sexta-feira, 15 de agosto de 2014

POBRE MARINA! POBRE PSB!



Estou sendo forçado a lembrar dos primeiros dias de Itamar Franco na Presidência, ao substituir Fernando Collor, afastado em virtude impeachment. Itamar tornara-se candidato a vice-presidente de Collor quase que somente por ser do segundo maior colégio eleitoral do País (Minas Gerais), onde não havia candidatura concorrente com expressão, como as de Lula (PT), com raízes em São Paulo e Pernambuco, e Brizola (PDT), no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Chegaram a ser cogitados outros nomes, como Márcia, filha do ex-presidente mineiro Juscelino Kubitschek, então deputada pelo Distrito Federal, mas prevaleceu o nome de Itamar.
Não estava no script Collor escapar dos compromissos com os grupos que asseguraram a sua eleição, cercar-se rapidamente de tamanha impopularidade e suscitar tantas denúncias de corrupção. De modo que o candidato a vice-presidente não chegou a firmar os mesmos compromissos. Sua posse despertou forte insegurança na retaguarda da eleição de Collor, ainda mais pelas posições nacionalistas em seus dois mandatos anteriores como senador.
A suspeita aumentou quando Itamar se tornou presidente e constituiu a sua equipe ministerial com a pretensão de unidade nacional. Mesmo contra a vontade do PT, até dois petistas foram incluídos: Luiza Erundina e Francisco Weffort. A escolha dava uma ideia de que, se Collor já fora rebelde aos patrocinadores do seu projeto, o novo presidente também não seria um entusiasta dos compromissos de sua candidatura em 1989.
A primeira parte do governo de Itamar refletiu essa má vontade, com as pautas nada simpáticas da maior parte da mídia, o que culminou com um flagrante fotográfico da modelo Lilian Ramos, sem calcinha, quando ela lhe fazia companhia no desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.
Na sequência, Itamar abriu mão de posições, aproximou-se desses críticos e conseguiu concluir o seu mandato definido como um “grande estadista”, tendo como sucessor o seu ministro Fernando Henrique Cardoso, popularizado como criador do Plano Real.  
E a que propósito me vem toda essa memória?
A morte de Eduardo Campos me parece introduzir um cenário com certa semelhança à chegada de Itamar Franco à Presidência em 2 de outubro de 1982.
A verdade é que, a pouco mais de mês e meio da próxima disputa presidencial, já era frequente entre vários colunistas da grande mídia uma indisfarçável desesperança, constatando a estabilidade da preferência por Dilma Rousseff em todas as sondagens de opinião pública e, mais obviamente ainda, a incapacidade de alavancar o que imaginavam serem os adversários mais viáveis, Aécio Neves e o próprio Eduardo Campos. Pior, passam os dias e o que surge como elemento de instabilização atinge justamente Aécio, como a mal explicada história dos aeroportos familiares.
À frente, só o início do horário eleitoral e as vantagens de Dilma: realizações a apresentar e tempo mais que suficiente para isso.
É nesse momento que surge o desastre com o avião de Eduardo, sua morte e o que os estrategistas da campanha anti-Dilma estão vendo como uma “janela de oportunidade”.
Baixarias de políticos irrelevantes, líderes religiosos ainda menores e jornalistas ainda mais ínfimos, repercutidos irresponsavelmente em redes sociais, chegam ao cúmulo de levantar insinuações de que o acidente fosse uma situação armada por gente ligada à candidatura de Dilma. Apenas tática diversionista, para esconder a tentativa de ganhar terreno no espaço deixado por Campos. Afinal, não fossem questões de sentimentos de quem esteve junto durante tanto tempo e em quantas circunstâncias políticas, buscando olhar a situação apenas pelo lado de interesses eleitorais, seria possível encontrar alguém com mais prejuízo pelo infausto que a candidata Dilma? Se realmente houvesse, como definir o instante como “janela de oportunidade”?
A verdade é que, se o absurdo de um atentado pudesse ser uma tese razoável, seria muito mais fácil encontrar suspeitos em outros espaços políticos.
A dificuldade já se manifestava na própria campanha deste ano, com nomes atraídos para o PSB por Eduardo Campos, como o catarinense Jorge Bornhausen e o piauiense Heráclito Fortes. Ou com acordos regionais à direita, como o de São Paulo e do Paraná, onde o partido apoia o PSDB, e do Mato Grosso do Sul, em que se comprometeu com o ruralista Nelson Trad, do PMDB.
Um dos principais nomes da articulação de Eduardo Campos, Roberto Freire (PPS), já se adiantou com a advertência de que Marina é o nome para suprir a vaga na chapa, mas terá que assumir os compromissos anteriores da coligação.
Ao que parece, ainda que talvez com sofrimento pessoal, Marina tende a se “itamarizar”. Afinal, é muito mais comum do que se pode imaginar que a avidez pela notoriedade e o cheiro do poder ponham no chão traços pessoais como a coerência ou o comprometimento ideológico. Quem duvidar deve olhar para as recentes passagens de Ayres de Brito e Joaquim Barbosa pelo Supremo Tribunal Federal.
Marina parece já haver se embriagado pela condição de favorita da grande mídia, disposta a renunciar a alguma nitidez ideológica que pretendeu enunciar como candidata em 2010 e na batalha para a criação da sua Rede, sempre falando em uma “nova política”, que passasse ao largo de compromissos alardeados como espúrios.
Ela já havia cuidado de se aproximar de grupos empresariais desde a sua última disputa eleitoral, quando adotou Guilherme Leal (Natura) como candidato a vice-presidente, uma espécie de sinalizador de não radicalização em caso de eventual vitória. Tornou-se também próxima do Grupo Itaú, onde a herdeira Maria Alice Setúbal é uma entusiasta de sua candidatura.
Mas ainda remanescem desconfianças aqui e acolá, especialmente porque a imagem de representante de setores empresariais não é exatamente o que ela pretende ressaltar. Mas também por sua manifestação de fé contra o agronegócio, questão vista como inegociável para quem tem a defesa do meio ambiente como marca de sua trajetória, desde que se iniciou no PT, na companhia de Chico Mendes.
Mas restam algumas dificuldades principalmente no seio do próprio PSB. Cabe-lhe o dilema entre adotar uma candidatura viável, ao menos de resultado superior ao do pesado candidato do PSDB, com índices eleitorais superiores aos de Campos, mas vislumbrar a hipótese de até eleger alguém que deixou claro, ao filiar-se, que abandonaria o PSB assim que viabilizasse o registro eleitoral de sua Rede. E, mais, exigindo o compromisso de que não sofreria qualquer retaliação quando o fizesse.
Um episódio semelhante ao da sucessão do general João Batista Figueiredo, com a vitória, no Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves. Diante da doença, agonia e, depois, morte de Tancredo, quem acabou assumindo foi o candidato a vice José Sarney. A chapa fora formada por um Tancredo, do PMDB, e um Sarney originário do PFL. Como os dois precisavam integrar o mesmo partido (e só por isso), Sarney abandonou a legenda que presidia e aderiu ao PMDB.
O presidente da República era filiado ao PMDB, mas todos tinham claro que seus vínculos efetivos eram com o PFL. Com a continuação, as migrações foram tantas para o PMDB que o perfil de Sarney impregnou-se indelevelmente na sigla.
O que sucederá caso Marina assuma o lugar de Campos? O PSB verá com naturalidade o papel de militância de um nome que, ao fim e ao cabo, significará o fortalecimento de uma agremiação rival? O PSB e a sua militância real renunciarão ao controle do Partido, que passará a ser efetivamente dela, ainda mais se lograsse a eleição para a Presidência? O PSB aceitaria a perspectiva de, caso eleja a sua candidata, ganhar e não levar, por vê-la simplesmente voar para outras bandas assim que puser os pés no Palácio?
Fernando Tolentino

Nenhum comentário:

Postar um comentário