sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A PERGUNTA QUE A SOFREGUIDÃO OMITE

A violação do sigilo fiscal de qualquer cidadão brasileiro, um direito constitucional garantido desde 1988, é crime exceto se motivada por interesse público, judicialmente definido. Dito isto, porém, é inevitável ponderar que a energia crítica da mídia na abordagem maciça e articulada do obscuro episódio de vazamernto dos dados fiscais de Verônica Serra, filha do presidenciável, omite um ponto crucial do ponto de vista do rigoroso manejo da carpintaria jornalística. Sua elisão beneficia os que enxergam na sofreguidão do atual bombardeio interesses eleitorais (e por que não dizer, um certo desespero, do tipo 'tudo ou nada') superiores à disposição de informar, esclarecer e defender a cidadania. A questão espetacularmente ausente das toneladas de papel, tinta e megatempo de exposição em rádio e tevê que o assunto tem merecido (em desfrutável e sugestiva interação com a propaganda política do presidenciável ex-governador de SP) pulsa limpidamente na cabeça de qualquer eleitor medianamente curioso: afinal, o que teria de tão altamente comprometedor na declaração de renda da filha de José Serra (e de amigos do peito do presidenciável) a ponto de, como se insinua, motivar adversários políticos, não necessariamente externos ao seu partido [leia o artigo 'Pó pará, Serra!' abaixo] ou quadrilhas de chantagistas a violarem seu sigilo fiscal? E, mais que isso, conforme informa hoje o jornalão da família Frias, ter motivado o ex-governador a (diz a Folha) comentar o problema já em janeiro, com o próprio chefe do governo, que agora acusa de cúmplice?...

PÓ PARÁ, SERRA!

A via do desespero pode custar caro a Serra. Além das ações judiciais, começam a circular informações dando conta de algumas “coincidências” entre a data em que teria ocorrido a violação do sigilo fiscal de sua filha e o período da guerra surda que travou com o ex-governador de Minas, Aécio Neves.

Marco Aurélio Weissheimer

O corregedor-geral eleitoral, ministro Aldir Passarinho Junior, arquivou nesta quinta-feira 02/09/10 a representação da coligação O Brasil Pode Mais, do candidato José Serra (PSDB), que pedia a cassação do registro da candidatura de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República. Na representação, a coligação de Serra acusa Dilma e outras seis pessoas (o candidato ao Senado por Minas Gerais, Fernando Pimentel, os jornalistas Amaury Junior e Luiz Lanzetta, o secretário da Receita Federal Otacílio Cartaxo, e o corregedor-geral da Receita Federal, Antonio Carlos Costa D’Ávila) de “usar a Receita Federal para quebrar o sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato Serra, com a intenção de prejudicá-lo em benefício da campanha da candidata Dilma”.
Como se sabe, Serra não apresentou nenhuma prova para sustentar essa grave acusação. Ou, nas palavras do ministro Aldir Passarinho Junior, não apresentou “concreta demonstração” de que a candidata Dilma Rousseff teria se beneficiado dos atos. Além disso, o ministro não reconheceu a existência de “lesividade na conduta capaz de desequilibrar a disputa eleitoral”. Os fatos narrados, destacou ainda o ministro, podem “configurar falta disciplinar e infração penal comum que devem ser apuradas em sede própria, que não é a seara eleitoral”.
Mas Serra já havia atingido seu objetivo: criar um factóide que, graças aos braços midiáticos de sua campanha, ganharam as manchetes dos grandes jornais e uma edição do Jornal Nacional de quarta-feira que, pelo seu evidente caráter manipulatório, lembrou aquela feita no famoso debate entre Lula e Collor. Em queda livre nas pesquisas, sem programa, sem discurso, sem projeto e mudando de linha a cada semana, o candidato José Serra partiu para o vale-tudo. Queria que o episódio ganhasse manchetes para ele usar no horário eleitoral. Conseguiu isso. Esse é, no momento, o programa/projeto que o candidato tucano tem a oferecer ao Brasil.
A estratégia desesperada pode ter o efeito totalmente inverso ao esperado. Maria Inês Nassif escreveu ontem no Valor:
“É tênue a separação entre uma acusação – a de que Dilma é a responsável pela quebra de sigilo – e a infâmia, no ouvido do eleitor. Quando a onda está contra o candidato que faz a acusação, um erro é fatal. Essa sintonia não parece que está sendo conseguida. O aumento da rejeição do candidato tucano, desde o início da propaganda eleitoral, é alarmante.”
Pior ainda: além do aumento da já crescente rejeição ao candidato tucano, o episódio pode expor a montagem de uma farsa (e de um crime) com cúmplices espalhados em várias redações brasileiras. A farsa: a campanha de Dilma teria quebrado o sigilo fiscal da filha de Serra. O crime: as acusações desprovidas de prova e fundamento dirigidas contra a pessoa da candidata. O PT anunciou hoje que decidiu entrar com duas ações judiciais contra Serra e uma contra o presidente do PSDB, Sérgio Guerra.
A primeira medida é uma representação no TSE, com base no artigo 323 do código que regula as eleições. O crime previsto é imputar fato sabidamente não praticado pelo adversário para atingir objetivos nas eleições. Neste caso, segundo José Eduardo Cardozo, secretário-geral do PT, Serra e o PSDB sabem que o PT e a campanha de Dilma Rousseff não tiveram qualquer participação na quebra de sigilo de pessoas ligadas aos tucanos, mas assim mesmo fazem acusações. Além desta, o partido decidiu entrar com outra ação judicial contra José Serra por calúnia, difamação e injúria. A última medida é a representação na Procuradoria Geral da República contra Sérgio Guerra, por crime contra a honra devido às repetidas declarações de Guerra, acusando o PT e Dilma de serem os responsáveis por quebras de sigilo fiscal.
A estratégia pode custar caro a Serra. Além das ações, começaram a circular informações nesta quinta-feira, dando conta das incríveis “coincidências” entre a data em que teria ocorrido a violação do sigilo da filha de Serra e a da guerra que o ex-governador de São Paulo travou com o ex-governador de Minas, Aécio Neves. Essa guerra tem uma trama novelesca, envolvendo confusões policiais em festas, acusações de agressões, chantagens e investigações especiais realizadas pelos dois lados em disputa. Pois ambas as coisas, a quebra do sigilo com uso de procuração falsa e o ápice da guerra Serra-Aécio ocorreram no mesmo mês, setembro de 2009.
Conforme foi amplamente noticiado, o jornal Estado de Minas estaria, neste período, preparando uma “investigação especial” sobre Serra. O jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou no Estado de Minas, anunciou o lançamento de um livro sobre os bastidores do processo de privatizações. Esse trabalho atingiria Serra e aliados. Em novembro de 2009, o blog de Juca Kfouri publicou uma nota afirmando que Aécio teria agredido a namorada em uma festa. A virulência desta guerra pode ser atestada em um inacreditável artigo de Mauro Chaves (jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor, conforme ele mesmo se apresenta), que reproduzimos abaixo, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 28 de fevereiro de 2009. O recado do artigo, que critica as aspirações políticas de Aécio Neves, está resumido no título “Pó pará, governador?” A expressão aparece na última linha de modo inteiramente abrupto, como quem não quer nada:

O problema tucano, na sucessão presidencial, é que na política cabocla as ambições pessoais têm razões que a razão da fidelidade política desconhece. Agora, quando a isso se junta o sebastianismo (a volta do rei que nunca foi), haja pressa em restaurar o trono de São João Del Rey... Só que Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: "Deus é paciência. O diabo é o contrário." E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?Curiosamente, o jornal O Estado de Minas, ligado a Aécio, deu pouquíssima repercussão ao caso da filha de Serra. O mesmo ocorreu com o Correio Braziliense. Ambos os jornais pertencem ao mesmo grupo, os Diários Associados. Ao contrário da imensa maioria dos jornalões brasileiros (como, pricipalmente, os da província de São Paulo e os da Organizações Globo), não julgaram o tema relevante. Coisas da nossa brava imprensa, não é mesmo?
Nada disso importa a Serra, o homem que Pode Mais, o D. Sebastião brasileiro. O ex-governador de São Paulo é conhecido por isso: acredita que pode qualquer coisa. Pode? O povo brasileiro dará a resposta. E, pegando carona na expressão do articulista do Estadão, ele poderá dizer: Pó pará, Serra!

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior
(correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

PÓ PARÁ, GOVERNADOR?


Mauro Chaves - O Estado de S.Paulo

Em conversa com o presidente Lula no dia 6 de fevereiro, uma sexta-feira, o governador Aécio Neves expôs-lhe a estratégia que iria adotar com o PSDB, com vista a obter a indicação de sua candidatura a presidente da República. Essa estratégia consistia num ultimato para que a cúpula tucana definisse a realização de prévias eleitorais presidenciais impreterivelmente até o dia 30 de março - "nem um dia a mais". Era muito estranho, primeiro, que um candidato a candidato comunicasse sua estratégia eleitoral ao adversário político antes de fazê-lo a seus correligionários. Mais estranho ainda era o fato de uma proposta de procedimento jamais adotada pelo paartido desde sua fundação, há 20 anos (o que exigiria, no mínimo, uma ampla discussão partidária interna), fosse introduzida por meio de um ultimato, uma "exigência" a ser cumprida em um mês e meio, sob pena de... De quê, mesmo?

O que Aécio fará se o PSDB não adotar as prévias presidenciais até 30 de março? Não foi dito pelo governador mineiro (certamente para não assinar oficialmente um termo de chantagem política), mas foi barulhentamente insinuado: em caso da não-aprovação das prévias, Aécio voaria para ser presidenciável do PMDB. É claro que para o presidente Lula e sua ungida presidenciável, a mãe do PAC, não haveria melhor oportunidade de cindir as forças oposicionistas, deixando cada uma em um dos dois maiores colégios eleitorais do País. E é claro que para o PMDB, com tantos milhões de votos no País, mas sem ter quem os receba, como candidato a presidente da República, a adoção de Aécio como correligionário/candidato poderia significar um upgrade fisiológico capaz de lhe propiciar um não programado salto na conquista do poder maior - já que os menores acabou de conquistar.

Pela pesquisa nacional do Instituto Datafolha [em fevereiro de 2009], os presidenciáveis tucanos têm os seguintes índices: José Serra, 41% (disparado na frente), e Aécio Neves, 17% (atrás de Ciro Gomes, com 25%, e de Heloisa Helena, com 19%). Por que, então, o governador de Minas se julga capaz de reverter espetacularmente esses índices, fazendo sua candidatura presidencial subir feito um foguete e a de seu colega e correligionário paulista despencar feito um viaduto? Que informações essenciais haveria, para se transmitirem aos cerca de 1 milhão e pouco de militantes tucanos (supondo-se que estes fossem os eleitores das "exigidas" prévias, que ninguém tem ideia de como devam ser), para que pudesse ocorrer uma formidável inversão de avaliação eleitoral, que desse vitória a Aécio sobre Serra (supondo que o governador mineiro pretenda, de fato, vencê-las)?

Vejamos o modus faciendi de preparação das prévias, "exigido" pelo governador mineiro: ele e Serra sairiam pelo Brasil afora apresentando suas "propostas" de governo, suas soluções para a crise econômica, as críticas cabíveis ao governo federal e coisas do tipo. Seriam diferentes ou semelhantes tais propostas, soluções e críticas? Se semelhantes, apresentadas em conjunto nos mesmos palanques "prévios", para obter o voto do eleitor "prévio", cada um dos concorrentes tucanos teria de tentar mostrar alguma vantagem diferencial. Talvez Aécio apostasse em sua condição de mais moço, com bastante cabelo e imagem de "boa pinta", só restando a Serra falar de sua maior experiência política, administrativa e seu "preparo geral", em termos de conhecimento, cultura e "traquejo". Mas se falassem a mesma coisa, harmonizados e só com vozes diferentes, os dois correriam o risco de em algum lugar ermo do interior ser confundidos com dupla sertaneja - quem sabe Zé Serra e Ah é, sô!

Agora, se os discursos forem diferentes, em palanques "prévios" diferentes, haverá uma disputa de acirramento imprevisível. E no Brasil não temos a prática norte-americana das primárias - que uniu Obama e Hillary depois de se terem escalpelado. Por mais que disfarcem e até simulem alianças, aqui os concorrentes, após as eleições, sempre se tornam cordiais inimigos figadais. E aí as semelhanças políticas estão na razão direta das diferenças pessoais. Mas não há dúvida de que sob o ponto de vista político-administrativo Serra e Aécio são semelhantes, porque comandam administrações "competentes".

Ressalvem-se apenas as profundas diferenças de cobrança de opinião pública entre Minas e São Paulo. Quem já leu os jornais mineiros, fica impressionado com a absoluta falta de crítica em relação a tudo o que se relacione, direta ou indiretamente, ao governo ou ao governador. E quem já leu os jornalões de São Paulo, fica também impressionado com a absoluta falta de crítica em relação a tudo o que se relacione, direta ou indiretamente, ao governo ou ao governador Serra.

O caso do "mensalão tucano" só foi publicado pelos jornais de Minas depois que a imprensa do País inteiro já tinha dele tratado (e que o governador se pronunciou a respeito). É que em Minas imprensa e governo são irmãos xifópagos, assim como em São Paulo e no Distrito Federal com o governo Arruda.

O problema tucano, na sucessão presidencial, é que na política cabocla as ambições pessoais têm razões que a razão da fidelidade política desconhece. Agora, quando a isso se junta o sebastianismo (a volta do rei que nunca foi), haja pressa em restaurar o trono de São João Del Rey... Só que Aécio devia refletir sobre o que disse seu grande conterrâneo João Guimarães Rosa: "Deus é paciência. O diabo é o contrário."
E hoje talvez ele advertisse: Pó pará, governador?

28 de fevereiro de 2009 0h 00

Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor,
administrador de empresas e pintor (mauro.chaves@attglobal.net)

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