Pasquale Cipro Neto
Sou limitado,
limitadíssimo. Não consigo entender determinadas coisas, nem com reza braba.
Quer ver uma coisa que não entendo? Por que é proibido fazer a apologia do
nazismo, mas é permitido fazer a apologia da ditadura militar, do extermínio
por razões ideológicas etc.? Ah, já sei: Médici foi bem mais bonzinho do que
Hitler. Que burro eu!
Bem, eu poderia me
alongar nesse assunto, mas o meu texto não teria nem um pingo do brilhantismo
do artigo publicado pelo grande Mário Magalhães em seu blog ("O silêncio
cúmplice aceita a barbárie").
Mário esgotou o
assunto. Sobrou-me a questão linguística, que, no caso, diz respeito à penúria
gramatical da frase que se lê num cartaz que uma nobre senhora brandia no
domingo para expor a sua também nobre visão de mundo: "Porquê não mataram
todos em 1964". Sim, assim mesmo.
Posto isso, vou tentar
ajudar essas etéreas almas a redigir cartazes que, ainda que indignos da nossa
semelhança a Deus, sejam linguisticamente "limpos", ao menos no que
diz respeito a "por que", "por quê", "porque" e
"porquê".
Comecemos pela forma
(mal) empregada por essa candidata ao Nobel da Paz, que, salvo engano, queria
ter escrito uma frase interrogativa direta. Nesse tipo de construção, não se
emprega "porquê"; emprega-se "por que", sem acento, a menos
que haja uma interrupção depois do "que": "Por que Deus põe no
mundo gente de alma tão ignóbil?"; "Você não vai? Por quê?".
Também se emprega
"por que" em perguntas indiretas, como se vê em "Não sei por que
essa gente é tão limitada" ou "Ninguém sabe por quê". Note, por
favor, que no segundo exemplo o "que" foi acentuado.
No caso da sentença
perpetrada pela discípula direta da Madre Teresa de Calcutá, a forma adequada
seria "por que". E como deveria terminar o sublime pensamento? Com
ponto de interrogação? Ou sem ele?
Depende. Quando se
escreve, por exemplo, "Por que essa gente diz barbaridades?",
pergunta-se por que essa gente diz barbaridades; quando se escreve "Por
que essa gente diz barbaridades", anuncia-se que se vai explicar a razão
pela qual essa gente diz barbaridades.
O que (suponho) a
nobre senhora queria dizer se escreve assim no português formal: "Por que
não mataram todos em 1964?" (que Deus me abra as portas do céu por eu
reproduzir pensamento tão celestial!).
Anote uma dica
simples: independentemente da presença ou da ausência do ponto de interrogação,
ou seja, independentemente de a pergunta ser direta ou indireta, escreve-se
"por que"/"por quê" e pode-se substituir esse "por
que"/"por quê" por "por qual razão", "por qual
motivo" ou, em certos casos, por "a razão/o motivo pela/o qual":
"Por que (= 'Por qual razão') essa gente é tão ignóbil?"; "Não
sei por que
(= 'por qual razão') essa gente é tão ignóbil"; "Por que ('A razão pela qual') não fui a Washington".
(= 'por qual razão') essa gente é tão ignóbil"; "Por que ('A razão pela qual') não fui a Washington".
Para quem sabe
inglês, uma boa dica é ver se entra "why" ou "because". Se
entra "why", entra "por que"; se entra "because",
entra "porque".
"Porque" é
uma conjunção causal ou explicativa, a qual, como já se pode deduzir, introduz
a explicação, a causa do que se afirma ou sugere: "Não durma, porque ainda
temos muito a fazer"; "Diz barbaridades porque a sua alma é
pequena".
E "porquê",
a forma empregada pela nossa filha de Maria? É substantivo, sinônimo de
"motivo", "causa": "Não entendo o porquê disso".
Como dizia o grande
Fernando Pessoa, "tudo vale a pena, se a alma não é pequena". E eu
digo: "Senhor, tende piedade de nós". É isso.
Publicado
originalmente em LUIS NASSIF ONLINE,
em 21.08.2015
Super interessante o artigo. O erro cometido por esss criatura, foi bom para relembrar o uso correto das palavras, na nossa difícil língua portuguesa.
ResponderExcluirSuper interessante o artigo. O erro cometido por esss criatura, foi bom para relembrar o uso correto das palavras, na nossa difícil língua portuguesa.
ResponderExcluirAté parece incrível para pessoas como eu, com visão de mundo, de Estado e de sociedade equivalente e, claro, compromisso com a democracia e o humanismo. Mas os dias mais recentes têm mostrado que não desapareceram com a ditadura pessoas capazes de olhar para essas enojantes figuras e imaginarem que o único delas é não dominar o vernáculo!
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