Times voltam os seus olhos para o que seria a “carne podre” do Brasil.
 O segmento é responsável por 6,9% das exportações do País, resultando em um ingresso de US$ 13,9 bilhões. É constituído de 4.837 empresas, empregando diretamente milhares de trabalhadores, ao que se somam outros milhares em empresas que se incorporam na cadeia produtiva.
 De concreto, a Polícia Federal identificou problemas em 21 unidades produtoras de carnes, uma porcentagem mínima do universo, em empresas responsáveis por menos de 2% da produção total, segundo Marcio Ceccantini. Além disso, levanta suspeitas de que 33 servidores do Ministério da Agricultura que atuam na fiscalização da produção estão envolvidos em uma cadeia de corrupção. Um número também reduzido diante do efetivo de  cerca de 11 mil servidores.
Não é uma constatação desprezível, até porque o comprometimento atinge autoridades locais na área de fiscalização e aponta para possível envolvimento do ministro Osmar Serraglio, da Justiça, flagrado em tratamento íntimo com o cabeça da rede de corrupção.
Nada justifica, no entanto, o estardalhaço com que a denúncia foi anunciada, ainda mais em uma operação que se desenrola há tanto tempo. Não se trata de ver nisso uma conspiração para quebrar as exportações brasileiras de carne. Mas é impossível imaginar que não se suspeitasse da hipótese de promover um tremendo desarranjo em um mercado que exigiu anos de esforço para se consolidar.
Ainda mais diante dos precedentes da indústria naval, das maiores empreiteiras brasileiras e de iniciativas importantes de alta tecnologia, para não falar na produção de petróleo e gás, segmentos em que o Brasil obtivera notável desenvolvimento, conquistando em alguns deles grande expressão no Exterior. Hoje, todo o esforço empreendido nessas áreas foi desperdiçado. Estima-se que a Odebrecht dispensou cerca de 100 mil empregados. A OAS está em recuperação judicial e a Camargo Corrêa encolheu enormemente. Nem se fala mais na Sete Brasil, que forneceria sondas para a Petrobras.
Na própria Polícia Federal, o anúncio estrepitoso e atabalhoado do resultado da operação foi seriamente questionado, a Federação Nacional dos Policiais Federais responsabilizando diretamente o delegado Maurício Moscardi Grillo, em que não veem condições para liderar o processo.
O que parece óbvio é o encantamento que causam atualmente os holofotes em determinados agentes públicos brasileiros. Nenhuma outra consequência é levada em conta ao se vislumbrar a possibilidade de conquistar algumas linhas nas primeiras páginas de jornais de expressão nacional e principalmente preciosos minutos nos horários nobres das emissoras de TV.
Essa excitação com a chance de ocupar espaços na mídia chega ao inconcebível de policiais e procuradores, em que a discrição é um dos principais requisitos para um exercício profissional recomendável, contratarem os seus próprios assessores de imprensa para intermediarem as suas relações com a mídia.
É uma situação que não pode deixar de ser olhada por dois lados. Se é cada vez mais comum ver-se policiais que se considerem absolutamente descomprometidos com as repercussões de suas ações sobre o País e a sociedade, é também o caso de questionar onde está aquela imprensa que não noticia suicídios porque isso pode consequências indesejáveis. O senso de responsabilidade se restringe aos efeitos que possam desencadear sobre pessoas? O frenesi diante da notícia permite que se contribua para que o País beire a situação do suicídio?
Fernando Tolentino

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