segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

BEM QUE DILMA AVISOU: NÃO SOBRARÁ PEDRA SOBRE PEDRA



A maioria dos brasileiros tem hoje mais um importante motivo para comemorar. E essa euforia, vamos ver, está justamente nas bombásticas denúncias de corrupção na Petrobras.
Fechadas as urnas, Dilma selou a sua vitória com um vigoroso discurso de conclamação à unidade nacional.
Mostrava ali que havia entendido claramente o recado das urnas. Obtivera uma vitória insofismável. “De virada!” O que normalmente costuma ser motivo de comemoração especial do torcedor brasileiro de futebol. Mas, a partir dali, quisessem ou não os derrotados, era de novo a presidenta de todos os brasileiros.
Os oposicionistas haviam estado à beira da comemoração. Em volta do candidato, preparados para ejacular o grito de vitória, já estavam inclusive Fernando Henrique, ACM Neto, o comunicador Hulk e o ex-atleta Ronaldo. Não era pra menos. Era esse clima que propagava a mídia parceira. O portal UOL chegou a “esquecer” de tirar do ar a manchete previamente preparada e flagrada por Luís Nassif. Todos confiavam piamente que não haveria como o eleitorado brasileiro escapar do garrote vil preparado pelo esforço concentrado de última hora pela mídia, a partir da manchete jamais confirmada da Veja, que circulou com conveniente antecedência, garantindo que Dilma e Lula foram praticamente cúmplices das malversações da Petrobras, pois saberiam de tudo e nada teriam feito para evitar ou punir os responsáveis.

 

O tresloucado ex-candidato não conseguiu assimilar o “quase deu” e, como assinalou o professor Michel Zaidan, simplesmente não “acordou”.  Ele e a grande mídia parceira, que falou de um Brasil dividido, uma divisão regional, em que Dilma seria a presidenta apenas de nordestinos e nortistas. Uma leitura absolutamente equivocada, forçada, para dar a ideia de que sua vitória se devesse à maior pobreza dos habitantes dessas regiões, politicamente menos conscientes e aliciados por programas sociais do governo. Errada, pois Dilma também teve a maioria no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Distorcida, já que a maioria dos beneficiários do Bolsa Família e de outros programas sociais está em São Paulo. Manipulada, pois o resultado das duas regiões pode ser avaliado justamente pela satisfação com os resultados obtidos no Norte e no Nordeste em doze anos de lulodilmismo (Veja QUER MAIS CONSCIÊNCIA DO QUE TEM O NORDESTINO?)

A teoria da divisão nacional tomou conta dos radicais e dos inconformados com a derrota da direita, gerando manifestações inaceitáveis de ódio justamente de quem se enxerga como mais consciente. Quem falava mais alto em nome do País passou a jurar que iria para o Exterior. Não faltou quem propusesse até a eliminação física dos eleitores de Dilma.

Esse ânimo doentio rapidamente se transformou em uma proposta golpista e foi assumida pelo candidato derrotado, arrastando o nome do PSDB para essa loucura. Ainda que boa parte da grande mídia fizesse eco, o TSE não se curvou à tentativa de recontagem dos votos e, mais adiante, o Supremo reconheceu a licitude das contas de campanha de Dilma. As tentativas de mobilizar massas transformaram-se em uma ridicularia, dezenas (raras vezes centenas) de manifestantes que sequer tinham claro se defendiam Aécio ou o retorno da ditadura. O próprio Aécio escondeu-se em uma praia catarinense para não se expor à situação, dividido entre a zombaria e uma radicalização que não lhe renderia frutos pessoais.
De tão absurdo, o alarido golpista não inflamou todo o PSDB. Os governadores eleitos – Alckmin (SP) e Perillo (GO) à frente – trataram de aproximar-se da presidenta reeleita e avançar em suas agendas de executivos estaduais. Entenderam claramente ue os berros alucinados de Aécio e sua tentativa golpista como meramente cenográficos, meros movimentos para se manter em evidência. Aécio tem claro que, ao baixar o tom, será jantado por Alckmin e Serra, lideranças tucanas mais consistentes, também interessadas em disputar as eleições de 2018. Serra galgando os resultados de disputas presidenciais anteriores e a recente vitória para o Senado, quando muitos já o tinham como uma carreira agonizante. Alckmin, com o capital de sua própria reeleição no estado de maior eleitorado, o que ainda é mais significativo diante da derrota de Aécio em Minas, tanto para presidente, como na disputa de seu candidato a governador.
De fato, só Aécio e seus fanáticos aliados das colunas jornalísticas escondem o vazio dos seus números nas urnas. A poucos dias do primeiro turno, já era francamente discutida a proposta de retirar a candidatura para engrossar a votação de Marina Silva e evitar que Dilma liquidasse a parada de uma vez. Não fosse a concentração absoluta do eleitorado conservador em torno de seu nome – com os apoios de Marina, Fidélis e Everaldo – e a alarmante campanha dos grandes veículos de comunicação, decerto sofreria uma derrota acachapante.
CORRUPÇÃO QUE VEM DE LONGE
Foi a antevisão desse cenário quase jocoso que animou o discurso de unidade de Dilma no anúncio do resultado eleitoral. A manifestação de quem assumia a liderança da Nação, que democraticamente acabava de lhe ser entregue.
Não disse (e nem precisava dizer, pois já o dissera enfaticamente na campanha) que o Brasil, sob a sua determinada direção, continuaria perseguindo a corrupção e oferecendo saídas para acabar com essa chaga, já entrevista na carta de Pero Vaz de Caminha, descarada no patrimonialismo do período colonial, no Império e na Velha República e presente em toda a história brasileira. A corrupção não teria momento mais fértil para fincar as suas raízes e florescer que um longo período ditatorial, com todas as armas do autoritarismo a lhe dar guarida, começando pela censura e terminando pelo apoio entusiástico de quase a unanimidade da mídia.
Parece incrível que os novos arautos do combate à corrupção fechem os olhos a algumas evidências. De quando vieram o poder e o enriquecimento de personagens como José Sarney, Paulo Maluf, Antonio Carlos Magalhães e Henrique Eduardo Alves, para citar só alguns casos? Quando surgiram fortunas como as dos brasilienses Luís Estêvão e Paulo Octavio ou Fernando Collor?
A certeza de que Dilma efetivaria o seu compromisso é o motivo da eufórica comemoração dos brasileiros.
É verdade que os governos de Lula e o primeiro de Dilma promoveram a retomada do desenvolvimento nacional e uma forte mudança de viés, em que o crescimento deixou de ser principalmente um instrumento de intensificação da concentração, para ser justamente o contrário, um processo intensivo de superação da miséria e de inclusão social.
Mas não foi só. Sabemos bem a dificuldade que tiveram para fazer um Brasil mais republicano, no sentido de que o Estado deixe de ser um patrimônio a serviço dos poderosos e se torne efetivamente um ente público. Imaginemos os grandes obstáculos de Lula e Dilma. E não estamos falando do país quebrado que foi entregue por Fernando Henrique. Importante é analisar os óbices institucionais implantados em uma Constituinte que se debatia entre o poder econômico, o patrimonialismo das velhas forças políticas e a participação de lobistas corporativos muito bem organizados. O contraponto, que conseguiu assegurar um legado benéfico, foi a participação popular. Tímida, mas efetiva.
A resultante dessa equação foi uma Constituição com forte acento parlamentarista, que buscaria confirmar a intenção em um plebiscito marcado para abril de 1993. O mínimo admissível era que, diante da vigorosa opção presidencialista dos brasileiros, o texto constitucional fosse revisto. Qual nada! Ficamos com um regime híbrido: presidencialista, para o Executivo; parlamentarista, na visão do Congresso. A mais recente agudização dessa esquizofrenia foi a criação das emendas impositivas, saída tipicamente corporativa dos parlamentares. Ao invés de extinguirem as emendas parlamentares, veículos de inúmeros casos de corrupção, ou instituídas emendas coletivas, impuseram mais um quesito de obediência para o Poder Executivo. 
É esse fortalecimento corporativo do Congresso Nacional que força a ocupação de espaços administrativos. Cargos almejados para transformarem-se em instrumentos de reprodução das bancadas em futuras eleições Pela manipulação de políticas públicas em favor de partidos e parlamentares. Mas prestando-se para a formação de caixas de campanhas eleitorais.
Nunca é demais lembrar que, passados 12 anos de liderança petista no Poder Executivo, ainda não há uma só indicação para o Tribunal de Contas da União em que se possa identificar as digitais do PT ou preferências políticas de Lula ou de Dilma. O mais próximo disso foi a indicação da mãe de Eduardo Campos, então governador de Pernambuco. Filha de Miguel Arraes, ela e a família tornaram-se amigos de Lula. A última eleição distanciou PSB e PT, o que reduziu a zero a presença de ministros com um mínimo de proximidade com o governo. Até a recente aposentadoria de Valmir Campello, ele Aroldo Cedraz, José Múcio e José Jorge, todos egressos do PFL (atual DEM), formavam praticamente uma “bancada”, quase a metade da composição da Casa.
ENFIM, UMA VERDADEIRA REPÚBLICA?
A verdade é que, apesar de tudo isso, os governos liderados pelo PT já vinham realizando pouco a pouco a promessa da candidata Dilma Rousseff de apurar todo e qualquer caso de corrupção, “doa a quem doer”, enfaticamente seguindo-se a previsão: “Não sobrará pedra sobre pedra”.
Tudo com que o brasileiro comum sonhava, acostumado a ver o Estado como algo “deles” (os poderosos) e a serviço deles.
A verdade é que a sociedade já não suportava constatar que, no Brasil, prisão (ou mesmo punição) é coisa, como se costuma dizer, para os três P: preto, pobre e puta. Com as condenações da Ação Penas 470, surgiu o quarto P: petista.
Onde estará Fernando Cavendish, da Delta Engenharia? E Carlinhos Cachoeira? E o ex-moralista Demóstenes Torres? Luís Estêvão está passando uns dias preso, depois que seu parceiro, o juiz Nicolau dos Santos Neto, até já deixou o presídio. No que deram os casos Capemi, Delfim, o escândalo da Mandioca, o da Coroa-Brastel, só pra citar alguns dos ocorridos durante a ditadura, quando pouco se podia saber de maracutaias e outras trampolinagens? Deu alguma coisa para Mário Garnero, do grupo Brasilinvest? E os escândalos mais recentes? A compra de votos por FHC, o escândalo do Banestado, o caso Sivam? O empresário Daniel Dantas conquistou dois habeas corpus sucessivos e ninguém mais falou nisso. Por que é que não caminha a ação do Mensalão do PSDB mineiro? Alguém pagou pelo escândalo da Caixa de Pandora, do DF? E o Trensalão, envolvendo sucessivos governos tucanos de São Paulo e estendendo ao de José Roberto Arruda no DF? Parecem ter voado pelos ares os casos recentíssimos do helicóptero carregado de pasta base de cocaína, do aeroporto construído pelo então governador Aécio Neves em terras de seu tio e do avião “sem dono” em que morreram Eduardo Campos e seis acompanhantes. Há centenas de histórias perdidas na memória de cada cidadão brasileiro, enquanto os presídios não suportam a superlotação de pessoas humildes, de nomes desconhecidos, não raro sequer submetidos a um processo legal aceitável.

Ao assumir, o então presidente Lula deu uma efetiva estruturação à Controladoria Geral da União, inclusive atribuindo-lhe nível ministerial. Os resultados são significativos. Foram 269 servidores demitidos por corrupção no primeiro ano de mandato. De 2003 a outubro de 2013, contou-se 4.481 demissões, mas de uma por dia. No governo de Dilma Rousseff, as demissões chegaram a quase dois mil.
Em 2006, era criado o Portal da Transparência, onde qualquer brasileiro pode inteirar-se de qualquer despesa pública. Tal acesso nem sempre tem uso adequado. Quando a grande mídia quis desgastar o governo Lula a partir do uso de cartões corporativos, O Globo noticiou que a Imprensa Nacional o teria usado para comprar moletons e bordados. Não adiantou esclarecer que a bandeira do Órgão não é encontrada em lojas do ramo e que qualquer gráfico do próprio jornal diria que chama de moleton a luva com que se cobre rolos das impressoras. A informação não foi corrigida e não contamos mais, para responsabilizar-se pelo cartão, o servidor que viu seu nome no jornal.
A Polícia Federal, antes afastada do combate à corrupção, passou a apurar as denúncias com inteira liberdade e os titulares da Procuradoria Geral da República foram escolhidos entre os primeiros integrantes das listas encaminhadas ao governo. Isso representou autonomia absoluta nas investigações, sendo notório o caso específico das denúncias que resultaram na AP 470, envolvendo alguns dos nomes mais importantes do próprio PT.
O aperfeiçoamento dos mecanismos de controle do Estado e combate à corrupção seguiu ao longo dos três governos liderados pelo PT. Em novembro de 2011, já com Dilma na Presidência, foi aprovada a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527), uma das mais modernas no mundo. 
Quase dois anos depois, veio a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846), que mudaria o conceito, até então existente, de que os corruptores eram poupados e apenas os corrompidos eram levados a julgamento e eventualmente pagavam por isso. É com base nela que se encontram indiciados e presos 36 dirigentes das maiores empreiteiras do Brasil, que agiam impunemente há décadas e são agora alcançados na chamada Operação Lava-Jato. O jornalista Jânio de Freitas (Folha de São Paulo) questionou neste domingo que não estão entre esses os cabeças dessas grandes empresas, mas apenas executivos de alta patente e grandiosa remuneração, contratados justamente para fazer esse tipo de serviço e livrar a cara de quem realmente decide. Certo é que a porta está aberta, escancarada.
E a opinião pública se deleita ao ver a inédita prisão e o indiciamento de nomes que só apareciam em jornais quando cercados de elogios ou ao frequentarem eventos sociais.
O esforço de setores hegemônicos da mídia para representar a situação de forma inversa impede que boa parte da sociedade identifique a marca dos governos de Lula e Dilma nesses resultados. Como se fossem iniciativas isoladas de um juiz íntimo dos círculos tucanos do Paraná, e de delegados da Polícia Federal, vários deles flagrados na recente campanha de Aécio Neves, inclusive com ataques desrespeitosos a Dilma. Um e outros fazem vazamentos seletivos na delação premiada, sempre com vistas a manter ilesos políticos do PSDB e responsabilizar petistas e políticos de partidos da base aliada. O afã de atingi-los chegou ao cúmulo de envolver criminosamente José Mário Cosenza, diretor da Petrobras sequer citado nos depoimentos. Mas, o fato é que a Polícia Federal atua no caso com a desenvoltura que jamais teve e o processo poderá ser exitoso em virtude dos instrumentos atualmente disponíveis.
Diante dessa evolução promovida no ciclo Lula-Dilma, nunca é demais lembrar que o propalado escândalo da Petrobras decorreu em boa medida de uma iniciativa do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao propor que a empresa não fosse mais submetida à Lei de Licitações (Lei nº 8.666).  
Se esse não é o desejo dessa parte da mídia e dos políticos oposicionistas, surgem avaliações abalizadas, como a do empresário Ricardo Semler, por sinal filiado ao PSDB, no recente artigo “Nunca se roubou tão pouco” (publicado na Folha de São Paulo). E o mérito da luta pela instauração de um estado republicano e no combate à corrupção é percebido por grande parte da população. Recente pesquisa da Datafolha surpreendeu ao mostrar que credita à presidenta Dilma a responsabilidade pelo combate à corrupção. Vai além. Sua aprovação mantém-se em alta e, contra quase todas as conjecturas, cresce a simpatia pelo Partido dos Trabalhadores. Como se não bastasse, o governo de Lula é registrado em todos os segmentos como o melhor de todos os tempos. Por 64% dos entrevistados  mais jovens e 46% dos mais velhos. A avaliação se repete nas várias regiões  e níveis educacionais e de renda.
O tirocínio das massas demonstra que percebeu onde está o cerne da corrupção. Enxergam como responsáveis os financiadores de campanha, os que irrigam as contas de todos os partidos, criando as condições para terem os políticos na coleira. Revela-se que essa gente transforma em mero jogo de cena a política que aparece nas páginas dos jornais, no rádio e na TV. O dinheiro sujo da campanha influi nas decisões de executivos governamentais e de estatais, como no comportamento de atores do Legislativo das mais diferenciadas cores partidárias. Até os que denunciam tentativas de impedir as investigações e, ao fazê-lo, agora se sabe que estão manietados por empresários, deles recebendo polpudas gorjetas, como teria sido o caso do senador Sérgio Guerra, então presidente do PSDB, ao propor o encerramento da primeira CPI da Petrobras, alegando que os governistas estariam impedindo que fosse bem sucedida.
Um quadro que parece paradoxal começa a se desenhar claramente para a sociedade. O que é mesmo que a oposição denuncia? Empreiteiros injetam dinheiro em campanhas para, depois, se beneficiarem nas relações com empresas estatais. Em outras palavras, os políticos elegem-se com os votos populares, mas seu compromisso não é com os eleitores, mas com quem viabiliza suas campanhas, os grandes financiadores. Mas essa mesma oposição nega-se a aprovar regras que corrigiriam esse tráfico de interesses, como o impedimento ao financiamento das campanhas pelas empresas privadas.
Ou seja, falta completar o ciclo iniciado por Lula e que vem se desenvolvendo com Dilma. Os próximos passos, contra os quais se voltam raivosa e significativamente a oposição e a grande mídia, são a reforma política, com a instituição do financiamento público das campanhas, e a institucionalização dos mecanismos de participação popular.
Fernando Tolentino

2 comentários:

  1. Lendo este texto veio-me a ideia de que o sujeito, preso na areia movediça da derrota, quanto mais remexe mais afunda.

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  2. Excelente texto! Completo, esclarecedor, bem alinhavado. Meu amigo, está na hora de aproveitar essas linhas traçadas aí e preparar para publicação um livro a ser lido, inclusive, nas aulas de História. Você tem já tem o roteiro, basta completá-lo com dados e documentos. Eu seria a primeira a divulgá-lo. Pense nisso.

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