terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O PT VOLTOU



Hoje é dia de comemoração para o PT. Uma comemoração muito maior do que supõem a sua direção e muitos dos membros de suas bancadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Passados 14 anos desde a vitoriosa campanha de Lula para presidente, o Partido dos Trabalhadores queimou uma grande quantidade da gordura acumulada desde a sua criação, em fevereiro de 1980.
O que o transformou no maior partido de esquerda da América Latina, condição que dirigentes e parlamentares gostam de destacar repetidamente, foi justamente o que foi negado nos últimos anos. O modo de ser diferente de partidos tradicionais, que seria a razão da sua inviabilidade na visão da velha política brasileira.
Sem se negar a disputar o jogo eleitoral, o PT surgiu como deve ocorrer com um partido de esquerda: na luta política das massas oprimidas.
Durante anos, o palco prioritário do PT foi a luta popular. Uma categoria profissional organizada dificilmente fez um enfrentamento sem a participação solidária de sindicalistas do Partido. Outras foram organizadas sob a liderança de trabalhadores a ele vinculados. Dessas refregas, surgiu a Central Única dos Trabalhadores. Petistas também se destacavam nas lutas de moradores por melhores condições de vida, na resistência diante do latifúndio, na organização das lutas dos estudantes, dos negros, das mulheres, dos homossexuais e onde o velho se confrontasse com o novo, o revolucionário.
A luta política propriamente dita – pela anistia ampla geral e irrestrita, contra o FMI e suas imposições à economia brasileira, pela convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana, por Diretas Já – tinha inevitavelmente militantes do PT junto com os de outros partidos de esquerda e personalidades ou instituições democráticas.
Enquanto esse Partido dos Trabalhadores crescia, mandatos parlamentares eram conquistados, em ritmo lento e consistente, assim como se anotou algumas vitórias em eleições para cargos executivos. Prefeitos e até governadores fizeram administrações que evidenciavam a consigna do jeito petista de governar. Isso significava forte estímulo à participação popular nas decisões governamentais, como nos orçamentos participativos.
Depois de três tentativas que serviram justamente para enraizar o discurso petista no seio do povo, Lula foi eleito em 2002 juntamente com uma bancada de 91 deputados, pouco mais de 17,5% da composição da Câmara.
É significativo o que ocorre com o PT no meio parlamentar a partir de então.
Após ver Fernando Collor eleito por sua legenda, o PRN tornou-se a quarta bancada da Câmara (40 deputados), embora sequer existisse quatro anos antes. Com José Sarney na Presidência, o PMDB elevou a sua bancada de 200 para 260 deputados, 53,39% do total. Com 38 deputados na eleição de 1990, o PSDB chegou a 63 no pleito em que Fernando Henrique Cardoso venceu pela primeira vez (1994) e a 99 deputados em sua reeleição (1998).
Pois o PT não agregou um único deputado no mandato inicial de Lula. Ao contrário, deu-se ao luxo de expulsar alguns e ver outros saírem, insatisfeitos com a convivência com o poder. Quatro anos depois, sua bancada minguou para 83 deputados. Cresceu modestamente em 2010 e chegou a 88, mas ficou em 70 deputados na eleição de 2014, 21 a menos que 12 anos antes, quando conquistou a Presidência da República.
Há dois aspectos a ressaltar nessa redução. O Partido negou-se à política de cooptação e portas escancaradas que marcou as passagens de PMDB, PRN e PSDB pelo Palácio do Planalto. Com isso, revelou a obsessão pelo republicanismo que marcou a sua trajetória pelo Poder Executivo. Mas também mostrou a sua ingenuidade nas disputas eleitorais, favorecendo flagrantemente os partidos que se declaravam como de sua base parlamentar. É certo que robusteceu legendas efetivamente solidárias com o seu projeto, como o PCdoB, mas deu fôlego a associações oportunistas ou de ocasião, permitindo ressuscitar o PMDB e dar corpo a grupos sem qualquer compromisso político, como PP, PTB, PR, PRB e, até, como se revelaria adiante, o PSB.
O que fica claro nessa nova trajetória do PT?
Esteve inquestionavelmente comprometido com o seu bem sucedido programa de inclusão social e de defesa dos direitos de trabalhadores e camadas médias da população. Saliente-se o fato de que essa política foi favorecida pelo desenvolvimento econômico que imprimiu, em boa media pela reorientação do relacionamento internacional do País, negando-se a manter uma postura submissa diante de países centrais do capitalismo mundial e assumindo, ao contrário, posição de solidariedade com economias alternativas (como Rússia, China, África do Sul e Índia) e de liderança com relação a países menos desenvolvidos.
A FASE REPUBLICANISTA
Mas jamais buscou apropriar-se do Estado ou implantar uma nova institucionalidade, condizente com o seu perfil de sociedade. Daí, a sua timidez com a reforma política, com a reforma tributária ou com a regulação da mídia.
Foi visível não aproveitar minimamente espaços para dar um caráter mais progressista às instâncias superiores do Poder Judiciário, permitir que as indicações para o Tribunal de Contas da União continuassem um mal explicado negócio de forças parlamentares e nem tentar imprimir uma visão avançada para o Ministério Público.
Se, reconheçamos, não abandou os compromissos de classe, foi gradativamente levando a que a sua defesa ficasse adstrita a políticas governamentais e à articulação parlamentar.
Um fosso imenso abriu-se entre a sua representação nos espaços institucionais – governo e Poder Legislativo – e o Partido real, a força viva dele, sua militância.
Salvo os petistas integrados na direção de entidades representativas de trabalhadores e de outros movimentos sociais, ficou praticamente relegada aos militantes a condição de orgulhar-se das ações de governo, aplaudi-la e voltar às ruas a cada eleição para garantir a renovação de mandatos.
Em suma, a não ser por aqueles compromissos políticos que lhe deram origem, o PT foi se assemelhando celeremente dos demais partidos. No conjunto formado pelos que disputam diretamente mandatos, é inegável a tendência a que se raciocine com a lógica de que o prioritário é renová-los. Em um sistema como o brasileiro, isso significa valer-se de métodos semelhantes aos dos adversários, envolver-se em articulações muito próximas. É de se prever que não tardaria a ter os compromissos essenciais como elementos secundários, no máximo argumentos eleitorais.
No seio do partido, essa equação leva à profissionalização de quadros e, como uma consequência natural, falta de debate político, desmotivação, afastamento do meio social, envelhecimento da militância.
Veio o golpe, fruto de uma extraordinária articulação para levar o PT à destruição definitiva. Uniram-se lideranças do grande empresariado, especialmente o financeiro, o semento hegemônico da mídia e a maioria parlamentar conservadora. A manobra contou com expressivo envolvimento de membros do Poder Judiciário. E é claro que se aproveitou da fragilização do Partido.
A MILITÂNCIA DESPERTOU
O despertar veio com a percepção de que a representação parlamentar passou a ter uma atitude de crescente aceitação da ruptura que tirou o próprio PT do governo, de passividade diante da nova hegemonia, de quase conformismo em face de uma presumida inexorabilidade do novo quadro.
O quadro em que os golpistas assumiram a iniciativa e, com voracidade surpreendente, resolveram revogar direitos conquistados ao longo de muitas décadas, como os trabalhistas e previdenciários, suspender ou minimizar direitos sociais instituídos nos governos liderados pelo PT, impor diretrizes neoliberais à ordem econômica, submeter o sistema educacional à lógica acrítica e tecnicista, entregar ao capital estrangeiro os mais importantes ativos nacionais, abrir flancos aos interesses estratégicos dos Estados Unidos, reforçar a hegemonia de meios de comunicação e até resgatar do limbo interesses de grupos empresariais que não tinham como prosperar em um quadro de normalidade, como a legalização de jogos de azar. Uma típica política do “a hora é essa”, de desmontar as defesas da sociedade enquanto isso não precisa passar pelo debate eleitoral.    
A gota a transbordar foi a articulação para que as bancadas petistas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal simplesmente se associassem a arranjos de parlamentares golpistas e dessem sustentação para que passassem a dirigir as duas Casas com presunção de legitimidade. Dirigir as mesas e, claro, aquela pauta demolidora que levou ao próprio golpe.
A partir daí, o quê dizer nas ruas? Que papel poderia ser cumprido por um militante do PT? O que mostraria de diferencial em seu partido? Restaria curvar-se ao discurso dos adversários e admitir que o Partido dos Trabalhadores, enquanto proposta, estava definitivamente desfigurado.
A verdade é que a militância ressurgiu, dissolveu até os muros internos de facções e tendências e resolveu lembrar aos parlamentares: o PT está aqui do lado de fora, disposto a fazer o debate com a sociedade, o embate com os adversários, trazer de volta para as ruas o compromisso que lhe deu origem e lhe dá sentido.
Fernando Tolentino

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