Ainda sobre a baixaria
elitista e branca da ala VIP na abertura da Copa do Mundo.
Não poderia responder
imediatamente. Precisa ver a capa do semanário Veja, as manchetes principais
das edições do Correio Braziliense, do Globo, da Folha e do Estado de São
Paulo.
Conhecer as reações dos
candidatos adversários, os que veem uma competição futebolística como mera
arena eleitoral. Ver o que diria o colunista Merval.
Precisava saber de
vozes discordantes, ao menos naquele episódio, como Boris Casoy, a quem não se
pode cometer o desatino de identificar como simpatizante da presidenta Dilma.
Ou as de José Trajano, Arnaldo Ribeiro e Juca Kfoury, que mostrou ser contrária
a reação dos trabalhadores da obra do estádio.
Sim, precisava
confirmar em que espaços prevalem os interesses aquele grupelho.
Não poderia deixar de
ler o que disseram Chico Buarque e Hildegard Angel ou Jean Wyllys.
Quem comemoraria a
gritaria chula, tal como se não tivesse acesso à escola, tendo recebido os seus
princípios morais nas áreas mais despudoradas das cidades?
Aliás, o jornalista
Paulo Passos, do UOL, denunciou terem irrompido os xingamentos na ala VIP do
estádio. E mais: surgiram no exato momento em que estava programada uma
homenagem aos operários que construíram o estádio. É sintomático. Na visão
deles, como querem homenagear a senzala em um país que pertence à Casa Grande?
Esta deve ter sido a revolta desses estreantes em “manifestações”.
O baixo calão dos
frequentadores de salões denunciou um país dividido. Dividido entre segmentos
socialmente extremos.
O poeta e agitador cultural Sérgio Vaz, um dos nomes
mais respeitados da periferia de São Paulo, postou no tuíter: “Se a @dilmabr vier aqui na periferia de São Paulo
nós vamos enchê-la de beijos e abraços”.
Rosa
branca oferecida por Lula a Dilma em nosso nome no dia seguinte ao jogo
Ao
contrário do que desejava a “elite branca” (na definição do ex-governador paulista
Cláudio Lembo, agora repetida por Wyllys),
os estádios ficaram prontos, os aeroportos foram elogiados por turistas
internacionais, não houve tumultos incontornáveis para se chegar aos estádios, a rede hoteleira atendeu a demanda da Copa
e foi cabalmente desmentido o #Não vai
ter Copa. As próprias manifestações foram praticamente inexpressivas, ridículas
diante das de junho de 2013. Só ganharam vulto em forçadas matérias
jornalísticas, ainda assim sem convencer leitores e telespectadores.
Péssimos estudantes
de História, piores testemunhas da vida política, essa elite não conseguiu
fazer a leitura do que foi a utilização de eventos como as participações nas
Copas do Mundo pelos regimes militares do Brasil e do Chile, ou o fato de
sediá-la, na Argentina. Fatos como registrados no filme “Pra frente Brasil”, de
Roberto Farias, têm sentido diverso. A vitória do campo não traria apoio para o
regime; se muito a alienação popular com relação ao caráter ditatorial do governo.
Foi a aposta do general Garrastazu, assim como dos vizinhos generais Pinochet e
Videla. Aliás, todos figuras simpáticas para essa mesma elite brasileira.
Sei, de
sentir na pele, o que foi a censura popular ao simples fato de que nós,
militantes de esquerda, pretendíamos atrair o povo para não levantar, nos
estádios, quando executado o Hino Nacional.
Torcer
contra a Seleção, nem pensar! Diz muito bem a presidenta Dilma, falando do que
sucedia dentro dos presídios políticos. Nem mesmo com a intervenção de
Garrastazu, impondo o corte do técnico do escrete, João Saldanha, às vésperas
da Copa do Mundo. Só para recordar, Saldanha (jornalista esportivo e sabidamente
militante do Partido Comunista) reagiu mal quando o ditador alegou que Dario
deveria ter sido convocado. A imprensa, claro, pressionou o técnico e ele,
reconhecidamente irreverente, respondeu que não lhe fora pedida a opinião
quando o presidente militar escolheu os seus ministros. Saldanha foi liminarmente
substituído por Zagalo.
A grande
festa de 1970, quando o Brasil conquistou o título pela terceira vez, teve o
aplauso dos ricos, irmanando a classe média e os setores populares em um grande
abraço nacional. Não era possível distinguir entusiastas da ditadura ou seus críticos
e mesmo militantes de esquerda, alguns até clandestinos.
A vaia
chula foi o último grito agônico da “elite branca” e seus porta-vozes. Claro
que nem tudo ficou absolutamente perfeito. Tanto que uma aranha virou manchete
de jornais, ao insinuar-se em um hotel de certa seleção estrangeira, aterrorizando
um dos atletas!
Não
conseguindo assim destruir a imagem nacional diante do mundo, essa gente
decidiu-se por fixar a impressão de que somos, de todos, o povo mais grosseiro,
o mais deseducado, o menos cívico e hospitaleiro. Muito mais simbólico e
elegante foi o craque chileno Carlos
Caszely, em 1974, negando ao ditador Pinhochet um mero aperto de mão na
despedida da representação do Chile no Mundial da Alemanha.
Pois
nem essa malcriação dos endinheirados será fixada entre os turistas que vieram
para a Copa. Os brasileiros lhes dão provas contrárias de simpatia,
receptividade, educação e maturidade. Como a do taxista Adilson Luiz da Cruz,
de São Paulo. Não foi possível ele realizar o sonho de entrar no estádio para
ver a seleção brasileira. Mas não teve dúvida de devolver aos torcedores
mexicanos os 40 ingressos que haviam deixado em seu carro. Esse é o verdadeiro
cidadão brasileiro.
O Brasil espera que os
deselegantes torcedores VIP de São Paulo tenham sido emudecidos pela censura
pública que lhes foi imposta e muito bem sintetizada nos versos de Camões (Os
Lusíadas) que a presidenta Dilma Rousseff incorporou ao seu artigo A Seleção
está acima da política: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, Que outro
valor mais alto se alevanta”.
Fernando Tolentino
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