sábado, 5 de março de 2011

PARADOXO DA NATUREZA

Por que não seca esta fonte
se já não há um solo fértil a regar?
Por que as águas não cessam
se as sementes estão espalhadas em outras paragens,
se ali, onde a terra se racha de uma aridez incorrigível,
o húmus espera uma gota, uma brisa que espalhe ao menos umidade,
pra brindar a paisagem de verde?
Para que se precipitam as nuvens
se as águas correrão sobre o solo sem encontrar onde se acomodar?
Se as águas se transformarão em torrentes, bravias, inconformadas,
como a vingar a sua inutilidade.


Onde aquele solo túmido, prenhe, vesperal?
Esta terra nem sempre foi tórrida, infértil,
indiferente à provocação das águas.
Neste solo, o verde prometia rebentar a cada gota que lhe umidificava.
Ao menor estímulo, a vida se mexia, se criava, sorria.
Este solo se fechou.
Impermeável, tornou-se uma laje e aprisionou a riqueza no seu ventre.


Para a água que insiste em molhar
resta a certeza de que, expulsa daqui,
pode ser recebida mais ali,
onde uma possível natureza, latente, paciente,
prepara uma festa.


Fernando Tolentino

2 comentários:

  1. Pai, que lindo seu lado poético... adoro poesias que metaforizam a partir da natureza, pois somos seres naturais... que a semeadura favoreça bons frutos.. que o grande ventre fértil reconheça seus ciclos e amadureça em momentos propícios.. a fonte que irradia vida está sempre como possibilidade, um vir a ser.. Beijos grandes.

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  2. Lindíssima poesia! Tão linda que conseguimos sentí-la não apenas com os sentidos, mas principalmente com a alma.

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