Fernando Tolentino
A novela da disputa de
Marina Silva à Presidência da República pela organização que se intitularia
Rede Sustentabilidade chegou ao fim, mas o tema continua dominando as manchetes
dos principais jornais brasileiros e os mais nobres espaços na TV e no rádio.
Antes do fim, o gancho era
a luta para a agremiação regularizar-se na Justiça Eleitoral e, a partir daí,
dar suporte à candidatura presidencial de Marina. Surgiram até insinuações de,
especificamente no caso da Rede, não se deveria exigir o cumprimento da norma
legal. O esperneio não conseguiu esconder que a Rede, em si, não tem qualquer
significação social ou política, tanto que a sociedade lhe negou assinaturas
suficientes para o registro. O PSD e, antes, o Democratas conseguiram cumprir
as regras. A tarefa também foi cumprida por agremiações que jamais mereceram
espaços comparáveis na mídia, como o PPL, o Solidariedade e o PROS.
Mas a pauta se manteve
com a adesão de Marina ao PSB. Logo se somou as avaliações dos dois nomes nas pesquisas
e o casamento foi saudado como uma grande nova: ficou menos insofismável a
liderança de Dilma Rousseff na corrida sucessória.
Marina encontrara um
caminho para viabilizar sua participação no processo eleitoral. É nítido que o
ódio move sua inabalável determinação de confrontar-se com Dilma, no que os
psicanalistas poderiam ver a tentativa de resolver o trauma de não ter
conseguido conquistar a condição de favorita de Lula no curso de seu governo. A
sensação de força decorrente de seus quase 20 milhões de votos de 2010 e das
atuais intenções de votos manteriam ativo esse ódio subjacente à motivação
política. O suficiente para que se torne personagem mais confiavelmente anti-Dilma
que seu anfitrião, o governador pernambucano Eduardo Campos.
Mas a política não é
assim tão simples: a mera soma dos dois índices. Soma que viabilizaria um
segundo turno e, nele, a desejada batalha definitiva entre ela e Aécio Neves,
que lideraria, ainda segundo o devaneio uma grande frente contra o PT. Análises
mais detidas começam a surgir.
Não a Rede, mas Marina incorpora
realmente musculatura ao PSB por seu peso eleitoral. Só dá pra chegar até aí: o
presumível potencial eleitoral, aferido por sua última votação para a
Presidência e confirmado por sucessivos levantamentos de intenção de voto, em
que ela oscila percentualmente, mas sempre se situa em segundo lugar entre os
postulantes possíveis. Não é necessariamente verdade que seus eleitorais a acompanhariam
numa dobradinha em que o candidato a presidente seria outro, no caso Eduardo
Campos, com ela vinculada ao PSB, mesmo após manifestar reiteradamente a sua
aversão a todo o elenco de partidos brasileiros.
Os protestos nas redes
sociais não foram poucos. Houve manifestações contrárias no próprio ambiente da
Rede. Não escapou à observação dos até então embriagados com a sua proposta de
novidade na vida política a forma como se deu a sua decisão. Marina comunicou-a
ao presidente do PSB, pedindo ingresso em seu partido e oferecendo-lhe apoio e,
só depois informou disso a sua base e, mais, deixando claro que não recuaria. Forma
bem tradicional de fazer política. Deve também ter soado estranho a muitos a
própria opção pelo PSB, que acabara de receber em suas fileiras – com pompa,
circunstância e poder – ninguém menos que Heráclito Fortes e Jorge Bornhausen,
figuras tão marcadamente identificadas com posições conservadoras e práticas
políticas viciadas.
Sua entrada no PSB não
pode ser vista como tranquila. Traz o risco de futura desagregação, pois
representa a sujeição do seu principal líder, um nome com índice de potencial
eleitoral cerca de cinco vezes menor que o de Marina. E, se há um figurino com o qual Marina não convive bem, é o de personagem secundário. Se Eduardo não crescer
rapidamente e ela mantiver os índices atuais, o presidente da legenda será
seriamente pressionado a ceder a vaga na competição. Como ficaria a base
tradicional do PSB?
Ainda mais que é
inquestionável a ambiguidade entre a radicalidade da oposição dela, em que dá
para perceber razões de natureza pessoal, e a moderação dele, que considera
indispensável para o seu crescimento o fato de ser visto pelo eleitorado como
um dos herdeiros do projeto político de Lula. Como serão os discursos do PSB e
seu candidato?
Essas posturas
diferenciadas são caldo de cultura mais que suficiente para dar corpo a uma
luta interna, que pode ser estimulada de fora pra dentro a partir de setores
ansiosos para que Dilma Roussef tenha precocemente um adversário à altura e ele
não seja Aécio Neves. O PSB terá que disputar com o PSDB a condição de polo
contrário. É aí que a moderação do discurso de Eduardo Campos pode sofrer
desgaste interno. Não é ele o mais capaz de fazer um enfrentamento agressivo,
figadal, que desafie para uma reação a ser traduzida pelo eleitorado
conservador como uma indicação de quem realmente vai disputar com Dilma.
O PSDB estará buscando
esse espaço e o discurso de Aécio, com o mérito da anterioridade, manterá o tom
oposicionista. O problema é que Aécio terá problemas a enfrentar. Um, não vem
revelando condições de decolar. Dois, tem uma disputa interna, de que se
conhece bastante o tom e a forma, com José Serra, sempre disposto a
substituí-la na candidatura. Três, junto ao seu partido, pode se defrontar com
o clima de denúncias relativas ao Cartel do Metrô, além de eventual evidência
do julgamento do mensalão mineiro.
Quatro, o colocado pelo surgimento da opção Campos/Marina, uma soma de índices
que lhe coloca como alternativa secundária na disputa.
É por isso que, ao atirar
em Dilma, Marina parece ter acertado em Aécio. E o PSDB tem que ser rápido na
reação. O partido já vem sofrendo desgastes com as denúncias e muitos já não o
estão vendo como possível postulante ao poder. Não custa lembrar que, ao menos
enquanto representação parlamentar na Assembleia Legislativa, a legenda
desapareceu nos últimos dias no Ceará. Logo lá, onde o governador Cid Gomes
abalou seriamente o PSB ao deixar suas fileiras.
Dilma está na frente e,
também por estar no exercício do poder, não precisa ferroar os seus
concorrentes. O mesmo raciocínio de soma de índices mostra que não foi a grande
vítima da solução Campos-Marina. Seria preciso que não houvesse redistas ou
marinistas decepcionados e o PSDB mantivesse o vigor para que, somados, ficasse
garantido um segundo turno.
Basta-lhe não perder
apoio. Amealhar os louros dos resultados de suas políticas, se forem bem
sucedidas. E, quando precisar, terá a palavra de Lula (o candidato na sombra da
grande maioria dos eleitores) para lembrar a identificação com ela e sugerir
que precisa dar andamento aos projetos comuns.
O fato de Dilma estar na
frente também lhe favorece porque isso só acirrará aquela luta entre os
postulantes do PSB e do PSDB. E isso pode puxar o discurso do PSB para a direita,
com possíveis perdas na sua base. Com a nova composição, a aritmética favorece
o PSB no embate com os tucanos. Se não revelar força para empurrar seu índice
para cima, Aécio provavelmente se verá atropelado por Serra,
inquestionavelmente contundente em seus ataques a adversários, e com a virulência reforçada, agora que nada tem a perder como candidato, depois de um rosário de derrotas.
O clima é indefinido.
Mas, se vítima presumível há, ela atende pelo nome de Aécio.
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