Jorge Furtado
Se for possível,
esqueça por alguns minutos todos os adjetivos e piadinhas, toda indignação
seletiva dos que governaram o país por décadas e o transformaram na sociedade
mais desigual do planeta, todas as manchetes escandalosas, esqueça as frases de
efeito dos jornalistas que garantem seus empregos pensando exatamente como o
patrão manda, os comentários dos seus amigos e colegas ressentidos pela
ascensão social dos mais pobres, esqueça por alguns segundos o nosso racismo,
nossa centenária indiferença com os miseráveis, nossa cordial tolerância com as
injustiças sociais, nossa cômoda aceitação da existência de uma multidão de
pobres dispostos a fazer o trabalho pesado por salários irrisórios, deixe de lado
nossa ancestral complacência com a corrupção - que começa com a carta de Pero
Vaz de Caminha pedindo ao Rei um emprego para um parente e vem até ontem,
quando você aceitou pagar menos por um serviço sem recibo ou ofereceu um troco
(ou um milhão) para o fiscal não lhe multar -, esqueça tudo isso por um breve
instante e pense nos fatos.
1. O golpe
civil-militar de 1964, que jogou o Brasil numa ditadura cruel que durou 25 anos
e foi planejado e executado (hoje todos sabem) pelo governo americano e segundo
interesses das grande empresas americanas, foi apoiado por pessoas de bem como
você, que acreditavam no que diziam os jornais da época (os mesmos de agora), e
queriam combater a corrupção na Petrobras e impedir as práticas comunistas do
governo eleito.
2. Em 1989, ano que
marca a volta da democracia com eleições diretas para presidente, o jornalista
Ricardo Boechat foi premiado por denunciar a corrupção na Petrobras.
3. Em 1995 o jornalista
Paulo Francis denunciou a corrupção na Petrobras e, por isso, foi processado.
4. Em 1997, o
presidente Fernando Henrique Cardoso acabou com o monopólio da Petrobras na
exploração do petróleo brasileiro e criou o sistema de concessão, que favoreceu
as grande petroleiras americanas. FHC também editou a Lei n° 9.478, que
autorizou a Petrobras a se submeter ao regime de licitação simplificado, na
prática permitindo que a empresa contratasse fornecedores sem fazer
concorrências públicas. Para o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, esse
foi o momento em que "o governo Fernando Henrique colocou o galinheiro ao
cuidado da raposa".
5. Segundo o depoimento
dos delatores premiados da Lava Jato (Pedro Barusco e outros) e segundo a
denúncia do Ministério Público, foi em 1997 que esta quadrilha (Paulo Roberto
Costa, Youssef e turma) começou a roubar a Petrobras.
6. Durante o segundo
mandato de FHC, o Ministro da Justiça - e, portanto, chefe da Polícia Federal -
era Renan Calheiros (PMDB).
7. Em 2009, com a
descoberta das gigantescas reservas do pré-sal, o governo Lula anunciou
mudanças na lei de exploração do petróleo, favorecendo a Petrobras. As
petroleiras americanas, Chevron, Shell, Exxon e a inglesa BP, ficaram de fora.
Em telegramas revelados pelo Wikileaks e publicados pela Folha de SP, o
candidato tucano José Serra garantiu aos representantes da Chevron que, se
eleito, voltaria ao sistema anterior. Desde então Serra e o PSDB vem defendendo
o modelo de concessão e os interesses americanos no petróleo brasileiro.
8. A quadrilha de
Youssef e Paulo Roberto Costa começou a roubar em 1997, roubou a Petrobras
durante o segundo mandato de FHC, durante todo o governo Lula e nos primeiros
anos do governo Dilma. Entre os beneficiados com o esquema milionário estão
empresários e políticos de todos os partidos, especialmente do PP e do PMDB,
mas também do PT, do PSDB, do PSB e outros.
9. Em 2013 Dilma
sancionou a lei 12.846 que definiu como corruptores tanto as pessoas físicas
como as pessoas jurídicas. Graças a esta lei, pelo menos oito empresas tiveram
executivos presos: Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS, UTC, Engevix, Iesa, Queiroz
Galvão e Mendes Júnior. A lei sancionada por Dilma pode render a condenação
criminal dos sócios e executivos e pune as empresas com multas que variam de
0,1% a 20% sobre o seu faturamento. Foi com este temor que os milionários
presos fizeram suas delações premiadas.
10. Dilma indicou e
reconduziu ao cargo o Procurador Geral Rodrigo Janot, que investiga a corrupção
na Petrobras e já indiciou muitas pessoas. (Bem diferente do que fazia o
engavetador geral da república no governo FHC.)
11. A Polícia Federal,
durante o governo Dilma, levou a cabo a Operação Lava Jato, que prendeu e
desbaratou a quadrilha de Youssef e Eduardo Costa, que roubava a Petrobras
desde o governo de FHC, atravessou o governo Lula roubando e bateu no poste no
governo Dilma. Entre os investigados, com fortes indícios de terem recebido
dinheiro sujo, estão Renan Calheiros (ministro da Justiça e chefe da Polícia
Federal de FHC) e Eduardo Cunha (PMDB), atual presidente da Câmara, com um
longo histórico de envolvimento em falcatruas de toda espécie.
A corrupção na
Petrobras é antiga, no Brasil é ancestral, e os ladrões de dinheiro público, de
qualquer partido ou governo, devem ser severamente punidos e, isso é
importante, devem devolver o dinheiro que roubaram aos cofres públicos, mas
repassando esta lista de fatos, todos incontestáveis, você ainda acha que há
algum sentido em pedir, com o pretexto de combater a corrupção na Petrobras, a
saída de Dilma para entregar o governo a Renan Calheiros e a Eduardo Cunha?
Você não acha bem mais
provável que, sob o pretexto de combater a corrupção, essa turma queira que a
Dilma saia para atender interesses poderosos e voltar a roubar, como sempre
fizeram?
Publicado originalmente no Blog de Jorge Furtado em 12 de setembro