Ricardo Lewandowski
É antigo nos meios
forenses o adágio segundo o qual juiz só fala nos autos. A circunspecção e
discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons
magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram –e continuam
sendo– vistos com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte
de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados.
A verbosidade de
integrantes do Poder Judiciário, fora dos lindes processuais, de há muito é
tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a
função exige.
O recato, a moderação
e mesmo a modéstia são virtudes que a sociedade espera dessa categoria especial
de servidores públicos aos quais atribuiu o grave múnus de decidir sobre a
vida, a liberdade, o patrimônio e a reputação das pessoas, conferindo-lhes as
prerrogativas constitucionais da vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos para que possam exercê-lo com total
independência.
O Código de Ética da
Magistratura, consubstanciado na Resolução 60, de 2008, do Conselho Nacional de
Justiça, consigna, logo em seu artigo 1º, que os juízes devem portar-se com
imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência
e decoro.
A incontinência verbal
pode configurar desde uma simples falta disciplinar até um ilícito criminal,
apenada, em casos extremos, com a perda do cargo, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis.
A Lei Complementar nº
35, de 1979, estabelece, no artigo 36, inciso III, que não é licito aos juízes
“manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente
de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos
ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas
ou no exercício do magistério”.
O prejulgamento de
uma causa ou a manifestação extemporânea de inclinação subjetiva acerca de
decisão futura, nos termos do artigo 135, V, do Código de Processo Civil,
caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo
da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes.
Por mais poder que
detenham, os juízes não constituem agentes políticos, porquanto carecem do
sopro legitimador do sufrágio popular. E, embora não sejam meros aplicadores
mecânicos da lei, dada a ampla discricionariedade que possuem para
interpretá-la, não lhes é dado inovaar no ordenamento jurídico.
Tampouco é permitido
que proponham alterações legislativas, sugiram medidas administrativas ou
alvitrem mudanças nos costumes, salvo se o fizerem em sede estritamente
acadêmica ou como integrantes de comissões técnicas.
Em países
civilizados, dentre eles o Brasil, proíbe-se que exerçam atividades
político-partidárias, as quais são reservadas àqueles eleitos pelo voto direto,
secreto e universal e periódico. Essa vedação encontra-se no artigo 95,
parágrafo único, inciso III, da Constituição.
Com isso, não só se
impede sua filiação a partidos como também que expressem publicamente as
respectivas preferências políticas. Tal interdição mostra-se ainda mais
acertada porque os magistrados desempenham, ao par de suas relevantes
atribuições, a delicada tarefa de arbitrar disputas eleitorais.
O protagonismo
extramuros, criticável em qualquer circunstância, torna-se ainda mais nefasto
quando tem o potencial de cercear direitos fundamentais, favorecer correntes
políticas, provocar abalos na economia ou desestabilizar as instituições, ainda
que inspirado na melhor das intenções.
Por isso, posturas
extravagantes ou ideologicamente matizadas são repudiadas pela comunidade
jurídica, bem assim pela opinião pública esclarecida, que enxerga nelas um
grave risco à democracia.
Ricardo Lewandowski é presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ);
e professor titular da Faculdade de Direito da USP. Publicado originalmente
pela Folha de São Paulo.
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